Tecnologia

1 abr, 2014

Jogos digitais: a importância do Fun Factor

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Durante os últimos anos, acompanhei de perto uma boa parte das principais transformações ocorridas no universo do GameDev, dirigindo e produzindo, em meu estúdio, games e aplicativos ludificados/gamificados, do edutainment ao advergaming. Pude vivenciar, assim, o ciclo de vida dos jogos digitais, cada qual com seus objetivos e particularidades, focando em tipos distintos de usuários, sob novas abordagens em relação a eles, os games, como plataformas de comunicação, ensino, arte, publicidade e entretenimento (ou o que mais você imaginar).

Muitos perguntam: “o que é necessário para se fazer um bom advergame?”. Seria a utilização de gráficos 3D de última geração, altamente otimizados para dispositivos móveis? Ou controles alternativos, baseados na Natural User Interace e na wearable computing? Talvez realidade aumentada na tela de um Google Glass? A verdade é que, apesar de esses itens despertarem grande interesse, dentro e fora da comunidade gamer, a presença de nenhum deles fará a menor diferença se o seu game não possuir relevância. E no jargão do GameDev, utilizamos Fun Factor para definir o grau de interesse que a experiência pode provocar no usuário. Então, respondendo à pergunta: o que precisamos é oferecer uma experiência divertida, ou seja, rica sensorialmente, fluida, naturalmente agradável, espontânea, com uma curva de aprendizado mínima, que permita ao usuário sair de sua zona de conforto e, sem perceber, passar minutos, talvez horas, quem sabe dias, envolvido, engajado no seu game. Não importa se é 2D ou 3D, se possui mecânica simples ou complexa, no final das contas o que vale é o Fun Factor.

A fórmula do sucesso

Não existe uma fórmula para se encontrar o Fun Factor: é preciso, antes de mais nada, conhecer as expectativas dos usuários dentro de seus universos de atuação. É que o Fun Factor presente em um determinado jogo pode não fazer o menor sentido quando transposto, adaptado para outra situação, na qual será utilizado por outro público, com diferentes expectativas, fazendo com que algumas ações gamificadas gerem frustração em relação ao engajamento, ao envolvimento almejado.

Um game promocional, em uma feira, por exemplo, pode – e deve – possuir um tempo curto de duração, pois estamos falando de um ambiente por onde passam muitas pessoas, por um breve espaço de tempo. Um jogo de três minutos, com características de arcade, em um cenário como esse, seria absolutamente normal. Mas a partir do momento em que pegamos o mesmo jogo e o distribuímos para download em dispositivos móveis, por exemplo, ele, que foi originalmente desenvolvido para uma experiência de três minutos, ainda que se aumentem variáveis como tempo ou vitalidade/vidas/energia, nunca vai funcionar com o mesmo grau de eficiência diante de um usuário que está noutra situação, dono do seu tempo, podendo jogar por períodos infinitos, para se distrair. Nesse caso, jogos de gênero tradicional, como puzzle, corrida e plataforma, podem passar por uma readequação, passando a basear seu level design em estruturas procedurais, generativas, como nos infinite runners. Cabem aí vários outros gêneros não necessariamente baseados em level design procedural: jogos de estratégia, como Tower Defense, ou puzzles, como Candy Crush Saga. Jogos de interação social também são uma boa pedida, “life simulators”, enfim, experiências que possam se prolongar infinitamente ou por um bom período de tempo – mas que também ofereçam diversão instantânea durante esse caminho.

Qual seria a fórmula do sucesso, então? O Fun Factor, como notamos, é uma variável influenciada por diversos vetores, como tempo, local, idade, situações diversas. Por isso, acredito que, no momento em que as ações são planejadas, sejam elas promocionais, institucionais, ativadas remotamente através de canais online ou de maneira direta, em ponto de venda, em todos esses casos, é preciso pensar no seu ciclo de vida baseado em três momentos distintos:

  • Antes do acontecimento em si: que pode ser um evento, um release público de um game, um treinamento/curso, o lançamento de um produto no mercado etc. É importante avaliar se já nesse momento o aplicativo/game poderia se fazer promover, criando teasers que permitam uma degustação da experiência, criando expectativa, promovendo o produto antes de ele ser lançado. Isso pode ser feito das mais diversas formas, criando vídeos, interações curtas pré-jogo, preparando o terreno.
  • Durante a ação: esse é o momento principal, no qual o usuário/prospect interage com o game. Como dito, é preciso que os princípios básicos do game design estejam bem fundamentados. O ruído, o espaço que o usuário precisa percorrer até chegar efetivamente à diversão, não pode ser muito longo, como obrigá-lo a passar por longos tutoriais ou preencher longos cadastros. Lembre-se: não conhecemos nosso usuário como a um amigo. É preciso que o relacionamento aconteça de uma maneira natural e gradativa. Conquistando a confiança do usuário, concretizamos o ideal do opt-in, fazendo reverberar positivamente não apenas o nosso projeto, mas os games como plataforma eficiente de comunicação.
  • Após a ação: é muito comum alguns jogos serem utilizados em apenas uma determinada ocasião ou por curto espaço de tempo, durante o lançamento de um produto, em um evento, ou depois de uma campanha publicitária, por exemplo. Como hoje, mais do que nunca, o mercado – seja você produtor independente ou fornecedor de outras empresas – precisa obter o máximo de resultado com o investimento, que é valorizado a partir do momento em que se consegue estabelecer um relacionamento com o usuário, aproveitando o vínculo criado antes e durante a ação, consolidando um laço de troca em que se oferece diversão, aprendizado, cultura, arte, e se recebe engajamento – que deve ser refletir em conversões reais.

Analisando os três momentos, podemos notar que, para aproveitarmos o máximo do potencial transmídia da experiência proposta, distribuída no espaço de tempo e no ciclo de vida do projeto, será necessário que o game transite por múltiplas plataformas e esteja preparado, sempre, para gerar feedback público, em redes sociais, fazer data mining, levantar métricas confiáveis, mesmo que nossa ação pareça, em princípio, não demandar tais necessidades. Planejar bem, como em qualquer atividade, também faz a diferença em GameDev, e por trás de um game estão muitas outras ações, que vão desde a produção de cases, veiculação de mídia, até o acompanhamento de métricas.

Ressignificando processos

Uma outra maneira de se pesquisar as raízes do Fun Factor é experimentando a ressignificação de processos. Nesse caso, a visão do game designer deve se expandir, compartilhar “DNA criativo” com outros especialistas, todos juntos passando a transitar por um perímetro além dos delimitados, a priori, por suas competências, gerando um tipo sui-generis de interdisciplinaridade.

Tanto na publicidade quanto na arte ou nas aplicações educacionais, ressignificar processos à luz da gamificação pode nos trazer grandes surpresas. É onde saímos do mero entretenimento e passamos a buscar a inovação real, repensando a forma como objetos e processos são realizados, imergindo numa dialética capaz de desconstruí-los, para, em seguida, recombiná-los em fusões inusitadas, criando o novo.

É cada dia mais comum nos depararmos com os princípios do game design aplicados a projetos voltados não apenas para a publicidade, mas para a promoção da saúde, da educação e do bem-estar – processos que até então ocorriam de uma maneira tradicional e que tomaram uma nova dimensão a partir do Fun Factor.