Nos últimos artigos percorremos – ainda que brevemente – duas décadas de relações entre linguagem, cultura, arte e tecnologia, resgatando um pouco de nossas origens, nossa identidade e das transformações que nos acompanharam (e acompanham) em nossas atividades mais comuns: produção de riquezas, fazer artístico, entretenimento e descanso, registros históricos, aperfeiçoamento dos processos comunicacionais; enfim, as principais situações onde nos aplicamos a viver.
Na imagem acima, você vê os infames CDs da America Online – a cara da bolha. Querendo angariar usuários na força bruta, eles colocavam isso na sua bolsa sem você perceber, na embalagem de papel higiênico, no pacote de arroz e claro, em revistas, jornais, caixa de cereal…
Nesse terceiro e último artigo da série, vamos recordar a época da “bolha” da Internet. Um momento bastante interessante, uma vez que a falta de acesso à tecnologia e de, consequentemente, a massa crítica que a utilizasse e promovesse acabou por gerar enormes prejuízos, especialmente devido ao otimismo dos investidores e analistas em relação ao comportamento do usuário. Junto dele, um tremendo campo de distorção de realidade devidamente alimentado por hypes e factoides dos mais diversos tipos.
Claro que há mais um sem-número de razões para explicar a ascenção e queda de grandes empresas na “bolha”, mas o principal eu posso afirmar: ainda é o fato de que o que conhecemos hoje por “usuário” de Internet, ainda era um proto-usuário naquele tempo. Acessar a web era algo para ser feito em momentos especiais, especialmente depois da meia-noite, quando o pulso telefônico (isso mesmo, banda larga nem sonho era, de tão distante) era muito mais barato. Os sortudos que tivessem algum dinheiro sobrando poderiam investir numa linha ISDN, que poderia aumentar para uma média de 128Kbits/s a taxa de transferência. Mas na realidade, para a imensa maioria das pessoas, acessar web significava lentidão.
Se você usou o discador da foto acima (ou um dos vários disponíveis naquele tempo, como o BRTurbo), sabe do que estou falando.
Coisas típicas dessa época: usar Outlook Express, Eudora e ICQ; saber de cabeça o telefone de acesso do IG; colecionar pilhas de CDs da America Online em casa; ter o livro do Ramalho de HTML4 ou o “Aprenda Java em 48Horas” (que vinha com um CD que praticamente ninguém usava), assistir na MTV aos “Piores Clipes do Mundo” ou… insira seu clichê de época aqui!
Culturalmente ainda não vivenciávamos o fenômeno da computação em nuvem, que posteriormente permitiu a emancipação e transformação real do comportamento do usuário em relação às suas fontes de informação. Para o usuário, acostumado com décadas orientado pela tríade tv – rádio – impresso, a Internet ainda era vista como uma diversão fútil, algo novo e inusitado, mas nada ainda que pudesse romper, nem mesmo arranhar, o stablishment editorial. Ainda não havia YouTube, Gmail, Pinterest, ou Facebook. E ainda que houvesse, talvez tivessem naufragado na bolha, pois a inovação sozinha não se resolve, ela precisa estar adequada ao tempo, à tecnologia e ao público deste tempo.
Como dito logo acima, apesar do conceito de nuvem não estar ainda consolidado nesse primeiro momento, ele estava a caminho e promoveria novos e sólidos rumos (que vivenciamos hoje) para a personalidade do usuário de Internet. Um dos melhores exemplos é o lendário NAPSTER. Não só mostrou aos usuários a força da coletividade, como também trouxe o debate sobre os direitos autorais, acendendo a faísca de uma possibilidade até então remota ou inimaginável: comprar música via Internet. Parecia mais coisa de maluco, mas foi aí que o debate realmente tomou status de coisa séria.
Podemos citar outras tendências que tinham grande potencial e acabaram por retornar dez anos depois, como grupos de consumo, barganha e claro, o comércio eletrônico em si. Antigamente ninguém era maluco de colocar o número do cartão de crédito num site. Hoje é uma coisa praticamente banal. Isso ilustra muito o fato de que a internet na era da bolha era vista como algo pouco confiável, quase experimental – e na verdade era mesmo!
Algo que também merece destaque é o fato de que o acesso à Internet não era móvel. A telefonia celular estava se adequando ao usuário em formação, com tentativas frustradas de estabelecer um padrão, como o WAP, por exemplo. Se hoje reclamamos dos nossos 3G/4G, imaginem a dor de um usuário de WAP no início do século. Sim, provavelmente não havia quase nada de realmente útil a se fazer em matéria de computação móvel naquele tempo, quando acessar o e-mail era como ir até a caixa de correios de casa e conferir se o carteiro havia passado – algo a ser feito esporadicamente – e não uma busca frenética pela comunicação imediata. Quantos de nós, hoje, já não ficamos ansiosos quando o Gmail demora mais de cinco segundos para receber um e-mail que acabou de ser enviado? Quanta diferença…
O tempo passou e todo mundo sabe o que aconteceu: veio a consolidação do Google e seus serviços, a web passou a ficar semântica ao invés de ser formada por ilhas isoladas no cyberespaço (termo, aliás, super pré-bolha!), o design de interfaces se emancipou; os dispositivos móveis, na trilha do inovador iPhone, chegaram e dominaram. E aqui estamos, vivendo uma contemporaneidade que é bem nossa, que é única, com rótulos que não cabem mais nem nas pessoas e nem nas empresas.
Um exemplo disso é que ao sermos questionados sobre em qual categoria se enquadrariam as tecnologias e recursos oferecidos pela minha atual empresa, a Meatballs, eu e meu atual sócio, Franklin Brito – um dos fundadores da Takenet – cunhamos um termo: “tecnologias emergentes”. Afinal, trata-se de tecnologias em pleno processo de consolidação e experimentação, sendo que nem todas elas estarão consolidadas ou serão aceitas pelo mercado nesse processo de seleção natural. Mas para que chegássemos a esse nível de posicionamento e acesso às tecnologias – e dos profissionais nelas especializados – muita água rolou, e espero, sinceramente, que os três artigos da série tenham ajudado nessa viagem de percepções, nostalgia e reposicionamentos pessoais e profissionais.
Até o próximo artigo!