Desenvolvimento

20 dez, 2013

Uma viagem no tempo pelos territórios da arte, da linguagem e da tecnologia – Parte 01

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O ano era 1985; um ano mágico e muito maluco. Acontecia muita coisa no Brasil: o primeiro Rock In Rio, a eleição e morte de Tancredo, a chegada do refrigerante Sprite. No rádio, Kid Vinil bombando com “Sou Boy” e “Tic Tic Nervoso”. Na TV, sucesso absoluto de Roque Santeiro, novela até então censurada, que arrebatava o país trazendo consigo um gostinho de liberdade, palavra que sintetiza essa época.

Viúva Porcina e Sinhozinho Malta, personagens da novela Roque Santeiro. O casal mais barraqueiro da tv brasileira nos anos 80.
Viúva Porcina e Sinhozinho Malta, personagens da novela Roque Santeiro. O casal mais barraqueiro da tv brasileira nos anos 80.

Eu tinha nove anos e havia acabado de conhecer um novo vizinho, o Fred. Estávamos na sala do apartamento dos meus pais jogando Atari, curtindo o que era, então, o “estado da arte” das diversões eletrônicas caseiras, quando Fred avisa: “lá em casa eu jogo no computador”. Pronto, foi o suficiente para eu ficar paralisado; chocado.

Como assim? Computador era um objeto que estava noutro patamar, do mundo dos adultos. Um objeto mágico que eu só havia visto em filmes ou desenhos animados. Como poderia meu vizinho, de dez anos de idade, ter um computador e ainda mais conseguir jogar e programar nele? Fiquei intrigadíssimo, desconfiado, e imediatamente pedi ao Fred para me mostrar seu computador. Mal sabia eu que esse acontecimento definiria toda a trajetória da minha vida futura, pois até então os únicos exemplos de interfaces digitais interativas que eu havia experimentado eram os jogos de fliperama e o meu Atari 2600, da Polyvox.

Era assim que a maioria das pessoas ainda imaginava os computadores. Note o precinho camarada.
Era assim que a maioria das pessoas ainda imaginava os computadores. Note o precinho camarada.

Os chamados “arcade games”, que eram encontrados em casas de diversões eletrônicas chamadas popularmente de Fliperamas (onde, aliás, nem era permitida a presença de crianças desacompanhadas), foram, durante toda a década de 80, a referência do que havia de mais moderno em matéria de entretenimento digital. Eram equipamentos caríssimos, de difícil manutenção e componentes muito modernos para a época; em parte também montados sobre uma base eletromecânica que, durante a maior parte do século XX, foi a base tecnológica das “diversões eletrônicas”. Eram sonhos de consumo inatingíveis. Ter um gabinete desses em casa era coisa para poucos privilegiados. Foi nos arcades que a maioria das pessoas da minha geração tiveram seu primeiro contato com nomes consagrados, tais como Konami, Namco, SEGA, Nintendo, Taito, Jaleco e SNK, que viriam a ser conhecidas a ponto de serem absorvidas pela própria cultura pop.

Assim era um fliperama na década de 80.
Assim era um fliperama na década de 80.

Este foi o primeiro game digital que joguei e foi em dupla com meu pai – ele na direção e eu no tiro.

O Atari2600 já havia rompido esse paradigma no final da década de 70. Jay Miner (que futuramente viria a criar o Commodore Amiga) conseguiu, através do TIA (Television Interface Adapter), incorporar e combinar uma série de componentes digitais, criando uma poderosa máquina caseira de diversões eletrônicas. Mas para nós, brasileiros, comprar um Atari não era nada simples – até 1983, quando ele passou, finalmente (com mais de 6 anos de atraso), a ser comprado em lojas brasileiras. Iniciou-se a febre dos videogames no Brasil, já que, com o sucesso do Atari 2600, outros consoles também foram introduzidos no Brasil, tais como o Intellivision e o Colecovision.

p.s.: Mais detalhes sobre os primeiros anos do videogame no Brasil nos livros do Marcus Garrett.

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A lei brasileira de informática, que havia sido criada no ano anterior (1984), era tenebrosa e se pautava por uma reserva de mercado. Com isso, não havia permissão para nenhuma empresa estrangeira comercializar seus computadores por aqui. Então, se o Atari era relativamente popular em 1985, não poderíamos dizer o mesmo dos computadores. Eles era produzidos exclusivamente por fabricantes brasileiros, que geralmente faziam engenharia reversa em computadores produzidos no exterior e “criavam” os micros nacionais. Para deixar tudo mais complicado, naquela época não era como hoje, onde o Mac e o PC dominam completamente o mercado de desktops, assim como Android e iOS o mercado de dispositivos móveis. Em 1985 era uma verdadeira Torre de Babel! Havia pelo menos seis tipos diferentes de arquitetura à venda, como TRS-80, TRS-Color, Apple, MSX, ZX-Spectrum, Sinclair, todos virtualmente incompatíveis entre si, com padrões e plugues proprietários. Para se ter uma ideia, o fato de um computador escrever em português com acentuação gráfica era considerada uma funcionalidade inovadora e vendido como uma grande feature.

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Revista INPUT: uma das mais populares publicações da época. Vinha com vários programas para serem digitados, entre jogos e aplicativos para 6 linhas de computadores diferentes.

O computador do meu vizinho Fred era um CP-200, exemplar nacional da linha inglesa Sinclair, e não possuía nenhuma cor nem capacidades gráficas ou sonoras! Parece sem graça isso, não? Porém, diferente dos fliperamas ou dos videogames, ele permitia que o usuário criasse e modificasse seus próprios programas, servindo, assim, como plataforma de possibilidades infinitas onde a imaginação era o limite!

Esse era o computador do Fred.
Esse era o computador do Fred.
Típico jogo de computador do início dos anos 80: sem cor ou gráficos, mas extremamente divertidos.
Típico jogo de computador do início dos anos 80: sem cor ou gráficos, mas extremamente divertidos.

O computador e as interfaces digitais passaram a ser, com o decorrer do tempo, minhas maiores motivações de vida, meus objetos de desejo. Lembro-me de que já em 1986 eu criava obras audiovisuais interativas utilizando o BASIC do meu TK90X, computador que possuía 16 cores, resolução de 256×192 pixels (considerada alta naquele tempo) e um gerador de áudio com um canal. Eu editava caracteres (8×8 pixels) e os reconstruía em blocos gráficos redefinidos, criando naves, alienígenas, tanques etc. Ficava muito claro para mim que, apesar de não ser um bom programador, eu possuía grande intimidade com os aspectos comportamentais e estéticos das interfaces dos jogos, especialmente.

Vejam como era “rápido” rodar um programa antigamente:

Ainda me lembro do boletim escolar dizendo que eu não fazia os trabalhos extraclasse e revelando o quão desinteressante me parecia a escola, de onde eu contava os minutos para sair e voltar à minha casa e, finalmente, municiado de exemplares de algumas das diversas revistas especializadas da época, ligar meu micro e passar o dia inteiro com ele.

Claro, na hora da(s) novela(s) eu tinha que desligar compulsoriamente meu computador da TV. Sim, monitores de vídeo, tão comuns hoje em dia, considerados até sucata digital, eram, naquele tempo, um luxo, um objeto tão caro, que eram pouquíssimos os usuários domésticos que os possuíam. Se você considerar que a maioria das residências tinha apenas UMA televisão, na hora da novela não tinha jeito: era desligar o micro e esperar, pacientemente, chegar a madrugada para poder tomar posse da TV novamente.

No próximo artigo continuaremos essa viagem chegando até os anos 90: o surgimento da multimídia, do webdesign, o filme Matrix e todas as questões pré-bolha.