O tema é antigo e recorrente nos Estados Unidos, mas recente no Brasil. Afinal, content marketing (ou marketing de conteúdo) e inbound marketing são sinônimos ou são diferentes entre si? Ou ainda: um faz parte do outro? Bem, vamos às definições segundo as fontes mais relevantes.
Joe Pulizzi, fundador do Content Marketing Institute e autor de quatro dos principais livros sobre o tema, define content marketing da seguinte maneira:
“Uma abordagem estratégica de marketing focada em criar e distribuir conteúdo valioso, relevante e consistente para atrair e reter um público-alvo claramente definido — e, em última análise, conduzi-los a ações rentáveis como consumidores.”
O Hubspot, principal difusor do inbound marketing no mundo, o define assim:
“Compartilhar é dar importância e o inbound diz respeito a compartilhar conteúdo com o mundo. Por meio da criação de conteúdo projetado especificamente para atrair os consumidores dos sonhos, inbound atrai prospects qualificados para o seu negócio e os mantém por perto para mais [atividades]”.
Lendo as duas definições, em que ambos de certa forma falam em plantar conteúdo para colher clientes, você pode pensar: bem, são praticamente a mesma coisa, certo? Errado. Vamos às diferenças.
Em content marketing, a formação de um público fiel é o nome do jogo. Uma marca utiliza todos os mecanismos para reunir pessoas interessadas, tornando-se referência para elas. Uma vez que essa plateia esteja consolidada — o que leva meses ou anos para acontecer —, a marca colhe os benefícios. Em um de seus livros, intitulado Epic Content Marketing, Joe Pulizzi lista os objetivos frequentes das empresas. São eles: consciência da marca (brand awareness), geração de leads, conversão em clientes, serviço ao cliente, retenção do cliente, geração de fidelidade, upsell do cliente e geração de defensores da marca. Em última análise, uma marca que venda qualquer coisa se transforma numa empresa de mídia, formando seu público permanentemente. Por exemplo, a Red Bull produz regularmente conteúdos, especialmente em vídeo, e assim alcança dezenas de milhões de fãs. A marca se fortalece e isso pesa fortemente na decisão de compra do consumidor no varejo.
O inbound marketing, por sua vez, tem uma visão diretamente focada em vendas. O próprio termo (marketing de entrada, em português) indica que a ideia é atrair pessoas para um funil de vendas. O objetivo não é tanto formar audiência, mas conseguir capturar a atenção de uma pessoa potencialmente interessada no produto ou serviço daquela marca. Um exemplo real: uma pessoa que deseja comprar uma piscina de fibras de vidro vai ao Google em busca de informações. A empresa River Pools & SPA aparece entre os primeiros resultados da busca. O sujeito visita o seu site e se cadastra para baixar um guia sobre piscinas. Pronto, ela já está no funil de vendas. A partir dali, a equipe de marketing vai monitorar seus passos e observar quais conteúdos consome. E a equipe comercial vai ficar na espreita, esperando o momento certo para dar o bote com um e-mail ou um telefonema.
Em outras palavras, content marketing cumpre os objetivos de marketing; inbound tem relação com vendas. Numa estrutura organizacional padrão, o departamento comercial está inserido no de marketing, e não o inverso. Portanto, inbound está inserido em content marketing — e não o inverso. A Oracle é um caso de quem consegue fazer com perfeição o processo completo, especialmente nos Estados Unidos. Seus conteúdos buscam consolidar a empresa como uma referência em seu setor, mas suas ações de comunicação também incluem direcionar profissionais de TI para um funil de vendas.
E a automação?
Inbound quase automaticamente remete a ferramentas de automação de marketing — o Hubspot, citado neste artigo, é uma delas. A funcionalidade principal desse tipo de software é monitorar cada conteúdo consumido por uma base de cadastros (mailing) e fazer oportunamente a oferta comercial. Por isso, empresas B2B e e-commerces, que normalmente buscam vender online, são os mais propensos a contratar esse tipo de serviço.
Para empresas que tenham previamente formado uma audiência real, esse mecanismo funciona de forma fantástica.
No entanto, uma enorme parcela das empresas que adere ao mundo do conteúdo de marca pula a etapa de formação do público, que é naturalmente demorada, e tenta gerar clientes tão logo tenha começado a produzir conteúdo. Isso é um erro. Elas querem fazer inbound fora do contexto do content marketing e acabam obtendo resultados pífios em todos os sentidos. Em um bate-papo poucos meses atrás, Joe Pulizzi me disse que esse comportamento afobado não é exclusividade do Brasil. Ele é muito comum também nos Estados Unidos.
“As empresas coletam nomes e já os classificam como um lead [potencial cliente]. Não entendo isso. Não é um lead ou, pelo menos, você ainda não sabe se é um lead. As pessoas só estão interessadas no conteúdo e você não sabe o porquê. Você tem de observar o comportamento para justificar isso. Se produz um determinado conteúdo e o coloca para download, o próximo passo não é telefonar para o leitor. O próximo passo é descobrir como fazer com que ele faça parte daquele grupo de leitores fiéis, tornando-se assinante regular do seu conteúdo. É só a partir desse ponto que vem o lead. Os cadastros não devem ir diretamente do download para o status de lead. Devem ir do download para o assinante, e dali para outro conteúdo. Só então você começa a observar os dados. Talvez observando os dados com o passar do tempo, você conclua: ‘quando essa pessoa se engaja com cinco conteúdos, durante certo período de tempo, este é um excelente tempo e, baseados em nossos dados, deveríamos contatá-la’.”
Eu poderia listar dezenas de exemplos de empresas que fazem bom uso do inbound, como a própria Oracle, mas prefiro trazer uma empresa menor, mais próxima da realidade da maioria dos pequenos empreendedores. Almocei outro dia com o autor e palestrante Luciano Pires, fundador do Café Brasil, e ele comentou que havia conquistado um bom número de assinaturas mensais pagas para conteúdos especiais que sua empresa produz. Como fez isso? Usando uma ferramenta de automação.
Ora, mas se automação funciona para o Café Brasil provavelmente funciona para todo o mundo, não?
Bem, antes de tirar qualquer conclusão precipitada, saiba que o podcast Café Brasil está no ar há uma década, com mais de 500 edições produzidas. Saiba também que o Luciano é autor de sete livros e já foi visto por centenas de milhares de pessoas em suas palestras, voltadas para o público corporativo. Se você der uma olhada nos comentários de suas postagens no Facebook, vai perceber que o público do Luciano está de fato conectado com o conteúdo que ele gera, que é para lá de consistente.
Conclusão: o Luciano Pires formou um público fiel do Café Brasil. É óbvio que uma ferramenta de automação de marketing vai funcionar para ele! O que posso afirmar com mais certeza é que se você formar um público fiel como o Luciano formou, suas chances de ter sucesso com automação são enormes.
Agora vejamos um exemplo oposto. Dia desses, um tarólogo publicou algo em seu Facebook. Uma pessoa que gosta do tema curtiu a publicação. Até aí, nada de novo. Acontece que o tarólogo decidiu iniciar um bate-papo por mensagem privada. Foi direto ao ponto e ofereceu seus serviços. Os dois nem sequer se conheciam. Obviamente, a história terminou com a moça cortando a conversa — sem deixar de dizer que até pretendia contratá-lo para uma consulta, mas desistiu depois da abordagem abelhuda, que foi relatada por ela na própria rede social.
O episódio no Facebook não é exatamente um caso de inbound, mas há um ponto de enorme semelhança com as ferramentas de automação, que é o desconforto que uma abordagem invasiva provoca. Quando você baixa um e-book e, em seguida, recebe um bombardeio de e-mails, a sensação de que alguém do outro lado não entendeu o significado do seu clique é a mesma.
Conclusão
Se você analisar isoladamente content e inbound marketing, notará diferenças nos perfis comportamentais. Enquanto o primeiro terá uma visão de marketing mais holística, o outro será mais focado no funil de vendas. Toquei no assunto com o consultor holandês Bert van Loon, que considero uma enciclopédia humana nessa área, e ele fez um paralelo perspicaz, como de costume.
“É como comparar o fazendeiro ao caçador. E aí nos cabe tomar uma decisão empresarial. Queremos ser fazendeiros, que nutrem a natureza para preparar a comida num ritmo natural, ficando atentos para colher as frutas maduras antes que uma chuva de granizo acabe com elas? Ou queremos ser caçadores que perseguem a presa para obter mais comida no menor espaço de tempo? Ou, ainda, vamos combinar as duas atividades para garantir a comida de que necessitamos para viver?”
Portanto, seja o fazendeiro e use content marketing se acreditar ser um bom método para a sua marca. Combine essa qualidade com a de caçador e use também o inbound marketing para fazer a conversão da sua audiência em vendas, se esse for o o seu objetivo. Mas desconfie sempre de quem promete resultados rápidos.