No meu tempo de colégio, entre a quarta e quinta série, era comum que
as gurias criassem seus questionários. Cadernos ou diários com
perguntas sobre vários assuntos, como “Qual sua cor favorita?”; abaixo
de cada questão, várias linhas em branco para serem preenchidas pelos
“entrevistados”. A primeira pergunta sempre era o nome completo. Assim,
elas passavam esses cadernos para os guris preencherem e podiam saber
“tudo” sobre a ala masculina da sala. Era uma brincadeira interessante e
descontraída. O formspring.me é quase isso.
O diagnóstico de “Complexo de Second Life” (saiba a origem desse termo) começa por alguns fatos
que quem o desenvolveu não levou em conta em seu planejamento,
brainstorm, rascunho ou qualquer coisa do gênero se é, claro, que
houve algo do gênero. Dentre inúmeros pontos, citarei os principais, são
eles:
- Como evita-se que uma pergunta não seja repetida inúmeras vezes de
formas diferentes? Invariavelmente quem responde uma hora cansa de
responder as mesmas coisas e, quando isso acontece, o que era divertido e
interessante passa a ser monótono e, aos poucos, deixa de ser utilizado. - Existe alguma maneira de catalogar, classificar ou agrupar as
perguntas? Não. Por mais incrível e óbvio que pareça, essa
funcionalidade não existe. E quando houver milhares de perguntas? Quem
vai passar da primeira página de perguntas e respostas? - Não há como armazenar as perguntas e repetir a outros usuários.
Imagine que você queira fazer uma enquete, ou seja, a mesma pergunta
para várias pessoas de sua rede. Bom, pelo formspring.me você realmente
não conseguirá fazer. - Não há rede, você pode seguir pessoas, como no Twitter, mas não há nenhum princípio de interação
mútua um dos preceitos mais básicos da web 2.0. - Não tem aplicabilidade ao mundo corporativo. Por que uma empresa
utilizaria o formspring.me? Seria fácil responder se ferramentas como o
Google Docs Forms ou EasyMailing Pesquisa não existissem. Uma empresa
não teria como interagir, e sim reagir às perguntas realizadas. No
Twitter uma corporação pode contar o que está fazendo e interagir com
seu público.
Nos últimos meses devo ter visto pelo menos 20 matérias na televisão,
jornais e revistas sobre esta ferramenta. Obviamente não se atentaram a
pontos determinantes para o sucesso de um projeto na web atual. Uma
ferramenta que ignora leis básicas da Web 2.0 e usabilidade não merece
tanto destaque e por esse motivo resolvi abordar este assunto.
Mesmo com todos os pontos fracos corrigidos, não só os citados, a
aplicação não faria sucesso como fez e faz Orkut, YouTube e Twitter.
Basicamente porque entretenimento na web, que é o principal artifício
dessas redes sociais e ponto chave do sucesso, deve traduzir algum ponto da vida offline para o online. Explico de forma generalista:
Orkut
Nada mais é do que a tradução do
cotidiano social. O Orkut traz para o mundo online o que fazemos no
mundo offline: amizades, grupos de amigos, afinidades, reunião de
pensamentos, bate-papo e troca de experiências. O Orkut faz tanto
sucesso no Brasil porque expõe a vida cotidiana, é a “fofoca digital”, e o brasileiro é adepto e acostumado a esta cultura. Facebook e LinkedIn fazem
mais sucesso em outros países do que aqui, pois tratam a vida particular
de uma forma diferente, dando ênfase muito mais à vida profissional e ao
cotidiano coletivo, sem muita interferência no cotidiano particular.
YouTube
Um espaço para compartilhar, em vídeo, a
vida, o cotidiano e curiosidades. O que você antes fazia trocando
e-mail, emprestando CDs e DVDs, reunindo pessoas em frente à TV agora
você também pode fazer de forma mais rápida, democrática e sem maiores
complicações. O YouTube também tirou o controle remoto da mão de muitas
pessoas e, no lugar, colocou a câmera, quebrando a barreira do domínio e
da centralização da informação principalmente nos países menos
desenvolvidos.
O Twitter é uma ferramenta prática,
simples e funcional. Quantas vezes começamos uma conversa perguntando ao
outro: “E aí, o que você está fazendo?”. O Twitter vai além e permite
que saibamos o que o outro está fazendo constantemente, o que está
acontecendo naquele instante e até o que ainda esta para acontecer.
Recentemente podemos divulgar tweets de quem seguimos propagando-os para
nossa rede. É comunicação em massa em tempo real e livre, pois você
escolhe quem quer “ouvir”.
O que o formsping.me traz da vida real? Nada. Possui algum nível de
entretenimento, sim, mas tão fraco que haverá uma explosão de interesse
pela ferramenta, se é que isso não está ocorrendo neste momento, e logo
após um esquecimento quase que total. O estopim do interesse é a mídia,
que por sua vez é voraz por novidades. Formspring.me, é novidade, mas
não é inovador, não agrega, não satisfaz.
Outro ponto muito fraco da ferramenta é o estimulo e a integração com
o Twitter, o que acredito que será fator alto de “unfollows”. Esta
semana li exatamente 32 tweets daqueles que sigo reclamando de pessoas
da sua rede divulgando e tweetando as perguntas do formspring.
Obviamente o Twitter não tem esse propósito e a utilização dessa maneira
chega ao ponto de ser inconveniente.
Alguns famosos já estão na ferramenta, como Thedy Corrêa músico, compositor e vocalista da
banda Nenhum de Nós. Acessei seu formspring e encontrei uma barra de
rolagem com milhares de perguntas. Durante os cinco minutos de paciência
e muita bobagem que li, encontrei duas perguntas e suas respectivas
respostas que resumem este assunto:
- Você vai responder todas as perguntas que te fizerem aqui ou
vai selecionar só algumas?
Responder TODAS, menos as repetidas - Onde tu arranja tanta paciência para responder tantas
perguntas (inclusive essa daqui?)
Sou um sujeito paciente por natureza