O texto de hoje tem um formato diferente. Vamos falar de Gamification, mas no formato de uma entrevista com um estudante que fez gamification na prática.
Prévia para quem não sabe sobre o tópico: podemos definir gamification como inserir aspectos de jogos (pontuações, progressão, narrativa, dentre outros) em sistemas que não são jogos, com o objetivo de torná-los mais motivadores para serem usados. Yu-Kai Chou, o grande guru da área, prefere falar em “Human Centered Design” ao tratar de gamification porque seria toda uma nova abordagem em design: projetar levando a sério a psicologia da motivação do usuário.
Depois dessa breve introdução, falemos da aplicação do André (o rapazinho da foto abaixo). Ele desenvolveu um sistema gamificado para a área da Saúde. O GLIC é um app para ajudar pessoas com diabetes. Na entrevista (que no final comentarei) você verá muitos aspectos da gamification na prática.
Por que você resolveu fazer um app para ajudar diabéticos?
Eu sou diabético há muito tempo e sempre registrava os resultados em um caderno. Daí, quando comecei meu TCC em Sistemas de Informação, tive a ideia de fazer algo para facilitar isso.
O GLIC é feito para usuários novatos, para quem está aprendendo o básico sobre a doença e como se auto-observar. Ou seja, é para aprender habilidades elementares sobre como controlar a glicemia.
Alguma razão especial para fazer um appgamificado?
O problema da maioria dos diabéticos em tomar notas é o aspecto psicológico disso. Quer dizer, a motivação. Daí veio a gamification como método para motivar o diabético a registrar dados e avaliá-los. Jogos te entusiasmam, te motivam a continuar e progredir aprendendo. Eu quis levar isso para o aplicativo e funcionou.
O que o GLIC faz?
No GLIC você pode fazer os registros de índices de glicemia Glic 1 (e outros indicadores). Conforme você insere os dados, o app informa quão bem vai indo seu tratamento (a partir de protocolos médicos validados).
Que aspectos de jogos existem no GLIC?
No app tem algumas mecânicas de game: pontuação, progressão em níveis, conquistas (ex.: registrar 5 glicemias em um dia; ou registrar glicemia 7 dias seguidos). As conquistas rendem medalhas que o usuário pode colecionar.
A forma de marcar pontos é registrando mais dados de seu exame, com mais frequência. O GLIC te recompensa com pontos por você estar se ajudando. Assim você mantém um histórico de sua glicemia, insulina e afins. Dessa forma você entenderá melhor as causas que levam a mudanças no indicador de glicemia.
O app tem também um personagem cujo humor muda de acordo com os dados do usuário. Assim você fica sabendo quão bem estão seus resultados a partir do que vê do personagem na tela. Você pode escolher dentre três personagens: alfa, beta e gama. No futuro cada personagem terá uma personalidade diferente, falas diferentes e coisas assim. Quando você progredir na sua aprendizagem sobre a avaliação da glicemia, o personagem progredirá junto.
Qual o futuro do GLIC?
Não pretendo comercializar: ficará free mesmo. Vou melhorar o protótipo atual, inserir mais funcionalidades e mecânicas.
Aprendi muita coisa sobre gamification nesse projeto. Pensava que era só inserir mecânicas de games, mas é bem mais que isso. É projetar levando em conta a psicologia do usuário: o que ele gosta e o que o motiva. A gente aprende pouco disso em Sistemas de Informação. O usuário enquanto pessoa é meio esquecido e a gamification nos faz lembrar dele.
Obs.: Quem quiser falar com o André pode mandar uma mensagem para ele via andre.vmatias@gmail.com
Ok, ok… Agora vamos analisar um pouco essa entrevista para desvendar alguns pontos sobre gamification:
- Gamification não é a mesma coisa que games: notaram que o André não criou um game mas um app bem sério para tratar a saúde das pessoas? Pode até ser divertido mas o foco não é divertir. O Glic existe para melhorar a vida de diabéticos não para fruição solta como um LoL, um Far Cry e afins. Games são mais caros, demorados e complexos de fazer do que sistemas gamificados. Em geral, estes consistem “apenas” em inserir camadas de mecânica de jogos em sistemas “sérios”, e não em criar produtos radicalmente novos.
- Gamification é explorar a psicologia da motivação: gamification existe porque nem tudo é motivador como um jogo; mas poderia ser! Para gamificar algo, você precisa entender bastante sobre Psicologia da Motivação, afim de não gerar o efeito contrário ao desejado!
- Gamification é sobre mudança comportamental: motivar para o quê? Para mudanças observáveis no comportamento. Podem chamar de hábitos, costumes, do que for, mas gamificar implica em objetivos precisos. No caso do Glic, aumentar a frequência do auto-exame e o volume e qualidade de dados extraídos pelos diabéticos. Não se trata de uma mudança (apenas) de atitudes ou de sentimentos, mas do modo de agir.
- Gamification envolve métricas, ROI: e o que tem tudo a ver com mudanças comportamentais observáveis? Isso mesmo: mensurar! Gamification sempre está relacionado com indicadores, métricas. No caso do Glic, a aprendizagem e competência do usuário em se auto-examinar são mensuradas por frequência de exames, taxa de acertos nos resultados e volume de dados extraídos. Todo sistema gamificado parte de objetivos que permitem o cálculo de ROI.
No futuro voltarei a falar de Gamification aqui
Mais aplicações, mais explicações também para quem quiser fazer isso na prática.
Como deu para perceber trata-se de uma nova forma de conceber o projeto de sistemas digitais: eles precisam não apenas funcionar e serem usáveis, mas também serem feitos para motivar pessoas (O que implica em entender suas necessidades, desejos, emoções).
***
Artigo originalmente publicado aqui: http://www.fabricadejogos.net/posts/introducao-gamification-o-caso-glic/