“A felicidade bestializa: só o sofrimento humaniza as pessoas” – Mário Quintana – da coleção de frases.
A mídia tem tripla função na sociedade.
- É uma empresa como outra qualquer: visa ao lucro;
- Tem a função oficial de gerar informação/comunicação;
- E nas entrelinhas criar ilusão social de que tudo está bom e pode
ficar do jeito que está. É uma apaziguadora de ânimos, coloca panos
quentes nos conflitos.
A mídia é e sempre será aliada do poder de plantão.
Sem controle da mídia não há poder e vice-versa.
E sem poder não há sociedade.
Bem-vind@ à humanidade com suas celas e limites!!!
Ou seja, a liberdade de imprensa, de opinião existe, desde que trabalhe dentro de algumas fronteiras.
Não é algo malévolo, mas regulador social.
Obviamente, que há poderes e poderes, mídias e mídias.
Veja, por exemplo, a postura da mídia americana em relação à Guerra
do Iraque pró-Bush, nacionalista e patriota. E superficial ao apontar a
raiz das seguidas crises financeiras.
É uma liberdade de imprensa dentro de determinado jardim.
Esse processo, entretanto, é algo que tende a gerar decadência, pois
vai evitando que determinadas mudanças necessárias ocorram na sociedade.
Criam latências que vão se acumulando e resultam em:
- De forma mais comum, revoltas, tumultos, alternâncias fortes de
grupos de poder (que impactam de alguma forma na mídia, por ajustes
menores); - Quando o sofrimento geral passa de determinado limite (vide revoluções sociais, que criam outros veículos);
- Quando a população cresce e exige uma mudança radical na sociedade
(vide revoluções cognitivas, que criam outra forma de controlar a
informação, de forma mais descentralizada – vide passagem do papel
manuscrito para o impresso).
Ou seja, não há mídia que não esteja afinada com a estrutura de poder.
Se não está, ou o poder vai construir uma nova mídia (vide Chavez na Venezuela) ou vai cair.
Não tem como.
Faz parte das sociedades humanas.
Porém, como disse o Castells, onde há poder há resistência.
O poder cria uma ilusão e quem está na resistência tentar criar uma
anti-ilusão, que tem contida nela uma nova, já que na vida adotamos a
ilusão que mais nos convém em dada circunstância econômica, que se
reflete no político-social.
Somos a ilusão que viabiliza nossa sobrevivência,
diante de uma dada conjuntura de relação de poder dos diversos
interesses sociais e a capacidade de articulação de quem está satisfeito
ou insatisfeito com o status quo.
Diante disso, não me surpreende alguns pontos dos Princípios editoriais das organizações Globo (pdf), publicado há poucos dias, que considerei um dos textos mais importantes do ano, pois:
a) a Globo é um dos principais veículos do país;
b) tem tido iniciativas com as redes sociais (vide jornalismo participativo);
c) o texto aponta perspectivas sobre informação, comunicação e relacionamento com leitores;
d) aborda o mundo digital;
e) e revela como (tenta) pensar o futuro o principal grupo de comunicação do país.
Conhecê-lo, analisá-lo, ver os pontos eficazes e pouco eficazes sobre
a visão do futuro que chega é algo fundamental e importante para quem
está atuando nessa área.
No documento no último parágrafo, depois de muito texto, tem algo que assume essa função criadora da ilusão, lá diz:
“Entendemos mídia como instrumento de uma organização social que viabilize a felicidade”.
Ou seja, o critério final para se saber se os veículos da Globo estão cumprindo o seu papel é se estão viabilizando a felicidade!
Criando a ilusão, já que a felicidade é um estado de espírito,
seguido de momentos de tristeza, que uma sem a outra não existe, assim
como precisamos conhecer a depressão para saber o que é a euforia e
vice-versa.
A procura da felicidade é um conceito altamente lucrativo e
interessante de uma sociedade de consumo, que vende de tudo para que
você não fique triste, inclusive remédios tarja pretas.
É coerente ainda com o status quo da nossa atual sociedade centrada na força do indivíduo (egoísmo) em detrimento ao coletivo.
O que, na verdade, é o movimento contrário que o atual movimento que
surge na rede procura contrapor: projetos coletivos para equilibrar o
poder atual dos indivíduos.
O documento como um todo levanta questões muitos interessantes para o
debate, pois já mostra a influência da internet em vários momentos,
porém, ao se ler em detalhe, tudo acaba na mão de alguém regulando todo
o fluxo.
Ou seja, a visão, como não poderia deixar de ser, é a manutenção
dessa sociedade com o modelo informacional de controle que conhecemos,
com algum leve verniz de modernidade.
Há uma pretensa ode à participação, mas o modelo central é o do
controle final por um editor (mais experiente e mais maduro),
independentemente da demanda dos clientes (leitores, telespectadores e
ouvintes).
No modelo secular da comunicação vertical. Pouco se sente a brisa da participação coletiva nos rumos da imprensa.
Não chegou a tanto, nem se esperava que chegasse.
É um documento em que se vê claramente a atual briga da aranha com a estrela do mar.
Vai ser, aliás, o tema do meu próximo Nepô ao Vivo.
(Não perca!)
Vou arrumar algumas coisas nessas ideias, a partir de um papo maior, por e-mail, com o @augustodefranco.
Vou detalhar:
As revoluções cognitivas e as mudanças das topologias das redes.
(Que vai sair na segunda.)
Adianto o seguinte:
- Apesar de as mídias terem o papel de reguladora social, através da
construção de uma ilusão, isso é um processo em equilíbrio e
reequilíbrio, que muda conforme a população aumenta radicalmente e ganha
a alternativa de mídias mais descentralizadas; - Que, no caso particular, de uma revolução cognitiva, é fruto de
um radical aumento populacional, o modelo de criadora de ilusão passado
perde o sentido, pois procuram-se outros modelos, criando uma alternativa
à mídia de plantão, que começa a entrar em decadência (vide resultados
dos últimos anos). - E que a nova mídia será muito mais colaborativa do que a atual,
mantendo um novo tipo de controle muito mais sofisticado que o atual,
via plataformas, algoritmos e novos “editores de desejos de comunidade”.
Quem não se preparar para esse mundo perderá espaço, pois a sociedade começa a parir as mudanças na qual a mídia será engolfada.
O documento é extenso, mas ignora o fundamental: o momento histórico
da passagem de um ambiente aranha para estrela do mar, de redes
centralizadas com um tipo de controle para mais abertas, com um novo.
Que dizes?