DevSecOps

19 jul, 2012

O mercado de e-books no Brasil: o pior cego é o que não quer ver

Publicidade

A imprensa noticiou que a Amazon prepara sua chegada no Brasil. Poucos se arriscariam a definir o que é a Amazon. Livraria, editora, estúdio cinematográfico, operadora de telefonia? É tudo isso e muito mais! A convergência de mídias, sobre a qual tanto se fala há anos, tão bem debatida no livro Cultura da Convergência, de Henry Jenkins, parece ter na palavra “Amazon” um fortíssimo sinônimo.

Já sabemos que o modelo Amazon consegue mexer com a estrutura de diversas áreas. Mas hoje eu quero me concentrar no mercado editorial; especialmente o brasileiro, que, a meu ver, demorou demais a compreender essa revolução dos livros digitais. 

Segundo dados da Nielsen BookScan, a queda nas vendas dos livros impressos nos Estados Unidos dobrou em dois anos (sendo que a maior redução foi em ficção – 7,2% em 2010 e 18% em 2011). No Reino Unido, nas primeiras quatro semanas de 2012, a redução nas vendas de livros físicos foi de 12% no geral e de 26% apenas em ficção. O mesmo ocorre na Espanha. Na Itália, a exceção, as vendas de ficção ainda crescem.

No Brasil, onde a cada ano que passa as grandes editoras reduzem a quantidade de títulos publicados, inusitadamente, o mercado editorial festeja os índices apresentados no recente levantamento “Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro”, realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (FIPE/USP). Os resultaos mostraram um crescimento de 7,2% nas vendas do setor literário no Brasil. Dos 438 milhões de exemplares vendidos em 2010, foram vendidos 469,5 milhões em 2011.

É importante lembrar que a análise da FIPE/USP, que apura dados nos segmentos que sustentam a cadeia produtiva do livro, ou seja, o mercado (livrarias e outros pontos de venda) e o governo (que compra das editoras por meio de programas como Plano Nacional do Livro Didático – PNLD), avalia o preço médio do livro, que não corresponde ao que é pago pelo consumidor, e sim às vendas (com descontos) das editoras ao mercado e ao governo. Ainda segundo o levantamento da FIPE, os títulos digitais ainda não têm influência significativa na elevação ou queda do preço médio do livro, mas começam a fazer presença no panorama editorial, com mais de 5.200 títulos lançados em 2011. O número equivale a aproximadamente 9% dos mais de 58 mil títulos totais lançados em 2011. Em relação às vendas, o total corresponde a um faturamento de cerca de R$ 870 mil. Enfim, muito pouco, quase nada. 

Enquanto isso, nos EUA, segundo relatório recentemente divulgado pela  Association of American Publishers (AAP), os livros digitais já trazem maior faturamento aos editores americanos do que os tradicionais livros de capa dura. Além disso, no seguimento de livros para adultos, entre janeiro de 2011 e janeiro de 2012, as vendas de e-books cresceram cerca de 50%. Já no seguimento de livros infantis, o crescimento do faturamento foi de 475% no mesmo período!

Resumindo, a situação é a seguinte: no mercado brasileiro, celebra-se o “crescimento” das vendas de livros impressos e nos EUA, o faturamento, cada vez maior, ano a ano, na venda dos e-books. Pergunto a você, prezado leitor, qual das duas situações deveria, digamos, ser mais celebrada?

A grande verdade, amigos, é que as editoras nacionais ainda não reconhecem a importância cada vez maior do conceito de inovação no mundo atual. Editoras concorrendo com empresas de tecnologia? Ora, só incorporando inovação e, claro, tecnologia nos seus processos. Existem ainda grandes editoras brasileiras (pasmem!) que não possuem intranet e não dão a devida atenção à gestão de seus ativos digitais. É nesse cenário hostil que as editoras precisarão lutar para sobreviver. Se querem ter melhores chances de sobrevivência, precisam, para começar, “tirar a venda” (que elas mesmas colocaram) dos olhos. É preciso fazer o trabalho de casa. Esquecer o passado e olhar (de forma positiva) para o futuro. A crise, acredito, pode ser oportunidade para ampliar (até) sua carteira de clientes e portfólio de produtos e serviços.

Livros e software são produtos do intelecto. Conhecimento recuperado, produzido, editado, empacotado e publicado. O que estamos observando é que a Amazon, Google e Apple (Microsoft, em breve) também se tornaram “editoras” e “livrarias” dos novos tempos. Elas apostam nos livros digitais, pois sabem que eles tendem a superar, por diversos motivos, a vendas dos livros impressos. Entretanto, as editoras em geral (e principalmente as brasileiras) insistem em enaltecer uma tecnologia do século XV (a prensa de Gutenberg), modelos de negócios do século XIX, achando que assim vão se estabelecer no século XXI. Ainda se ouve (acreditem!) entre muitos editores brasileiros a discussão sobre a “insuperável” supremacia do livro impresso sobre o digital. 

Mesmo no Brasil (sabemos o seu “custo” intrínseco), não vejo como a Amazon não se estabelecer nos termos que melhor lhe aprouver. Problemas à vista para a “concorrência”. O grande problema dos “concorrentes” brasileiros não é a falta de tecnologia em si, mas o seu mau uso. Os serviços prestados pelas editoras e livrarias estão, infelizmente, muito abaixo da competência esperada pelos clientes e necessária para se “fazer sombra” aos serviços prestados pela Amazon. Correr atrás do prejuízo ou bater de frente com a Amazon me parecem más escolhas. Uma solução? Editores e livreiros focarem no seu cliente e saiberem escutá-lo. Enfim, façam o que sempre deveriam ter feito. Mesmo que isso signifique (e isso vai significar, não tenho dúvida) trabalhar junto com a Amazon.

Quando a Amazon joga o preço dos livros lá embaixo, não está desvalorizando (como dizem por aí, tendenciosamente) o produto livro, muito pelo contrário, está sim é escutando o cliente que quer livros mais baratos, para poder consumir mais. Livros a preços mais baixos significa mais livros comprados. É melhor para escritores (incluindo os independentes) e, claro, para os leitores. É tão difícil ver isso? Acho que não. Quem não enxerga, certamente, não é porque seja cego, é porque não quer ver. E aquele que não quer ver, sabemos, é o pior cego.