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5 mai, 2010

O marco civil da internet: problema ou solução? Censura ou liberdade?

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É quase inacreditável, mas ainda há quem não saiba que está em elaboração um projeto de lei
que pretende regulamentar o uso da Internet no Brasil, O
Marco Civil da Internet
. O projeto, lançado em 29 de outubro de
2009, é uma parceria entre a Secretaria de Assuntos Legislativos do
Ministério da Justiça (SAL/MJ), e a Escola de Direito do Rio de Janeiro da
Fundação Getulio Vargas (DIREITO RIO).

O projeto de lei tem logo de cara uma inovação, a construção
colaborativa, através da Internet, do chamado Marco
Regulatório Civil da Internet Brasileira
. Nele você pode comentar
os artigos do projeto, dando sua opinião e participando de sua
construção.

De fato, à primeira vista, o projeto vem ajudar a dar mais poder aos
Internautas, e regular os serviços de Internet. Mas eu sou daqueles que
se arrepia quando se fala em regulamentar qualquer coisa que seja ligada
à liberdade de expressão e à privacidade do cidadão. Não sei por que sou
tão arredio com projetos desse tipo.

Talvez porque nasci durante a
ditadura militar no Brasil, ou porque presenciei amigos e professores
sumirem da faculdade, e da face da terra, pois tinham escrito algo sobre
o regime militar, ou porque cresci vendo a importância da liberdade de
imprensa e do poder da liberdade de expressão que criou o país que
conhecemos hoje.

Nasci no inferno da censura e vi a liberdade nascer e
crescer, diante dos meus olhos, alimentada por homens e mulheres, cuja
coragem em se expressar, salvaram nossa nação e seus jovens de um
futuro incerto.

É fácil para quem nasceu livre, podendo escrever no Orkut o que bem
entende e podendo falar mal de um político em seu blog, achar exagero
este papo todo de preocupação com a liberdade de expressão. Mas,
acredite, só valorizamos aquilo que nos falta. E para mim a liberdade é
um bem inegociável.

Mas vamos a uma análise objetiva do que está acontecendo com a
Internet brasileira e como isso vai afetar para sempre as mídias
sociais, o marketing digital, as redes sociais, e a sua vida. Sim, a sua
vida, pois, por enquanto, você que está lendo livremente este artigo. Sem
medo ou preocupação.

A regulamentação da Internet

Muitos países têm se preocupado em regulamentar a Internet. Provedores, empresas de telecomunicações e prestadores de serviços têm
usado a desregulamentação na Internet para abusar dos consumidores. Nos
Estados Unidos, as empresas têm manipulado a velocidade de acesso para
inibir usuários que baixam muitos vídeos e músicas. No Brasil, as
empresas de telecom têm artificialmente mudado a prioridade e o
roteamento dos pacotes de VoIP, como o Skype, para piorar a conexão e
garantir que o usuário use o celular ou o telefone convencional. O
Google tem usado e vendido informações sobre o perfil de acesso dos
usuários para fins de publicidade.

Assim, criar um marco regulatório parece importante para defender a
liberdade de expressão na Internet, o direito do consumidor, e o direito à privacidade do cidadão. É nesse sentido que o documento avança, e tem
contribuições importantes, defendendo o Internauta em boa parte de seu
texto, colocando regras claras para defender o consumidor, e atribuindo a
devida relevância à Internet na política pública.

O marco civil se preocupa em colocar com clareza questões como a
guarda das informações de conexão, fundamentais para as investigações
sobre cyberbullying, golpes e demais crimes cibernéticos. Ele defende
também o nosso direito a não ter as informações de acesso guardadas
pelos provedores à nossa revelia, e defende a liberdade de expressão e o
direito de privacidade.

O documento é muito feliz em ressaltar o papel do estado como
incentivador do uso da Internet, como agente de integração do cidadão na
rede, como guardião da liberdade de uso da Internet, e como responsável
maior em capacitar a população, em particular a de baixa renda, no seu
uso. O texto fala ainda na necessidade de criar uma política pública
para inserir a Internet no ensino regular, nas escolas de todos os
níveis, garantindo que ela faça parte do programa regular de todas as
disciplinas.

Outro mérito está no fato de se tratar da primeira lei colaborativa,
criada e discutida a partir da Internet, no formato de blog, e com
participação aberta a todos. Assim, sugiro que você se cadastre, leia o Marco
Regulatório Civil da Internet Brasileira
e colabore com seus
comentários.

Mas o problema com marcos regulatórios que afetam coisas tão
sensíveis como a Internet é que eles podem, a pretexto de ações tão
nobres, criar um monstro ainda pior: a censura.

A censura na Internet brasileira

O marco civil da Internet se torna um problema quando tenta legislar
sobre a remoção de conteúdo, na Seção IV. Eu consigo entender a origem
dessa seção, pois a equipe deve ter pensado no problema do
cyberbullying, e tomado o ofendido, a pessoa atacada por uma notícia ou
foto falsa nas mídias sociais, como um cidadão de bem. É verdade que
algumas pessoas estão sofrendo ao verem seus nomes, fotos e histórias,
envolvidas em tramas horrorosas, sendo difamadas por colegas de escola,
ou ex-namorados ciumentos. Para isso, criaram a seção IV, que fala sobre
como o ofendido e o provedor devem agir. Nesses casos, removendo, sem a
necessidade de um processo na justiça, o conteúdo do maledicente. Até
aqui você deve ter achado tudo bacana e bem pensado. Vamos proteger os
pobres coitados, ofendidos por malvados malfeitores cibernéticos. Mas é
aí que mora o perigo.

O Marco Civil da Internet peca ao não considerar todos os agentes da
sociedade interessados em limitar o direito de expressão dos blogs e
mídias sociais. A seção IV do Marco Civil da Internet fala de remoção de
conteúdo, e tenta dar ao provedor a responsabilidade e o poder de
remover um conteúdo, pela simples notificação de um reclamante.

Para alguns pode parecer uma boa idéia, mas isso permitiria que
qualquer empresa, denunciada por um consumidor insatisfeito, qualquer órgão público, denunciado por um cidadão por abuso de poder, ou qualquer
político, afetado por uma denúncia de corrupção, se coloque como parte
ofendida e force o provedor a retirar o conteúdo. Na prática isso é
censura. Na prática isso limita o meu e o seu direito de se expressar na
Internet.

O Marco Civil da Internet, que começa como um bom documento de defesa
dos cidadão e de valorização da Internet, encontra na seção IV uma
forma artificial, equivocada e perigosa de, para defender o abuso de uns
poucos, dar poder demais aos provedores de acesso ou hospedagem, e
permitir que se remova um conteúdo sem julgamento e sem direito de
defesa.

Pelo artigo IV, bastaria a LOCAWEB reclamar e notificar a ela
própria, para que meu artigo sobre a demissão de seu diretor comercial
fosse retirado do ar, sem que eu pudesse dizer nada. Só podendo me
manifestar depois da retirada, e tendo que provar que não ofendi
ninguém. Na prática o provedor vira polícia, juiz e prisão.

Imagine então o ReclameAqui, a maioria das empresas poderiam alegar
que estão sendo ofendidas pelas reclamações dos consumidores que lá
escrevem, e o provedor de hospedagem removeria todo o conteúdo do site.

A questão é que não se pode simplificar um tema tão sério. Todos nós
temos o direito a defesa e a um julgamento justo antes de sermos
afetados pela pena. E quem faz isso em uma sociedade democrática é o
poder judiciário. Isso é básico para a liberdade. Você pode até se
perguntar: mas isso não demora muito? Não. Existem ações liminares e
cautelares que permitem que uma real ofensa a alguém seja retirada na
justiça. Além disso, quem fez a ofensa vai pagar caro, muito caro, na
justiça. Mas só depois de se defender e ser condenado. Impedir o
judiciário de agir, e entregar esse poder a uma empresa privada, só
porque ela hospeda o Twitter, o Orkut ou meu Blog, é recriar a censura,
ou melhor, censurar a Internet.

A seção IV coloca o provedor como o responsável pela ofensa, caso ele
não atenda ao ofendido. Isso na prática faz com que o provedor sempre
seja compelido a agir tirando o conteúdo. Uma festa da censura. Se ele
não retira o conteúdo, e o ofendido estiver certo, ele é responsável e
paga solidariamente com o dono do conteúdo supostamente ofensivo. Agora,
se ele retira o conteúdo, e depois de muita briga e tempo, se mostra
que o conteúdo não era de fato mentiroso, ou ofensivo, nada acontece.
Ninguém tem que indenizar o dono do conteúdo, atingido pela censura
prévia. Assim fica óbvio que ele sempre agirá removendo e bloqueando
qualquer conteúdo denunciado. Sem pensar duas vezes. As empresas que não
atendem bem o consumidor, os funcionários públicos de abusam do
cidadão, e os políticos corruptos, agradecem a brilhante ideia, e vão
usar constantemente esse mecanismo para pressionar a todos que quiserem
escrever algo contra eles.

Esse é o problema. Uma seção mal escrita que compromete todo o
documento, e cria uma contradição típica dos ditadores: para defender a
liberdade vamos limitá-la.

A única coisa inútil neste momento é reclamar depois. Só pela
participação ativa nos processos colaborativos, democráticos, e
políticos é que é possível criar um futuro melhor. A omissão e a apatia
são péssimos companheiros.

Sugiro que você acesse o Marco
Regulatório Civil da Internet Brasileira
, se cadastre, leia e
colabore com seus comentários. Tire suas próprias conclusões e depois
volte aqui para fazer seus comentários.

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