DevSecOps

23 set, 2011

Anatel extrapola ao regulamentar guarda de logs pelos provedores

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Enquanto o debate do Projeto de Lei 84/1999 (Lei Azeredo) já dura onze anos e a questão da guarda de logs de “registros de conexão” de usuários não chega a um ponto final; enquanto os debates sobre a guarda de logs pelos provedores de conexão e serviços acirram as discussões sobre o Marco Civil da Internet Brasileira, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) surpreendeu a todos com seu novo regulamento do Serviço de Comunicação Multimedia (SCM). A empresa agora prevê a obrigação dos provedores em custodiarem “logs” por três anos, desconsiderando e desrespeitando todos os esforços, debates, audiências e seminários, que debateram sobre a constitucionalidade, eficácia e legalidade de tais medidas. Efetivamente, a ANATEL “atropelou” o processo legislativo e a construção do marco civil, valendo-se de seu poder de regulamentar o SCM (categoria, via de regra, em que se enquadram os provedores de acesso à Internet).

A medida é absolutamente preocupante, pois ao prescrever a guarda de registros de conexão, ela prevê um prazo maior (três anos) do que o do Marco Civil (um ano). E ela também não especifica quais serão os dados, a despeito de toda a discussão sobre a limitação de tais registros travada no debate do PL 84/1999 e Marco Civil. Para estas legislações, bastaria data, hora, ip e o gmt (fuso horário) para que se pudesse investigar qualquer crime digital. Ao não limitar a estes campos a composição dos registros de conexão, a Anatel dá permissivo para coletas mais que invasivas, que dependendo do “log”, podem registrar até mesmo os sites acessados e localização geográfica do internauta.

Mas você pode se perguntar: a ANATEL tem competência para regulamentar sobre logs? A resposta é que, infelizmente, sim. Quando se trata da concepção do sistema de telecomunicações brasileiro, jamais se poderia imaginar que a questão de “logs” ganharia status constitucional, envolvendo direitos e garantias fundamentais e a dignidade da pessoa humana. Não se podia prever o crescimento dos crimes digitais. Os Logs eram considerados matéria meramente “técnica”, “tickets” das atividades da rede.

Assim, nos termos da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9472/1997), temos no artigo 19 que compete à Agência adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, podendo expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado.

Embora exista competência, tais disposições não podem violar o inciso XII da Constituição Federal, que prevê o sigilo das comunicações também de dados. Porém, tal fato demonstra que precisamos de uma Lei que atribua expressamente a vedação de coleta de dados de internatuas. Diante de uma Lei Federal (que pode e tende a ser o Marco Civil), as absurdas resoluções da Anatel, como a que está em análise, que atentem contra tais direitos fundamentais, serão consideradas natimortas e sem eficácia alguma. Infelizmente, diante da ausência de Marco Regulatório Federal sobre a questão dos “logs”, uma resolução toma a frente, e até mesmo vai ao anseio de muitos provedores de acesso, interessados em behavorial targeting e venda de dados para perfis de consumo.

A urgência de uma lei que expressamente defina a privacidade do internauta como direito e garantia fundamental, regulamentando a Constituição Federal, é absoluta. Se a Anatel atropelou com os “logs”, poderá muito bem, em breve, “atropelar” sobre outros temas, como “neutralidade da rede” e “trafic shapping”, autorizando, por exemplo, o controle e distinção de tráfego pelas teles e provedores, valendo-se do seu poder técnico regulamentar e ignorando todas as discussões a respeito das violações a direitos fundamentais trazidas por tais práticas parasitárias. Fica o alerta. 


José Antonio Milagre é Perito e Advogado especializado em Direito Digital
Twitter: @periciadigial
E-mail jose.milagre@legaltech.com.br