Design & UX

31 mai, 2012

A ascensão e a queda da experiência do usuário – Parte 4

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Em continuidade à série sobre design e interface do usuários, este artigo falará sobre a relação do setor com ciência, a obliquidade, a regra de ouro, o modernismo e a subversão.

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Design e ciência

Eu treinei como um cientista. Estudei muito sobre matemática e estatística. Eu conheço sua beleza e seu poder extraordinários. Mas eu também conheço suas limitações. Números são conselheiros valiosos, mas mestres tirânicos. O design é um ato de previsão visual. Sua natureza demanda um investimento com retorno incerto, e não tem como disfarçar o salto de fé que ele requer.

O design não é ciência. Repita uma experiência – uma abordagem de design – em diferentes circunstâncias (usuários diferentes, anos diferentes, culturas diferentes) e você terá resultados diferentes. Portanto, alvos numéricos nunca devem ser o principal objetivo do design.

Objetivamos criar coisas que sejam inerentemente imensuráveis: experiência, utilidade, prazer. Houve muita conversa no evento sobre como medir essas coisas, mas receio que é um esforço largamente perdido. O melhor que podemos fazer é arranhar o contorno de suas sombras.

Mas nós realmente precisamos de mensuração? A ideia de que “se não pode ser medido, não conta” é uma das desilusões mais nocivas do nosso tempo. Ela nos dá um mundo que recompensa a quantidade, e não a qualidade.

Se você fizer das métricas o objetivo central do seu design, você terá apenas um design que otimiza esses números, às custas de outras qualidades importantes. O setor público do Reino Unido tem sido paralisado pelos objetivos excessivos, e a nova coligação de extrema direita está usando isso como uma desculpa para acabar com todo o setor, alegando que ele não está funcionando corretamente. Claro que não está funcionando corretamente!

Os números do capitalismo são quase todos, de curto prazo – de lucro, crescimento ano a ano, rendimento – em vez de serem de longo prazo e sustentáveis. Não é surpresa que a alegria tântrica da qualidade centrada no usuário muitas vezes perca para momentos instantâneos de promoções, descontos e esgotamento de recursos. As métricas tornam isso possível.

Um novo ângulo

Existe um sério risco de tentar tanto agradar os negócios, que perdemos o que nos torna diferentes e valiosos. Nossa compreensão da intagibiildade e racionalidade abdutiva (abductive reasoning), e nossa visão a longo prazo são diferentes, mas esperançosamente complementares às habilidades dedutíveis e analíticas louvadas pelos professores de MBA e economistas.

Acho que o problema de fazer com que o mercado entenda o design é melhor revisado do que solucionado. Os pensadores de sistemas te dirão que padrões repetidos de comportamento são o resultado de regras de uma estrutura inerente ao sistema. As economias se expandem e se contraem naturalmente devido às suas estruturas e às suas regras. Empresas ruins produzem produtos e serviços de má qualidade devido às suas estruturas e às suas regras. Portanto, se quisermos mudar a maneira como essas empresas trabalham, devemos mudar suas estruturas e suas regras. Colocar mais um designer UX no time ou mudar para uma ferramenta de wireframing mais eficiente são medidas pouco eficientes.

Precisamos mudar o mercado, não nos tornar o mercado. Em vez de fazer com que o design se encaixe no modelo corporativo, deveríamos construir negócios nos quais os consumidores são o foco, não o custo; nos quais a criatividade ganhe do controle; nos quais compreendemos o risco, em vez de taxá-lo; nos quais boas perguntas são tão importantes quanto respostas; nos quais estamos fazendo o que realmente importa, não o que faz barulho.

Obliquidade

O economista John Kay afirma que as pessoas e as empresas mais bem sucedidas do mundo alcançam seus objetivos mais complexos através da obliquidade – ou seja, através da busca por algo mais. As empresas mais lucrativas não buscam poder. Todas elas buscam um sentido maior, seja ele servir um país ou evoluir um campo de estudo.

Os designers conhecem bem a obliquidade. É nossa palavra de ordem. Sabemos que, para ficar com a garota, você não pode segui-la para onde quer que ela vá. Você consegue a garota por ser uma pessoa atraente.

A busca pelo único objetivo de lucro nos deu economias com ficções fraudulentas, em que algumas empresas preferem falsificar suas folhas de balanço em contas obscuras a fazer coisas que realmente significam algo. Até o governador do Banco da Inglaterra reconhece que os bancos implodiram porque eles colocam seu lucro de curto prazo acima dos interesses dos seus clientes. Algumas operadoras de celular agora parecem mais interessadas em restringir a capacidade de banda de seus consumidores a construir capacidade para eles! 

Levando em conta as consequências desastrosas dessas abordagens, vamos esperar que o século XXI veja o triunfo da obliquidade. Vamos esperar que as empresas tentem, mais uma vez, lucrar ao criar coisas valiosas, não apenas ao proteger seus alvos ou as regras complexas que elas criaram para elas mesmas.

A regra do ouro do UX

É aqui que temos uma influência real. Hoje, eu proponho uma regra de ouro para nossa indústria. O objetivo do design da experiência do usuário é criar valor pessoal. Não estamos aqui para reduzir o risco, não estamos aqui para melhorar as taxas de conversão. Estamos aqui para fazer coisas que melhorem a vida das pessoas. Ao fazer isso, nossas empresas lucram nos dois sentidos da palavra. Não é suficiente julgar nossa indústria pelo ROI que ela gera, ou nossa contribuição em direção ao GDP. Deveríamos julgar nossa indústria pela felicidade que criamos.

Pode me chamar de idealista, se você quiser. É fácil considerar o idealismo uma falha da juventude; pensar que é algo que se torna alheio a nós. Mas o idealismo é a obliquidade e, sem ela, o mundo seria um lugar miserável.

Além do modernismo

Eu não acredito em uma visão tão forçada, e estamos vendo mudanças similares através de muitos domínios do design e da sociedade. O modernismo, com seu crescimento, tecnologia e velocidade, foi a força motora por trás do século XX.

Agora, estamos vendo os brotos verdes de outro movimento. Um que coloca a humanidade de volta ao capitalismo, e prospera na localidade, na diversidade e no serviço. É um movimento que desmerece o significado e o valor à mera funcionalidade, e prefere um investimento contínuo a longo termo a um retorno passageiro.

Michiel Schwarz e Joost Eiffers deram o nome de “sustainism” para esse movimento. Um título estranho, e obviamente não estou interessado no seu rótulo, mas talvez uma nova abordagem precise de uma nova linguagem. Porque o modernismo não vai nos ajudar a navegar pelas três próximas décadas. É claro que o futuro será dramaticamente diferente do que foi antes.

O mundo em transformação

Vários membros da geração Y em todo o mundo estão se rebelando contra a desigualdade criada pelos baby boomers. A nova geração é obviamente notória por desejar o mundo com todas as suas responsabilidades de hoje. As gerações mais velhas dizem a eles para esperar por sua vez; mas essa defesa não vai se sustentar por muito tempo. O mundo está ficando de cabeça para baixo, não de cabeça para cima.

Poder, dinheiro e influência irão mudar da América do Norte e da Europa para o BRIC: Brasil, Rússia, Índia e China. A falta de energia e recursos significa que a tecnologia será crucial para a sobrevivência de nosso comércio e de nosso lazer. Grande parte do mundo terá que ser redesenhada ao redor das necessidades das comunidades e de seus cidadãos. Podemos ser centrais a esse movimento; na verdade, é nossa obrigação moral.

UX subversivo

É tentador visualizar o tema do IA Summit deste ano – “Melhor” – como um fundamento para o incrementalismo (política que apoia a introdução de mudanças de forma gradual e a longo prazo), mas acredito que precisamos ser mais corajosos. Desafiar ideologias já aceitas demanda coragem. Mas, citando Marty Neumeier, “qualidade é um ato de rebelião”. Precisamos de um novo bando de rebeldes.

Nós já cumprimos parte de descrição do trabalho que diz respeito a líderes de negócios inovadores. Somos versáteis, trabalhamos felizes com as minúcias de pixels e interações, bem como com a visão, com a estratégia e com os sistemas. Conectamos pontos que outros não conseguem conectar, examinamos detalhes através da experiência como um todo. E temos um pé na porta multidisciplinar, com anos de experiência como tradutores e árbitros entre tecnólogos, usuários, times de produto e vendedores.

Deveríamos saber como jogar o jogo corporativo, e também quando o subverter. Às vezes, devemos racionalizar o porquê de o design para o usuário ser desejável. Mas às vezes a resposta certa é simplesmente “Você tá de brincadeira?”.

Por fazermos perguntas difíceis, alguns negócios irão nos rotular como “difíceis de trabalhar” e irão resistir aos nossos esforços. Essas são empresas que estão prontas para se destruir. Sendo brusco, algumas empresas não valem a pena serem salvas; sua estrutura e suas regras são antiéticas à criação de uma boa experiência para o usuário. Mas muitos dos seus competidores irão receber bem um insight inteligente, algo que podemos oferecer em abundância.

 No último artigo da série, serão abordados os temas liderança, limites e perspectivas para o setor.

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Texto original disponível em http://www.cennydd.co.uk/2011/fall-and-rise-of-ux/