Carreira Dev

5 jul, 2011

Relacionamento com cliente: ou, sua alma não te pertence mais!

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Calma, calma! Isto aqui não é um filme de terror. Mas, pensando bem, até que poderia gerar um thriller de suspense do Hitchcock.

Você recebeu o pedido de um cliente que queria conhecer aquilo que você faz. Ou, talvez, você foi procurado para realizar algo totalmente novo, que nunca foi feito antes na história deste país. Ou na deste continente. Ou na deste universo. Ok, só nunca feito antes por você (não fique triste por isso, ainda assim deve ser algo especial, caso contrário ele não teria procurado VOCÊ, mas qualquer pessoa que faz o que você faz).

Após algumas conversas, troca de informações, levantamentos de viabilidade, prazos e custos vocês fecham o acordo para construir “A Coisa” com a tinta de uma caneta ou com um simples aperto de mão.

Quem sabe até rolará uma compensação financeira e você se sentirá realmente feliz por ter realizado o trabalho.

Você não sabe e não percebe porque a ficha ainda não caiu, mas a sua vida mudou a partir deste momento. Você não é mais um ser livre. Agora tem um trabalho a realizar e metas a cumprir. Você deve obediência, ainda que em um sentido mais restrito, a alguém. Não pode mais pensar em sumir do mapa.

Ficar doente? Não, isto não é mais um direito seu. Afinal de contas, se você, que é a pedra fundamental se ausentar, o projeto vai parar. E você deve lembrar que foi VOCÊ quem foi “O Escolhido” para realizá-lo.

E você ainda pode dizer “Ah, mas eu não vou passar nunca por isso. Trabalho para uma empresa, e é para ela que vendo minhas 8 horas diárias de trabalho”. Fique sabendo que o cliente infiltrará emissários na sua equipe. Seres que te cobrarão a construção do produto final e que chegarão por trás de você, sem que você perceba, no momento mais inapropriado, quando você estava mais concentrado, e te perguntarão (uma vez por semana, por dia, ou de cinco em cinco minutos) como está o seu trabalho e se você precisa de ajuda. E entenda que ele não faz isto por mal, mas porque sua função agora, nesta vida, é descrever coisas, passos, e gerar relatórios para o cliente e seus superiores.

A partir do momento que o acordo ou contrato foi fechado você tem novas responsabilidades. E, mesmo que você quisesse, elas não dependem de você unicamente, mas também do outro lado.

É preciso observar, por exemplo, que quando se tem cliente em outra cidade, um feriado não previsto, porque ele não ocorre no seu município, às vezes pode minar toda uma semana de trabalhos que você estava planejando, e até mesmo contava com ela para o projeto andar.

Está “pensando” em ficar doente? Espera um pouco: você já cumpriu suas obrigações? Mesmo que ninguém fique doente porque e quando quer, isto não pode ocorrer sem que deixe alguém preparado no seu lugar, ou que pelo menos possa dar uma informação precisa d’A Coisa para o cliente. Quer dizer, isto na visão dele. E sim, ele pode achar que você o está enrolando, pois ele pode precisar desta informação para começar algo.Marcou uma reunião e chegou com antecedência?

A pessoa responsável pelo projeto ainda não se encontra na empresa? Aguarde e seja paciente, pois ele pode estar preso no engarrafamento provocado pela passeata dos estudantes que pedem a liberação do direito ao bocejo em salas de estar no Timor Leste. E a pessoa só irá ligar cancelando a reunião quando faltarem 5 minutos para terminar o horário de seu dia de trabalho que foi por água abaixo, quando ele localizou o carregador veicular de celular que estava na frente dele no painel do carro. E pedirá para que a reunião ocorra amanhã de manhã, pois afinal de contas, amanhã ele pode, e se você já tiver outro compromisso terá que rolar uma disputa, porque é “a única chance” que tem para te encontrar.

Precisa que algo seja validado pelo cliente e você depende do retorno dele para continuar a construção? Aguarde, porque ele validará apenas quando puder, mesmo que seja faltando apenas um único dia para o fim do contrato e você saiba que não dará tempo de fazer mudanças.

O cliente ainda não comprou o servidor que utilizará para hospedar o seu sistema e não quer que ele seja instalado no servidor antigo que daria para quebrar o galho? Fique tranquilo, pois ele o comprará, sim. Um dia. Talvez perto do fim do contrato.

É óbvio que todas estas situações são bastante extremistas e até mesmo exageradas. Mas quero que você compreenda é que a venda da alma, o excesso de comprometimento que pode ocorrer quando um cliente contrata você ou a sua empresa pode ser diminuída, e até mesmo exterminada através de documentos de contratos ou acordos a serem estipulados antes do início efetivo dos trabalhos.

Tente amarrar o máximo possível o grau de interdependência seu para com o cliente, e vice-versa, informando por exemplo que se a validação a ser feita pelo cliente atrasar, então o projeto todo atrasa.

Tente também fazer com que datas importantes não sejam marcadas em datas exatas, mas sim em prazos. Por exemplo: ao invés de especificar que o trabalho iniciará dia 08 de agosto, informe que começará em 15 dias após a aquisição do novo servidor por parte do cliente.

Especifique como deverá ser o contato (e-mail, telefone, celular, etc.) e em que horas do dia isto poderá ocorrer. Saiba que se der seu número de celular para o cliente, e sem combinar nada, ele pode te ligar a qualquer hora, mesmo que numa manhã gélida de inverno, três horas antes de você começar de fato a trabalhar, para perguntar alguma coisa. E, infelizmente, a culpa disto pode ter sido sua, por ter dado liberdades ao cliente e não o forçando a proceder da forma correta em momentos anteriores, como ao atender o telefone e começar a conversar de trabalho no meio do seu almoço com a família.

E se ainda acha que só as pessoas que são pagas para fazer algo passam por isso, você está enganado! Pessoas que não cobram por aquilo que fazem passam, sem perceber, uma camaradagem para o cliente, que sente-se muitas vezes à vontade para passar a procurá-lo a qualquer hora, pois “acha que você não se importa de ser incomodado para pedirem mais um favorzinho”.

Procure fazer, no final das contas, que o seu novo projeto ou cliente não te leve, desde o começo, para a condenação do inferno pessoal, e sim que eles sirvam como sua escada para o paraíso da sua felicidade.