Carreira Dev

24 mar, 2011

O projeto de lei que ainda tramita e quer restringir a profissão de informática no Brasil

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Correção (em 25 de Março de 2011): No artigo abaixo dei a entender que o projeto de lei em questão restringiria praticamente todas as atividades do processo de desenvolvimento de software ao analista de sistema. Esta informação está errada. Na verdade o projeto, em seu texto atual, restringe estas atividades ao técnico em informática ou analista de sistemas. Técnico em informática compreende os “portadores de diploma de ensino médio ou equivalente, de Curso Técnico de Informática ou de Programação de Computadores, expedido por escolas oficiais ou reconhecidas.” Pelo projeto, caberá exclusivamente ao analista de sistema (que também, segundo o projeto, precisará ter diploma na área) a “responsabilidade técnica por projetos e sistemas para processamento de dados, informática e automação, assim como a emissão de laudos, relatórios ou pareceres técnicos .” O artigo continua válido no sentido de ser contra a restrição da profissão de Analista a diplomados na área. Obrigado ao leitor Felipe pela correção.

Um matemático e um físico, hoje considerados cientistas da computação, estão entre os que mais contribuíram para a computação moderna. Refiro-me a Turing e a Dijkstra. Um aluno que não terminou o primeiro semestre da graduação fundou uma das maiores empresas de informática do mundo. Falo de Steve Jobs. Zuckerberg criou o Facebook do seu dormitório em Harvard. Mas já era um excelente programador antes mesmo de iniciar a graduação. No Brasil, Silvio Meira graduou em Engenharia Eletrônica.

Entretanto, caso o projeto de lei do Senado (PLS) 607/07 já estivesse em vigor, as pessoas acima, além de milhares de outras, não poderiam ter atuado na área de informática no Brasil. Isso porque o projeto, como já escrevi antes, em 2008, propõe restringir a profissão de analista de sistemas somente a graduados em Análise de Sistemas, Ciência da Computação ou Processamento de Dados. Análise de sistemas, no caso, compreende um universo inteiro de atividades incluindo “definição, estruturação, teste e simulação de programas e sistemas de informação”, “elaboração e codificação de programa”, “suporte técnico e consultoria especializada em informática e automação”, “ensino, pesquisa, experimentação e divulgação tecnológica” e “qualquer outra atividade que, por sua natureza, esteja incluída no âmbito de suas profissões”. Ou seja, todo o processo de pesquisa e de produção de software ficará restrito aos profissionais com diploma na área. 

Não é difícil prever as consequências dessa restrição dado o incentivo que a lei criará. Basta olhar para as profissões de médico e advogado. A restrição destas a graduados em medicina ou direito e, no caso de direito, o Exame da Ordem, garantem reserva de mercado, mas não necessariamente a qualidade dos profissionais. O diploma é um pedaço de papel que não muda com o profissional. O papel e a tinta nele impressa não se atualizam e não adquirem experiência. Pelo contrário, com o tempo ficam amarelados e se desgastam. Assim, estimular um profissional a se apegar ao diploma (uma vez que ele é que garantirá acesso ao mercado de trabalho) é estimular a mediocridade do comodismo. Passaremos a ter menos profissionais disponíveis e mais acomodados com a certeza de que o diploma garantirá a eles trabalho.

Pior para uma área como a de informática que carecerá sempre de mão-de-obra qualificada. Especificamente softwares customizados, estes das fábricas de software que são dominantes no Brasil, têm essa necessidade em sua essência. Quanto mais projetos (e cada um tem especificidades do cliente em questão) e diferentes domínios, mais pessoas são necessárias, incluindo especialistas nos respectivos domínios. Empresas como Infosys e Wipro (as maiores da Índia) têm um grande número de profissionais e vários são de diferentes áreas de conhecimento. Essas duas empresas são referência no mundo todo e possuem o maior nível da certificação CMM, que mede a qualidade dos processos de produção de software. A Índia, um dos países que mais exportam software no mundo, não possui lei para restringir o mercado aos analistas de sistemas.

Ao contrário, a Índia possui leis que dão incentivos para que essas empresas e profissionais mantenham-se atualizados e competitivos. Coreia do Sul e Taiwan também são exemplos de onde o governo teve papel decisivo para criar as condições para que o setor em seus países se fortalecesse. Isso se dá através de políticas de incentivos, estabelecimento de parques tecnológicos, redução de impostos, melhoria da educação, e melhoria da infraestrutura. Mais especificamente, essas ações macro precisam vir alinhadas ao estímulo à produção científica, à inclusão digital, à formação de arranjos produtivos para estimular a produção nacional de software, e ao apoio para qualificação dos processos de produção das empresas e profissionais. Tudo isso com o objetivo de tornar o setor de informática mais competitivo e acessível, e não mais regulamentado e restrito como essa lei quer fazer.

Atualmente, o projeto de lei 607/07, proposto em 2007 pelo então senador Expedito Júnior (PR-RO), aguarda a decisão final da Comissão de Assuntos Sociais (CAS), onde é relatado pela senadora Marisa Serrano (PSDB-MS). O presidente da CAS é o senador Jayme Campos (DEM-MT). Encaminhei um e-mail com este texto aos dois no dia 13 de março, e ainda não obtive nenhuma resposta. Você pode fazer o mesmo através dos endereços marisa.serrano@senadora.gov.br e jayme.campos@senador.gov.br.