Carreira Dev

25 set, 2008

Chrome: Por que o Google introduziu mais um navegador no mercado?

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A resposta a esta pergunta vai além do óbvio press release da empresa e da excelente história em quadrinhos. Ou, pelo menos, requer uma leitura das entrelinhas do mesmo. Vejamos primeiro onde o Google está se metendo.

Atualmente, o navegador da Microsoft, o famigerado Internet Explorer (IE), controla pouco mais de 72% do mercado mundial. Os números mudam um pouco de um país para outro e de uma análise para outra mas a diferença do IE para o segundo colocado, o Firefox da Mozilla, é tão gritante que torna-se impossível ignorar o monopólio. Graças principalmente ao seu sistema operacional Windows, a Microsoft vem conseguindo “impor” o seu navegador sem grandes dificuldades.

Isto ocorre porque navegadores são programas de computador com duas características bem distintas das de um sistema de informação ou operacional: 1) Os usuários não são necessariamente dependentes do navegador que utilizam e, em geral, 2) não se beneficiam destes programas na medida em que outros usuários começam a usá-lo também. Em gestão de negócios e economia, estas duas características referem-se, respectivamente, ao “lock-in” e às “network externalities” que um produto ou serviço pode gerar.

Não há lock-in porque navegadores são a porta de entrada para algo que está além do seu controle – a web. O programa em si oferece poucos benefícios se comparados aos benefícios da web. Seu uso é intuitivo e está fortemente atrelado ao uso de sites e aplicativos de outras empresas hospedados na web. O contraste com um sistema operacional, por exemplo, fica evidente. Muitos usuários são dependentes do Windows porque dependem de outros programas que só funcionam neste sistema operacional, porque acreditam que os benefícios que o sistema oferece são os melhores, e porque não querem (com razão, na maioria dos casos) se arriscar ou passar pelo tremendo esforço de trocar de sistema. A troca, neste segundo caso, significa investimento em treinamentos, perda inicial de eficiência e migração de dados. Nada disso se aplica aos navegadores porque a web não muda de um navegador para outro.

Além disto, não há network externalities porque os usuários não se beneficiam (pelo menos não muito) de outros usuários utilizando o mesmo navegador. É fácil perceber este benefício em outros casos, como o Windows. O fato de muitos usuários utilizarem este sistema encoraja a adoção do mesmo por novos usuários porque é esperado que eles possam ajudá-lo. Um sistema comum também facilita o intercâmbio de informações (documentos, músicas, vídeos, etc.) e a troca de experiências, aumentando ainda mais a experiência do usuário. No caso dos navegadores, seu uso funciona apenas como ponte para o uso da web e esta sim ganha força com a entrada de novos usuários. E-mail, por exemplo: o endereço eletrônico só tem valor se for possível enviar mensagens a outros usuários. E quanto maior o número de usuários, maior o seu benefício.

Navegadores, portanto, não importam! Ou, no máximo, importam pouco. O IE só é um sucesso graças ao sucesso do Windows, um monopólio de mais de 90% do mercado. O Firefox foi lançado em 2004, 4 anos atrás, é considerado um navegador muito melhor que o IE, e ainda assim amarga uma longínqua segunda colocação. Poucos sentem necessidade de trocar de navegador quando um bom o suficiente já está disponível por padrão logo após a instalação do Windows. Prova disto é o fato de o Internet Explorer 6 (instalado por padrão no Windows XP) ainda ser um dos navegadores mais usados, à frente de todas as versões do Firefox juntas. No fim das contas o que importa é o acesso à web, esta sim um grande benefício.

Por esta linha de raciocínio, a entrada do Chrome no mercado não fará muita diferença. A tendência é que as posições continuem inalteradas, o que parece ser o caso até o momento. Ainda é muito cedo para afirmar, mas três dias após seu lançamento oficial na última terça-feira, o navegador ainda tem poucas chances de se consolidar. Em versão para testes (beta), seu uso tem ficado na casa do 1%. O Google, claro, sabe disso e lançou a versão também com objetivo de obter feedback dos usuários, da mesma forma que fez com o GTalk.

Entretanto, não custa lembrar que o Google também é um monopólio – e um talvez muito mais perigoso que o da Microsoft por controlar, de certa forma, o acesso à informação na web. O Google já é a 4ª maior empresa de software e serviços do mundo e a 33ª colocada dentre todas as empresas (independente do setor) em termos de valor de mercado. Além disto, o Google é responsável por quase 80% de todas as buscas realizadas na web. Ou seja, ao contrário do Mozilla, o Google tem, dentre outras vantagens, muito mais poder de fogo para divulgar seu novo navegador, o que já vem fazendo ao destacar seu lançamento na sua página inicial de muitos países.

Mesmo assim, é claro que não será subitamente que a empresa virará a mesa. E não será apenas com um novo navegador que a empresa quebrará o monopólio da Microsoft. Superar uma empresa com monopólio de mercado não é uma tarefa fácil. Pode ser com regulamentação (como ocorreu com as empresas de telecomunicação não só no Brasil mas em vários outros países), com grandes doses de investimento em novos produtos e serviços (como a Dell fez para desbancar a Compaq), ou com a quebra do paradigma no qual se sustenta o monopólio.

Nesta última opção, o exemplo clássico é o monopólio das indústrias de petróleo no paradigma atual de que esta é a única fonte eficiente de combustível. Aos poucos, com novas alternativas, este paradigma vai caindo e novas empresas começam a se fortalecer no mercado. De maneira similar, a Microsoft se sustenta poderosa num paradigma de computadores PC que exigem um sistema operacional desktop para funcionarem adequadamente.

O que começa a ocorrer, no entanto, é um gradual movimento em direção a uma computação ubíqua (em qualquer lugar, de qualquer dispositivo), fortemente baseada nos aplicativos disponíveis na Internet. Neste cenário, computadores PCs poderão deixar de ser a plataforma dominante para a realização das tarefas do dia-a-dia, seja qual for o ambiente. Não é muito difícil de imaginar, por exemplo, que em breve os celulares terão poder de processamento e memória suficientes para executar os mais diversos aplicativos. E com uma interface externa para entrada (teclado, mouse, etc.) e saída (monitor, datashow, etc.) de dados, o celular passará a ser um sério candidato a substituí-lo. Outra possibilidade é a concepção de computadores que não terão mais sistemas operacionais ou apenas sistemas mínimos. Ao ligar o computador, o usuário estaria automaticamente conectado à Internet.

Com estas mudanças em curso, o Chrome, navegador do Google, poderá passar a ter mais importância. Principalmente se começar a oferecer maiores benefícios combinados a seus outros serviços, através, por exemplo, do Google Gears. Em um paradigma onde o Windows talvez deixe de ser o sistema operacional padrão (se é que existirá algum sistema operacional como conhecemos hoje), o usuário passará a ter outras opções de escolha. Assim, vencerá a empresa que conseguir oferecer primeiro seu navegador como padrão para o maior número possível de plataformas. E o Google, na vanguarda de tecnologias web, investindo em plataformas para dispositivos móveis e em frameworks para desenvolvedores, já é um favorito.