Carreira Dev

27 abr, 2011

Não faça tudo o que o seu cliente pedir – Parte 02: Firula

Publicidade

Em meu último artigo dei início a uma série que trata de coisas que o seu cliente pode e tem o direito de pedir, mas que você não deveria produzir, ou ao menos evitar ao máximo ter que produzir.

O primeiro artigo tratou de limitações éticas. Já neste segundo, vamos tratar de algo talvez um pouco mais comum no nosso dia-a-dia: pedidos de clientes que podem acarretar grandes horas perdidas já que estes podem ser definidos como firulas.

A palavra é bem conhecida na linguagem futebolística e descreve o tipo de jogada que é muito bonita e geralmente bem difícil de fazer, mas que é realizada para alegrar e empolgar a torcida ou o ego do jogador. De certa forma, serve também para mostrar que ao seu time que ganhar do adversário atual é como se fosse uma coisa fácil, quase uma brincadeira.

Fazer firula é fazer mais do que simplesmente jogar futebol. O problema é que nem sempre esse tipo de brincadeira dá certo: muitas vezes perde-se a bola ou o tempo da jogada logo depois. E conforme esteja o clima do jogo e a relação time X torcida, pode acabar em confusão, brigas desnecessárias que levarão tempo para desaparecer.

Só que as firulas não existem apenas dentro dos campos e quadras de futebol. Estão bem perto de nós, em algumas solicitações de nossos clientes. E às vezes são até difíceis de percebermos essas como tal, só até chegarmos a produzi-la e perceber depois o dano.

Jogo limpo no relacionamento com os clientes

Sempre, em qualquer empresa, gostamos muito de nossos clientes e queremos manter nosso relacionamento tal como está. Mas este tipo de relacionamento, como qualquer outro, precisa de limites.

Novas solicitações são os fatores que mais podem gerar atrito em uma relação empresa/profissional X cliente, pendendo a balança para um ou outro lado. Portanto, precisamos aprender a perceber quando estas “novas coisas a serem criadas” são firulas. Devemos avaliar se podemos negá-las e principalmente como fazer isto.

Pare, pense nesses itens e analise pontos positivos e negativos:

  • É viável tecnologicamente?
  • Seu cliente realmente necessita?
  • Existe uma outra forma de conseguir o mesmo resultado que já existe e está disponível?
  • Quanto de trabalho isto irá gerar para minha equipe?
  • Quanto de retorno isto irá gerar quando tal coisa estiver pronta?
  • Ela poderá ser reaproveitada para algum outro cliente?
  • Realmente agregará valor ao seu trabalho/produto?

Analisando cada item, isso tudo é motivo para gerar uma justa negativa, mas é preciso verificar cada ponto com muito carinho para que as boas ideias não sejam cortadas e que ao mesmo tempo evitemos o fogo amigo.

Aprendendo a colocar limites

E como negar tal solicitação? Bem, aí é que está o mais complicado: devemos fazer isto de uma forma que o cliente não se sinta prejudicado ou desprestigiado. Se possível, converse com ele por telefone ou até pessoalmente para explicar os três pontos positivos e os 14 negativos que você observou na solicitação dele.

Evite comunicar negativas de forma puramente textual, por exemplo, via um simples e-mail. Além de ser um distanciamento, pode gerar segundas interpretações.

Se for o caso, e se for possível, uma boa estratégia e muitas vezes utilizada (mas que deve ser colocada como última instância porque pode minar de pouco a pouco o seu relacionamento com o cliente), é jogar custo de produção de tal solicitação (que seria pago por ele) para um valor maior do que seria o necessário simplesmente para desenvolver o solicitado.

É preciso não deixar de incluir apenas as horas que serão utilizadas para aquele desenvolvimento, mas também a previsão de eventuais retrabalhos, ajustes e manutenção no futuro. Mas deixe isto bem claro para o cliente. É uma forma de ele desistir da solicitação se ela não for vital, ou te recompensar de forma mais justa pelo trabalho solicitado.

Exemplos na prática

Há muitos anos atrás, um cliente fez a solicitação de que os seus boletins de notas dos alunos (conforme a quantidade de notas abaixo, dentro ou acima da média) fosse impresso de forma automática em folhas vermelhas ou azuis.

Para isto, o mesmo dispunha de uma impressora que possuía duas bandejas de abastecimento de folhas, sendo que cada uma estaria abastecida com as folhas de uma cor específica. O sistema deveria então tirar a média de notas para cada aluno e solicitar à impressora a folha correta. E sem nenhuma intervenção do usuário.

Pensem no trabalho que isto daria. Teríamos que estudar o driver da impressora para aprender a chamar diretamente cada bandeja, sem passar pelo gerenciamento de impressão do sistema operacional.

Ainda seria preciso ter um reconhecimento parametrizado, de que era para usar tal modo de impressão por se tratar deste cliente, e garantir que nosso sistema fosse compatível para sempre com o driver daquela impressora (incluindo atualizações).

Além disso seria necessário tratar respostas de erro da impressora diretamente no sistema. E isto de problemas pensados considerando a estrutura atual do cliente.

E se o modelo de impressora usado tivesse de ser alterado? E se a fabricante da impressora se negasse a nos fornecer as informações para que comandássemos diretamente o dispositivo? E se uma simples atualização de versão do sistema operacional tornasse aquele processo inutilizável ao impedir que fizéssemos o acesso direto por questões de segurança?

Conversamos com o cliente e explicamos que a simples impressão dos dados de nota em cor azul ou em vermelha, como o sistema já fazia, era a melhor coisa para ele e para nós.

Até porque o aluno que recebesse seu boletim na folha vermelha poderia ser mais facilmente constrangido pelos outros, trazendo inclusive problemas legais para ele.

Conclusão

Finalizando, fica aqui apenas mais uma dica: cuidado ao negar solicitações que sejam firulas querendo se basear apenas em leis. Em muitos casos, deixam as leis deixam margem para segunda interpretação, não sendo claras o suficeinte e o seu argumento pode ser facilmente derrubado.

Lembre-se que se uma lei não diz explicitamente que aquilo que o cliente quer é ilegal. Ele pode sim fazer a solicitação, mesmo que seja diferente da prática de todo o resto, cabendo a você fazer a avaliação, já antes explicada, da viabilidade e impacto.

Até a próxima!!