Carreira Dev

1 mar, 2011

Não faça tudo o que o seu cliente pedir – Parte 01: Ética

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De vez em quando acontecem certas coincidências na vida que me
fazem ficar feliz com o desdobramento que as coisas tomam, e ao mesmo
tempo porque tais coisas também trazem ideias que ficariam muito bem
escritas em um artigo.

Aconteceu uma dessas coincidências em meu penúltimo artigo publicado no iMasters,
que me fez pensar numa série de artigos, que inicio hoje. O que me
levou a isso (principalmente a este primeiro artigo da série), foi o fato
de que mais de um mês após o artigo ser publicado foram feitos dois
comentários em um intervalo de menos de uma hora, e com a mesma tônica:
de que o sistema de informação de horário dos ônibus da cidade de
Vitória PODERIA ter saído do ar na greve de motoristas de ônibus
ocorrida em Novembro/2010 por pressão política. Ou seja, alguém teria
ordenado que o sistema saísse do ar, e O SISTEMA FORNECEU A ELE,
aparentemente de forma direta, visto que era exibida a mensagem ‘Sistema
indisponível durante a greve’, de próprio texto muito estranho, a
possibilidade de parar o funcionamento. E isso, reitero, quando o
usuário final, a população, que era o cliente real do sistema, mais
precisava do mesmo.

Fiz uma pequena pesquisa e consultei alguns amigos advogados e todos
me disseram que essa manipulação poderia ser considerada abuso de poder,
crime, por ser antiética, e afetar outras pessoas em detrimento de uma
ou de algumas pessoas. Caberia por isso ação do Ministério Público
contra a pessoa que deu a ordem de retirada do ar, e também contra quem
desenvolveu o sistema.

Mas neste artigo vou me ater unicamente à questão que o seu cliente
PODE pedir tudo o que ele quiser para você fazer, mas você NÃO PODE
efetivar tudo o que o cliente te pedir. E não estou falando por
limitação técnica ou de linguagem (que já nos fazem negar uma
solicitação no ato, pois conhecemos tais limitações de nossos
ambientes). Me refiro a uma única palavrinha que por vezes é esquecida:
Ética
.

Palavra curiosa, que pode ser tomada como abstrata, resumirei de
forma sucinta e direta o seu significado: ser ético é não fazer algo que
venha a prejudicar outra pessoa de forma intencional. E, veja bem, ética
não faz distinção entre religiosos, ateus ou agnósticos. Ela existe por
si mesma, ditada pelo consenso geral da sociedade.

Curiosamente, há alguns dias participei da formatura de um grandioso
amigo, em Sistemas de Informação, e pude ver nas palavras do patrono da
turma uma chamada ao exercício ético da profissão dos formandos. E não foi só nas palavras dele: no juramento que é feito (e que é feito em todas as formaturas Brasil afora), estava lá o
comprometimento com a ética e com as boas práticas. Repito: no juramento.

Certo, mas e quando o cliente nos pede algo que é antiético, o que
devemos fazer? Conversar com ele, explicar que não poderíamos
desenvolver tal coisa por causa deste ou daquele motivo e, se preciso
for, inclusive apelar para o censo Ético. Torne seu projeto um produto
ético.

Ah, mas você pode estar pensando: “se eu não fizer, outra pessoa fará e eu vou somente perder o cliente”. Pois muito bem, se você é uma pessoa que
pensa a curto prazo, eu diria que você está correto. Mas se você é uma
pessoa que olha lá na frente, no futuro, eu te digo que continue
trabalhando na linha deste artigo. Com o tempo, empresas que não
desenvolvem dentro de padrões éticos acabam caindo no conceito dos
clientes, dos profissionais, e do mercado em geral. Ou seja, quem
concorda em fazer coisas não éticas mais cedo ou mais tarde poderá não
encontrar lugar no mercado, pois todos já saberão de suas práticas e não
gostarão de tê-lo associado à sua imagem. E em um mundo em que é cada
vez mais fácil sabermos das realizações das pessoas, fica igualmente
mais fácil o mercado conhecer nossa prática profissional.

Bem, e se os ditos do último parágrafo ainda não foram suficientes
para te convencer, conto então a história da Operação ByPass, feita pela
Polícia Federal em 2009, que descobriu fraudes fiscais em supermercados
e padarias no Espírito Santo. Para resumir o caso a você: era passada
uma informação à impressora de cupom fiscal para que imprimisse
normalmente a ‘notinha’ para o consumidor, mas vinha também uma
instrução para que essas informações não fossem salvas na memória da
impressora fiscal. Era como se boa parte das compras fossem tratadas
como testes.

Em sua defesa, a empresa responsável alegou que não foi ela quem
implementou a instrução fraudulenta, mas que o cliente descobriu
(sabe-se lá como) e fez por conta própria. Só que a justiça entendeu que,
independentemente de ter feito a implementação proposital da fraude ou não,
só de ter sido inserido no código a POSSIBILIDADE que levasse à fraude a
empresa tinha de ser considerada tão ou mais culpada pelo crime. Ou
seja, essa POSSIBILIDADE por si só, já foi considerada uma atitude
antiética (e também ilegal) da empresa desenvolvedora.

E o mais interessante é que não tem jeito de querer esconder: alguma
hora alguém descobrirá os feitos antiéticos ou as brechas do sistema. No
caso da Operação ByPass, todo o esquema foi descoberto porque um cliente
fez uma compra de mais de R$ 5.000,00, paga com cartão de crédito, que a
própria operadora do cartão informou à Receita, mas que quando vieram
as informações do supermercado a compra não existia.

Mas existem outras formas também de vazar algo antiético: pode ser
por uma pessoa que não sabe guardar segredo, um ex-funcionário que não
estava muito contente com a empresa ou outras situações.

Fato é que o jeito mais fácil de defender ou esconder algo antiético é
nunca chegando a produzi-lo, e assim ganhar pontos com o mercado como
um todo e também, em determinados casos, até com a sociedade.