A Microsoft, fruto e retrato de uma época que foi responsável pela popularização da informática em todo o mundo, passa por um momento delicado em sua história, com novos desafios, diferentes cenários e a urgente necessidade de ser maior e mais influente na internet. Analisando por um certo lado, vemos que a empresa possui serviços populares muito utilizados. Por outro, este mesmo meio pode oferecer um “risco” à hegemonia do mercado de software proprietário, sendo as principais ameaças o mundo linux e o conceito de software online.
Na última sexta-feira (20/06), Bill Gates deixou a Microsoft, empresa criada e dirigida por ele desde 1975. A BBC levou ao ar um documentário especial sobre sua trajetória, com diversos depoimentos do próprio e de amigos e inimigos. Bill Gates provoca, dizendo que seu sucesso com a Microsoft deveu-se, em grande parte, aos erros da concorrência, que, segundo ele, deixou diversas brechas para o crescimento da empresa.
Símbolo máximo da “cultura desktop”
A Microsoft tornou real o conceito da cultura desktop, do computador como estação de trabalho portátil (se comparado aos antigos computadores). Vale lembrar que não havia tal conceito. Numa história que se cruzou em diversos momentos, Apple e Microsoft, cada uma dentro de seu estilo, tornaram o computador pessoal não só real, como, também, acessível, sendo um novo ítem a ser inserido na lista de “eletrodomésticos” de luxo.
Não demorou muito para que milhares de famílias no mundo todo (sobretudo, obviamente, nos países desenvolvidos) tivessem seus computadores pessoais, utilizados para trabalho e entretenimento. Cada nova versão de programas ou sistemas operacionais era aguardada com grande ansiedade.
As lojas lucravam alto com as vendas de software, numa época em que o conceito de internet e web estava só “engatinhando”, sendo o mundo online privilégio para grandes corporações, grupos acadêmicos e catedráticos e instituições governamentais. Aos “pobres mortais” sobrava a alternativa da compra do software em caixas, nos formatos de disquetes (!) e cds, embalados em caixas de papelão com guias e manuais impressos.
Monopólio
Ciente de seu poder de fogo e adepto da idéia da “eterna dependência corporativa”, a Microsoft trabalhou duro no sentido de dominar o mercado de software proprietário, usando qualquer mecanismo mercadológico a sua disposição. No conceito da empresa, a independência, o colaborativismo e a concorrência se tornavam dispensáveis e ameaçadores à hegemonia conquistada. O mercado era defendido com unhas e dentes, a vitória quase sempre certa.
Muitas polêmicas e debates foram travados em todo o mundo, tornando a Microsoft, ao mesmo tempo, líder de mercado e letalmente odiada por boa parte da comunidade tecnológica (com senso crítico e sem oportunismo imediatista, do tipo “eles são os maiores, preciso estar associado a eles”) em geral, que via (e ainda vê) com bastante distanciamento as estratégias altamente ambiciosas e totalitárias da empresa.
Dominando territórios
A Microsoft dominou diversos territórios, derrubando diversas empresas da liderança e “devastando” culturas estabelecidas, sempre com grande sucesso. De uma maneira geral, tudo o que a empresa ensejou, em toda a trajetória de Bill Gates como “front-man”, foi conquistado. Sendo sutil e inteligente como uma borboleta, ou barulhenta e ruidosa como um trator, a Microsoft avançou para todos os campos da TI, com grande sucesso em boa parte deles, para desespero e ódio de boa parte da concorrência, normalmente despreparada para tanta munição.
Ao falar de um mercado onde a concorrência é incentivada e a vitória ou o cumprimento de metas é vital, a Microsoft é, sem dúvida, uma grande coletânea de cases empresariais de grande sucesso, onde a obstinação e o crescimento sempre estiveram na ascendente. Sem qualquer julgamento de valor, o ruidoso sucesso da empresa sempre incomodou (e muito), não sem razão.
Internet Explorer e o “enterro” do Navigator
Uma das mais notórias brigas patrocinadas pela Microsoft, foi a do domínio do mercado de browsers para internet, na época pertencente, com relativa folga e tranquilidade, a empresa Netscape com seu Navigator.
O Internet Explorer foi inserido timidamente no mercado em meados de 1995, sendo que em sua terceira edição (por volta de agosto de 1996) passou a ser um concorrente sério do Netscape Navigator com uma série de novos recursos e implantações, sendo, ironicamente, um dos primeiros browsers a possuir suporte para o CSS.
A “tacada de mestre” de Gates foi oferecer seu browser, nas versões subsequentes, juntamente com o sistema operacional. Você instalava o Windows e pronto: lá estava o Internet Explorer junto, totalmente integrado ao sistema operacional (e muito vulnerável a ataques hackers e vírus), dificultando e (praticamente) impossibilitando sua desinstalação.
A estratégia foi tão agressiva que a Microsoft respondeu judicialmente na corte dos EUA por monopólio de mercado, numa ação movida pela Netscape. Apesar do cenário desfavorável, a empresa saiu ilesa do processo, o que, no final das contas, soou como a última pá de terra sobre o Navigator.
Microsoft open source
Em decisão inédita, provocada, em grande parte, por duras decisões das cortes européias contra políticas de monopólio, o CEO da Microsoft, Steve Ballmer, anunciou a publicação das API´s dos principais produtos da empresa, em fevereiro de 2008.
Saiba mais no meu artigo: Microsoft Open Source?
Novos rumos e desafios
Ao se aposentar da Microsoft, Bill Gates deixa uma série de novos desafios para a Microsoft, cujo sucesso irá manter a empresa na liderança ou não. De fato, a “rainha dos desktops” assiste a queda de seu império, que está sendo substituido, progressivamente, pelo conceito libertário do software livre e pelas moderníssimas possibilidades de software on-line.
Provavelmente consciente dos desafios futuros (na verdade, já bem pronunciados no presente), Ballmer parece não querer perder tempo em conduzir a Microsoft dentro dos rumos atuais de desenvolvimento, web, software livre, estando minimamente preparado para os novos desafios.
Curiosamente, a saída de Bill Gates coincide com um momento de transição na empresa que criou. Suas estratégias de monopólio, hoje, só funcionam para quem está desinformado, pois existem alternativas livres e eficientes a praticamente todas as ferramentas da empresa. No mundo corporativo, outrora nincho absoluto de mercado, observa-se uma consciência mais ampla das reais necessidades e implicações das mesmas. No mundo “caseiro”, muitos utilizam soluções Microsoft e (ainda) não conhecem alternativas, algo que será mudado com o passar do tempo.
Ao abrir o código-fonte de suas principais aplicações, a Microsoft não escapou da pesada multa das cortes européias, mas sinalizou com novas e modernas possibilidades para o futuro. Na mesma esteira, está o grande interesse pelo Yahoo, que, aos poucos, assiste sua resistência sendo minada pelas apelativas estratégias de negociação. Ter o Yahoo pode ser o início de uma dualidade no mundo web, quase uma hegemonia da Google. Num cenário onde a web e internet mostram-se como o futuro óbvio de qualquer mercado, a Microsoft deseja ansiosamente ampliar seus horizontes e ampliar o território já conquistado.
Porém, não deve se esquecer que o mundo mudou muito dos anos 70 para hoje.
Suas estratégias de monopólio, fatalmente, não funcionam mais.