Carreira Dev

11 out, 2018

Codamos: a busca (e a luta) pela inclusão no mundo dev

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Alda Rocha é UX researcher e UX writer e está no mercado de TI e desenvolvimento há alguns anos. Com experiência de quem já viu e vivenciou muita coisa nesse meio, ela decidiu criar o Codamos. O projeto visa dar voz e promover a inclusão para as mais diversas minorias no mundo dev por meio da representatividade.

Alba acredita no mundo colaborativo, na força do voluntariado e, principalmente, na importância de perguntar e ouvir como meio para crescer e aprender. Nessa entrevista, ela conta um pouco mais sobre o Codamos (como o projeto atua, em quais frentes, sua abrangência e alguns planos), além de lançar um olhar para o mercado (passado, presente e futuro) e os planos para a própria UX researcher.

Revista iMasters: Você é uma das pioneiras no mercado de TI brasileiro. De quando você começou para o cenário atual, quão relevantes e efetivas foram as mudanças no mercado?

Alda Rocha: Antes de tudo, obrigada pela pioneira. Eu nem sei se realmente sou isso, sabe?! Tudo bem que estou há muito tempo na área de TI direta ou indiretamente; pelo menos uns 18 anos. Mas junto comigo existem muitas mulheres que também estavam ali e são pioneiras também mesmo não subindo ao palco.

Quando a gente fala sobre o que melhorou, eu acho que melhorou um pouco a visibilidade do problema. Antigamente ignorávamos que mulheres em TI era um assunto que deveria ser conversado e questionado. O problema existia; as dores e abusos também. Estava tudo lá, mas não era conversado, não era abordado em grandes canais, meios, eventos, não era tido como relevante para ser tema de palestras e para dialogar abertamente dentro da comunidade.

Os homens não viam como importante falar sobre machismo, mansplanig, abuso de poder, invalidação de discurso, protagonismo, humilhação, equidade salarial e outros tópicos.

Hoje, posso falar que ainda temos muitas limitações, mas conseguimos jogar uma luz neste assunto e conseguimos mostrar a importância da representatividade e do papel das mulheres nas áreas de tecnologia e exatas.

Revista iMasters: O que você acredita que nos impede de avançar mais?

Alda Rocha: A falta de representatividade em outras esferas de minorias na tecnologia. Quando eu, mulher branca, subo em um palco e falo sobre mulheres em TI, eu consigo diretamente impactar uma fatia das minorias; mas existem vários cortes que não se sentem representados dentro das comunidades tecnológicas. Grupos periféricos, comunidade negra e LGBTQ+ sofrem com a falta de representantes que ajudem a levantar as bandeiras.

Faltam movimentos sociais e seguros para as outras vertentes das minorias. Eu, como mulher branca que mesmo tendo sofrido por ser mulher em TI, ainda sou privilegiada por N motivos, por exemplo, pelo fato de que tenho condições de ter um computador para trabalhar. Como podemos fazer com que a diversidade realmente avance em todas as áreas e para todas(os)? Esse é nosso desafio.

Revista iMasters: Como surgiu a ideia de criar o Codamos e como foi a receptividade do público ao projeto?

Alda Rocha: O Codamos surgiu em um hackathon para resolvermos uma necessidade real da nossa comunidade: como saber que o evento é seguro, diverso ou que vai me aceitar? Resolvi me juntar com algumas pessoas e montamos uma vitrine de eventos onde o usuário vê os que vão acontecer tagueados com o tipo de inclusão e diversidade que ele dispõe, por exemplo, eventos gratuitos, com mulheres na grade e que incentivam as comunidades negras, LGBTQ e periféricas.

É tudo voluntário e não recebemos um real pelas coisas que trabalhamos dentro do projeto. Nosso único incentivo é ver a comunidade de eventos e meetups brasileira mais segura e acolhedora para todos. Está sendo um desafio! E o público parece gostar bastante do projeto. Estamos aprendendo a ser inclusivos para as pessoas e para TI. Ainda vamos errar, aprender, evoluir e amadurecer… É aprendizado!

E por estar diretamente ligado a mim, muitas pessoas questionam se é algo realmente inclusivo, pois eu só represento uma pequena parte da diversidade. Não temos a velocidade que gostaríamos, pois como é voluntário, temos pouco tempo para nos dedicar, mas, em breve, abriremos uma rodada de voluntários de outros estados que talvez possa ajudar a melhorar o ritmo das implementações de novidades e eventos cadastrados. A gente quer divulgar a comunidade e dar destaque maior para iniciativas fora de São Paulo.

Revista iMasters: Inclusão e diversidade são uma preocupação recente por parte das empresas. Muitas estão começando agora a se atentar para a importância de trabalhar esses dois fatores. Como o Codamos, que prega tanto um, quanto outro, ajuda o mercado a se atentar para isso?

Alda Rocha: Ainda não temos um trabalho forte nesse ponto, vamos ter em breve. O que fazemos hoje e ser bem verdadeiros quando uma empresa nos busca para fazer parceria. Tentamos entender o que querem e explicamos que não adianta falar que é diverso ou que quer diversidade sem saber cuidar das pessoas de verdade. Temos muitas pessoas procurando vagas de emprego inclusivas, mas poucas empresas realmente têm condições de acolher a diversidade.

Acho importante tentar, mas precisa ser um trabalho a longo prazo e que inclua não só a pessoa, mas cuide do time e outras pessoas que vão estar em volta para acontecer um aprendizado e amadurecimento em conjunto. Não adianta a empresa alegar ser diversa se ela contrata pessoas que são intolerantes e que defendem racismo, machismo e outros preconceitos.

Estou estudando para ter uma formação em inclusão e diversidade aplicada a usabilidade e espero daqui há dois anos conseguir me formar e conseguir implementar com mais profissionalismo essa proposta de solução tanto no Codamos quanto nos parceiros e empresas abertas a evoluir.

Revista iMasters: Você, que está lidando diretamente com essa inclusão; qual a sua percepção desse cenário? Estamos avançando?

Alda Rocha: Estamos sim, mas é bem lentamente. Ainda temos conflitos primários e coisas que nem achávamos que em 2018 a gente teria que explicar, mas infelizmente tem uma parte da comunidade e de empresas que ficam pra trás quando o assunto é inclusão. Essas pessoas (e empresas) não estão nem abertas a diálogo e se recusam ouvir outros pontos de vistas. Uma pena.

E isso faz com que o avanço seja mais lento, mas temos na outra ponta mulheres se organizando, grupos de apoio nascendo, iniciativas para minorias que estão ganhando corpo e apoio, eu vejo que estamos nos movendo sim. Da pra caminhar mais, mas vai ser aos poucos para poder acontecer certo.

Revista iMasters: O que você acha que empresas e profissionais, cada um na sua alçada, podem fazer para aumentar a diversidade e a inclusão no mercado de TI e desenvolvimento em uma forma geral?

Alda Rocha: Perguntar e ouvir. Hoje infelizmente não fazemos perguntas e sem as perguntas não aprendemos. Como falar de gênero se não ouvimos muito sobre isso? Como falar sobre o que as mulheres negras sofrem ou os gays se não falamos e nem ouvimos nada disso? O primeiro passo é ouvir e dar lugar de fala para essas pessoas para começarmos a entender os problemas e unir forças para ajudar.

Comecem dentro da empresa de vocês com conversas abertas, ou se não sentirem confortáveis, fechadas; mas ouçam as pessoas e tracem planos para ajuda-las a terem seus espaços conquistados e respeitados pelos demais. Apoiem causas sociais, falem sobre política, ensinem o que é o direito de cada um dentro dos espaços e ajudem a ter mais diálogo entre as pessoas.

Revista iMasters: Quais os planos para a Codamos? Como vocês se veem no futuro?

Alda Rocha: O Codamos vai ter que crescer para poder se tornar finalmente opensource para que a comunidade possa de fato tomar posse do projeto. Não significa que vou me afastar dele, mas algumas coisas fazem mais sentido se cada projeto ou grupo pudesse tomar conta. Esse movimento de migração já está acontecendo, mas bem aos poucos. Como todos os mantenedores do projeto trabalham e o Codamos é um projeto paralelo, a gente faz as coisas com calma.

Vamos renovar os colaboradores e voluntários e estamos escrevendo manuais e outras informações de onboarding para poder deixar as coisas mais autônomas. Queremos ainda ser uma vitrine, não só de eventos, mas de podcast, pessoas, comunidades, grupos, cursos, bootcamp, workshops e queremos ser um lugar para saber onde achar por onde começar ou continuar em TI.

Finalmente, queremos implementar nossa tão sonhada busca orgânica. Nosso plano é ter uma equipe mais diversa que possa realmente chegar onde precisamos falar de inclusão. Em breve, vamos abrir o slack para comunidade e automatizar algumas partes da plataforma. No futuro, queremos ser o primeiro lugar aonde uma pessoa que vá entrar para uma comunidade e queira participar de eventos seguros busque pra ir. Queremos dar mentoria e aulas sobre inclusão etc.

Revista iMasters: E para a Alda Rocha, particularmente, quais os planos futuros?

Alda Rocha: Evoluir mais ainda na minha carreira. Tenho trabalhado com pesquisa e estou bem dedicada a mudar a vida das pessoas com informações, métricas e dados colhidos e cruzados e com várias metodologias aplicadas para que a pessoa consiga ter uma boa experiência digital. Sei que vai chegar um momento que vou ter que decidir o que fazer: se largo trabalho para cuidar 100% do Codamos ou se continuo me dividindo entre trabalho, palestras, Codamos, filhas, cachorro, namorado… Mas até o momento, tenho dado conta e acho que consigo levar mais algum tempo assim.

Estou cada dia mais apaixonada pelas possibilidades que ser UX researcher tem me apresentado e, olhando para o futuro, tenho como meta treinar uma inteligência artificial para que ela responda “emocionalmente” para uma pessoa bem próximo do comportamental humano. Quero estudar a fundo NPL (Natural Language Processing) e tenho gostado bastante de resolver problemas complexos observando o comportamento dos usuários. Quero dar aulas de UX, de pesquisa e palestrar mais! Ufa! rs

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Artigo publicado na revista iMasters, edição #27: https://issuu.com/imasters/docs/imasters_27_issuu