Acessibilidade

13 abr, 2009

Acessibilidade web: 7 mitos e um equívoco

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Os mitos na acessibilidade web

No meu trabalho com acessibilidade web, tenho me
deparado com mitos que, por não terem suas verdades decifradas, são
reproduzidos e compreendidos no seu sentido literal, o que tem
prejudicado bastante o nosso progresso. Eles não aparecem como
narrativas de estórias, mas como afirmações pseudocientíficas, que
confundem a mente daqueles que ainda não adquiriram um profundo
conhecimento do assunto.

Após sete anos de convivência com esses mitos, creio que chegou a
hora de sistematizá-los e compartilhá-los com todos aqueles que se
interessam pelo tema. Cada mito apresentado será, primeiramente, confrontado com a
realidade objetiva, que é, como veremos, muito diferente do que o mito
afirma. Em seguida, tentarei explicitar o que entendo ser a verdade
oculta encerrada no mito. Neste caso, como a verdade é sempre um temor,
será chamada de “temor oculto”. Finalmente, tentarei oferecer uma
resposta a esse temor, que será chamada de “esclarecimento”.

O que é um mito?

Os mitos são narrativas (este é o sentido da palavra original grega), que são reproduzidas (imitadas) até se tornarem coletivas.

Aristóteles, em sua Poética, nos diz que “O imitar é congênito no
homem… e os homens se comprazem no imitado.” Os mitos não se baseiam
na experiência empírica nem científica, baseiam-se na intuição. E aí
está a sua força, pois a intuição encerra sempre uma verdade. Porém a
verdade do mito não está aparente, precisa ser decifrada.

Quando, por exemplo, digo que determinada mulher é uma Atena, não
quero dizer (como no mito da deusa) que ela não foi gerada no ventre de
sua mãe, mas dentro da cabeça de seu pai, de onde saiu prontinha, com
armadura e tudo! Estou querendo dizer que ela é uma mulher guerreira,
racional e bastante identificada com o modo de pensar masculino.

A verdade de um mito, portanto, não é literal, é simbólica. É por
este motivo que muitos o confundem com mentira, ilusão, lenda e
fantasia. Eles são exatamente isto, se forem considerados no seu
sentido literal.

Os mitos na atualidade

Uma característica dos mitos modernos é que, ao contrário dos mitos
gregos ou indígenas, eles não se referem à totalidade da existência
humana, mas a temas específicos, como a sensualidade, a juventude, o
corpo saudável, o poder etc. E, como sua base inconsciente não está na
razão e sim na emoção, eles são largamente utilizados na propaganda e
na política.

Mito I – “Acessibilidade Web é só para deficientes visuais.”

Realidade: Pessoas cegas ou com baixa visão são terrivelmente prejudicadas pela falta de acessibilidade,
pois, na maioria das vezes, elas não têm outra forma de obter a
informação, a não ser através da internet. Mas não são elas as únicas
que necessitam de acessibilidade.

Acessibilidade web é para…

  • … Quem tem dificuldade para
    • ver a tela,
    • usar o mouse,
    • usar o teclado,
    • ler um texto,
    • ouvir um som,
    • navegar na internet;
  • … Quem usa um navegador diferente;
  • … Quem usa um equipamento muito antigo;
  • … Quem usa um equipamento muito moderno;
  • … Quem tem uma linha de transmissão muito lenta;
  • … Quem está num ambiente ou situação que limita alguns dos seus sentidos ou movimentos, ou que requer a sua atenção.

Enfim, acessibilidade web é para todos!

Temor oculto: “Imagina o trabalhão que vai dar, fazer acessibilidade para todo mundo!”

Esclarecimento: Quando seguimos uma diretriz de
acessibilidade, estamos atendendo simultaneamente a vários tipos de
necessidades. Por exemplo, atender a três tipos de deficiências não
significa trabalho triplicado.

Note-se que este mito está tão profundamente arraigado em nossa
cultura, a ponto de aparecer expressamente no Decreto 5296, o qual
estabelece, em seu Artigo 47, que “No prazo de até doze meses a contar
da data de publicação deste Decreto, será obrigatória a acessibilidade
nos portais e sítios eletrônicos da administração pública na rede
mundial de computadores (internet), para o uso das pessoas portadoras
de deficiência visual, garantindo-lhes o pleno acesso às informações
disponíveis.”

Mito II – “Na prática, o número de usuários beneficiados com a acessibilidade é relativamente muito pequeno.”

Realidade: A maioria das pessoas que conhecemos não
tem nenhuma deficiência e nunca esteve em nenhuma das situações
especiais descritas acima. Mas isso não quer dizer rigorosamente nada a
respeito da quantidade dessas pessoas e situações. Por exemplo, quantos
tailandeses você conhece que usam a internet? Será que você poderia
concluir, então, que são muito poucos os tailandeses que usam a
internet? Nossa visão da realidade é sempre distorcida, pois tendemos a
nos aproximar e conhecer somente aquilo que nos é semelhante.

Temor oculto: “Esse negócio de acessibilidade é muito investimento para pouco retorno.”

Esclarecimento: Quando tornamos o nosso site
acessível, além de atingirmos os usuários da internet que não nos
podiam acessar devido às barreiras encontradas, também estamos criando
condições para que novas pessoas se animem a usar a internet; ou seja,
estamos ampliando o nosso mercado. Além disso, estamos aumentando a
visibilidade do site para os buscadores web, pois, assim como as
pessoas cegas, eles também só conseguem ler o que está em texto.

Mito III – “Fazer um site acessível demora e custa caro.”

Realidade: Geralmente, afirmações como esta são
proferidas sem nenhuma avaliação prévia. Contudo, só podemos saber se o
tempo e o custo do nosso projeto são adequados, se levarmos em conta os
benefícios alcançados.

Temor oculto: “Não estarei empregando mal os recursos que tenho, ao fazer acessibilidade? Não vou ficar no prejuízo?”

Esclarecimento: Quebrar todas as escadas de um
prédio para colocar rampas e todos os banheiros para torná-los
acessíveis vai demandar um tempo e um custo adicionais; mas vai
permitir o acesso por muito mais pessoas. Porém, se o prédio for
projetado com rampas e banheiros acessíveis, o custo e o tempo de
construção não serão maiores por isso. O mesmo acontece com os sites.
Algumas adaptações são trabalhosas, mas o resultado vale a pena; e
quando se trata de um novo projeto, o custo adicional geralmente não
existe.

Mito IV – “É melhor fazer uma página especial para os deficientes visuais.”

Realidade: Isto é melhor para quem? Os webdesigners
terão trabalho dobrado, para criação e manutenção de duas páginas. Os
deficientes visuais ficarão prejudicados, pois o que invariavelmente
acaba acontecendo é que a página deles fica desatualizada. Sem falar
naquelas páginas especiais, que já são projetadas com menos
funcionalidades do que a das “pessoas normais”. Além disso, o site
continuará inacessível para todos os outros tipos de deficiências,
necessidades ou situações especiais.

Temor oculto: “A gente não vai conseguir fazer uma página acessível, que seja tão bonita e funcional como a nossa.”

Esclarecimento: A partir de 1998, com a promulgação
da Section 508 (lei americana de acessibilidade), as grandes empresas
de software começaram a investir em acessibilidade. Atualmente, os
recursos de acessibilidade disponíveis já nos permitem criar sites
bonitos, funcionais e acessíveis. Obviamente, para se obter um bom
resultado, a técnica de acessibilidade, como qualquer outra, precisa
ser aprendida.

Mito V – “Um site acessível a deficientes visuais não é bonito.”

Realidade: Pessoas cegas não têm condições de
usufruir da maioria dos atributos visuais de um site. Porém, os
elementos que tornam um site esteticamente bonito não atrapalham as
pessoas cegas, se forem criados dentro dos padrões de codificação, das
diretrizes de acessibilidade e se a página tiver uma boa arquitetura de
informação.

Temor oculto: “Só sei fazer sites bonitos usando
tecnologias inacessíveis; de fato, não sei exatamente quais são os
elementos visuais que atrapalham a acessibilidade. Por isso, quando
tenho que fazer um site acessível, faço sempre o arroz com feijão.”

Esclarecimento: Sites acessíveis a deficientes
visuais podem ter imagens, fotos, vídeos, gráficos, etc, etc… Basta
observar os padrões de codificação e as diretrizes de acessibilidade; e
nenhuma delas proíbe essas coisas. Os testes com usuários, além de
fazerem parte das boas práticas de um projeto, sempre ajudam a
desmistificar essa questão.

Mito VI. – “Vamos por partes: primeiro fazemos o site, depois fazemos acessibilidade.”

Realidade: Não dá para fazer tudo ao mesmo tempo,
precisamos priorizar. Porém, inaugurar o prédio com escadas e depois
quebrar tudo para colocar rampas não é priorização, é desperdício de
tempo e recursos. E é exatamente isto que acontece com um site, quando
deixamos a acessibilidade para depois. Vamos ter que refazer muita
coisa que já poderia ter sido feita com acessibilidade, sem custo
adicional.

Temor oculto: “Não vamos conseguir fazer um site acessível, com o tempo, os recursos e a equipe que temos.”

Esclarecimento: Como acontece com qualquer
tecnologia, geralmente o primeiro projeto acessível demanda um tempo e
um custo maior, porque precisamos de capacitar a equipe. Mas isto
acontece apenas no primeiro projeto, além de ser um bom investimento em
termos de ampliação do público alvo.

Mito VII – “A gente sabe o que é bom para o usuário.”

Realidade: A gente aprende muito sobre o usuário
com a experiência. Mas a gente só aprende tudo sobre o usuário, se a
gente for o próprio usuário; ainda assim, agente vai ser apenas um dos
vários tipos de usuários possíveis, deixando de fora todos os outros
grupos.

Temor oculto: “Não quero expor meu projeto às críticas do usuário.”

Esclarecimento: Quanto mais cedo os usuários
puderem dar seus “palpites” no projeto, menos alterações ele precisará
depois e mais robusto ele será. Não tenha medo!

Um Grande Equívoco

Existe uma oitava assertiva, que não é exatamente um mito, nem se
refere apenas à acessibilidade. Trata-se de uma convicção equivocada,
proveniente da falta de conhecimento da repercussão da web, do seu
impacto na vida das pessoas e na forma como a informação é veiculada
nos dias de hoje. Apesar de não ser um mito, podemos detectá-la como um
pensamento subjacente em quase todos os mitos descritos anteriormente.
A assertiva é a seguinte:

“Meu site é direcionado a um público específico; ele não interessa a todos os grupos de usuários.”

Para entendermos onde está o equívoco, precisamos analisar primeiro
o que é “público específico” e o que são “grupos de usuários”.

Normalmente, quando falamos que o nosso site se dirige a um público
específico, estamos nos referindo ao conteúdo do site e estamos
querendo dizer que tal conteúdo só tem interesse para uma determinada
parcela do público em geral. Sabemos, por exemplo, que o público-alvo
de um site de notícias, ou de um serviço público, é muito diferente do
público-alvo de um site de tricot, ou de paleontologia. Contudo, isto é
muito diferente do conceito de grupos de usuários, utilizado em
acessibilidade e em usabilidade. Neste caso, estes grupos não se
referem ao conteúdo da informação, mas às características de
funcionalidade dos usuários. Muitas destas características foram
descritas anteriormente, na análise do Mito I.

O equívoco acontece quando associamos grupos de interesses a grupos
de funcionalidades. A experiência nos mostra que esta associação é
muito mais tênue do que parece. Vejamos alguns exemplos:

  • Um homem com baixa visão que entra no site de um fabricante de automóveis, para escolher um modelo para a sua mãe.
  • Uma jovem surda que entra numa loja virtual de CDs, para escolher um presente para o seu namorado.
  • Um menino de 11 anos que entra num site direcionado à terceira idade, para pegar uma informação para a sua avó.
  • Uma estudante cega que entra numa livraria virtual, para comprar
    livros que serão escaneados por ela própria e lidos com o seu programa
    leitor de telas.

Portanto, quando restringimos o acesso do nosso site ao que julgamos
serem as características do seu público alvo, estamos, na prática,
usando a internet para limitar o nosso público, ao invés de ampliá-lo.

Referências na web