Tecnologia

3 out, 2014

A inevitável obsolescência programada

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Era meados de 1986 e minha mãe, ao chegar em casa, disse que tinha uma surpresa pra mim. Eu era uma criança e não fazia ideia de o que era a surpresa, embora esperasse um G.I.Joe. Foi quando ela me deu um envelope e disse: “Torce, filho! Fizemos um consórcio para um videocassete!”. Peraí, torcer para ganharmos um consórcio? E o que seria um videocassete?

Naquela época, videocassete era caríssimo e para poucos. Lembro que fiquei encantado em poder gravar a programação da TV e mais ainda em passar dias aguardando a chegada de filmes “lançamento” na locadora perto de casa.

Alguns anos depois, ganhei um computador usado, era um CP200S. Era necessário ligá-lo à TV e ao rádio, pois os jogos eram em fitas K-7. Nascia aí a minha paixão por computadores e, principalmente, por tecnologia.

Ao comprar um computador um pouco melhor, já com Windows, percebi que enfrentaria um grande choque de realidade. Era a obsolescência programada, estratégia de negócio usada por grandes empresas como Microsoft.

A obsolescência programada foi criada na década de 20, pelo então presidente da General Motors, Alfred Sloan, que procurou atrair consumidores a trocar de carro frequentemente, como apelo à mudança anual de modelos e acessórios. De lá para cá, o avanço tecnológico muitas vezes foi maior que a necessidade de ter tais “produtos inovadores” e como quis Alfred Sloan, grande parte destes produtos ou tendência, nada mais são que aprimoramentos de um produto anterior.

Muitos desses produtos se tornam obsoletos de forma muito rápida, e isso tem acontecido principalmente nos últimos 30 anos. O que não é ruim, pois faz com que o mercado seja sempre ativo e movimentado.

Sim, eu sei, posso estar sendo chato, afinal cada geração passa por transformações tecnológicas (e talvez de forma cada vez mais rápida). Me lembro bem de quando comprei meu primeiro celular. Era enorme, mal cabia no bolso e – pasmem – a bateria durava semanas! Hoje possuem GPS, internet, sensores e tudo aquilo que nunca imaginei precisar. Em especial, pessoas da “Geração X” e “Geração Y” passaram por avanços tecnológicos menos frequentes. Temendo por alguns hábitos, a adaptação nem sempre é simples. Como por exemplo: ler um bom livro ou jornal. Aliás, nada mais prazeroso que abrir um livro novo (ah, o cheiro de um livro novo…).

Graças aos avanços atuais, há quem diga que o fim dos livros está próximo, principalmente por causa dos leitores digitais. De certo que tal tecnologia veio para ficar. Pequeno, leve e com grande espaço de armazenamento – isso faz com que esse gadget seja um enorme passo tecnológico. E é bem provável que o uso do livro habitual, como conhecemos, ocorra cada vez menos, principalmente com a chegada de novas gerações e costumes, ou seja, a escolha se aquela tecnologia ou hábito será extinto provavelmente não é nossa, mas de nossos filhos e netos.

A cada novo aparelho ou atualização de sistema, novas tecnologias e funcionalidades são criadas e aprimoradas. Isso faz com que algumas pessoas encarem esses novos produtos como a verdadeira solução para alguns problemas (que ainda não tínhamos), já que o “novo produto” oferece muito mais recurso que a versão que possui. E nem sempre isso se faz necessário.

A publicidade cumpre bem seu papel e essa “necessidade” de novos produtos é induzida, também, a partir de estratégias de fabricantes e suas propagandas, nos fazendo acreditar que a tecnologia que possuímos não atinge mais nossas necessidades, muitas vezes impondo que “precisar” ou “ter” tal tecnologia é determinante para uma construção social adequada na inclusão de um determinado grupo.

Isso é obsolescência programada. Rápida obsolescência de produtos ou tecnologias, em um curto espaço de tempo, ou seja, quando empresas criam algo que poderia durar por mais tempo.

Outras técnicas dessa obsolescência estão em fabricar produtos para durar menos horas, dias ou anos e perder qualidade de tal forma que se torna totalmente ineficiente, exigindo sua substituição por outro novo e mais eficiência.

Particularmente, torço para que as próximas gerações consigam ponderar certas coisas. Não só na criação desenfreada de produtos e componentes que virarão um tremendo lixo tóxico descartado, como na reutilização dele e se realmente precisaremos de tais produtos, que acabam tornando nossa convivência e interação pessoal, cada vez menor, graças a aparelhos nem sempre tão úteis.

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Artigo publicado na Revista iMasters, na seção “Criatividade Tecnológica”. Você pode assinar a Revista e receber as edições impressas em casa, saiba mais.