Na história do homo sapiens, imagino que ele, em seu processo de sedentarização, dominou o fogo e depois, com a lenha que sobrou, criou a cadeira. De fato, eu não saberia dizer, ou precisar, quando a primeira cadeira foi criada, contudo o trono mais antigo, que chegou aos dias de hoje, é o do palácio de Cnossos, na ilha de Creta. Isso significa que a ideia de cadeira como símbolo de quem detém o poder é mais antiga que a invenção da escrita e da História. E quem fazia todos os tipos de cadeiras eram os artesãos e carpinteiros. Jesus Cristo provavelmente deve ter feito várias.
Já a história da cadeira elétrica é bem mais recente. No fim do século XIX, Thomas Edison patenteou a lâmpada e os dispositivos cinematográficos nos EUA, enquanto fazia lobby junto ao governo americano para dar início ao mercado da eletrocussão. A execução de prisioneiros usando eletricidade é um marco da vida moderna, de uma sociedade em plena Revolução Industrial e exemplo de uma evolução tecnológica, econômica e social (“God bless America“).
Nesse momento histórico, os artesãos deixam de produzir cadeiras e passam a operar máquinas. A tecnologia traz consigo a separação entre aqueles que fazem as máquinas funcionarem (funcionários) e aqueles que patrocinam as máquinas (patrões). Os patrões também detêm o conhecimento científico aplicado na produção de cadeiras, desde a escolha e pesquisa da madeira e materiais adequados, passando pela produção serializada, e chegando à venda do produto final, distribuída em escala mundial. Os funcionários sabem se sentar na cadeira e apertar botões.
Contudo, outra revolução surgiu de tanto apertar botão: a Revolução Digital. Com ela, veio o computador, a interface gráfica, a Internet, as redes sociais e, também, o motivo deste texto, a fabricação digital. Alguns talvez tenham em mente a tão comentada impressora 3D, como exemplo do que vem a ser a tal fabricação digital. Na realidade, o conceito é um pouco mais robusto e abarca todo um novo tipo de produção que usa ferramentas controladas por computador para transformar projetos digitais em objetos físicos. É a exploração da fronteira entre a Ciência da Computação e a Ciência Física, como gosta de definir o Prof. Neil Gershenfeld, diretor do Center for Bits and Atoms do MIT. Gershenfeld é professor e coordena a disciplina How to Make (Almost) Anything. Desde 2001, trabalha com o tema de fabricação digital e é um dos pioneiros do projeto FabLab.
Inicialmente, a computação revolucionou o modo de produção com as ferramentas CAD (computer-aided design). Era possível representar o desenho de uma cadeira em um mundo gráfico de bits. A computação passou de representação do projeto para ferramenta do projeto com o advento das ferramentas CAM (computer-aided manufacturing), incluindo as instruções para as máquinas de Computer Numerical Control (CNC). Essas máquinas recebem uma informação numérica a partir do arquivo de design e são capazes de cortar e fresar o material para chegar à forma almejada. Esse tipo de produção é conhecida como substrativa e conta também com outros tipos de maquinário, como cortadora a laser, a plasma (para chapas metálicas) ou a jato de água. Essas tecnologias, de modo geral, não estão facilmente disponibilizadas para o público em geral, pelo menos não tanto quanto uma outra, cujo modo de produção ocorre por adição de material, a impressora 3D.
Para adquirir uma impressora 3D, basta entrar em uma das páginas dos fabricantes, como o MakerBot e a Felix ou a da versão brasileira Metamáquina. Nós, aqui em casa, montamos a nossa junto com a comunidade RepRap, de Barcelona. A ideia geral é que a impressora possa imprimir suas peças-chave e ser autorreplicante.

http://design-milk.com/folding-chair-and-ottoman-by-brainstream
Independentemente do tipo de produção escolhida, se aditiva ou substrativa, é possível construir uma cadeira a partir de um modelo 3D feito no computador. Aliás, esse modelo pode ser elaborado à mão por designers e engenheiros ou também pode contar com a ajuda de um processo conhecido como 3D scanner. Nesse caso, o modelo é construído a partir de imagens tomadas do objeto real. Recentemente, a Autodesk lançou o 123D Catch, um aplicativo grátis para criar modelos 3D a partir de captura de 20-40 imagens em torno do objeto.
O que há de tão revolucionário em tudo isso? Segundo Gershenfeld, em seu artigo Foreign Affairs (2012), a inovação está na capacidade de transformar dados em coisas e as coisas em dados. É possível deter novamente os conhecimentos da fabricação de uma cadeira, é possível produzir cadeiras em menor escala e de modo mais personalizado e compartilhá-las com o restante do mundo. Tudo isso porque a fabricação digital permite maior flexibilidade, simulação, customização e de maneira descentralizada e consciente. Trata-se da recapacitação e do fortalecimento de criadores e produtores locais em nível global.
O projeto FabLab foi criado e disseminado com esse intuito. São pequenos pontos de produção e inovação completamente equipados com CNCs, cortadoras a laser, impressoras 3D etc., para produção em pequena e média escala. Nesses espaços, novos designers e interessados em geral podem dar forma a suas ideias. E mais que espaços físicos ao redor do mundo, o FabLab é uma rede de trocas de conhecimento. Faz parte do pensamento da fabricação digital, um design open source, aberto e compartilhado.
A plataforma Thingiverse dispõe de vários arquivos de modelagem 3D de objetos e projetos diversos para quem quiser baixar, modificar e imprimir. E se você ainda não tem uma impressora 3D em casa (apenas uma questão de tempo), pode contar com a plataforma Shapeway para fazer o upload do seu modelo e receber em casa o seu produto. Para quem é designer e estiver interessado, é possível também vender seu produto por demanda nesse site para outras pessoas interessadas de qualquer lugar com acesso à Internet.
A fabricação digital propõe uma democratização na área de inovação e produção e, como tudo que tem alta acessibilidade, tem todo tipo de projeto. Polêmico é o Defense Dist, que disponibiliza projetos para a impressão de armas de fogo, alegando a liberdade do uso de armas entre civis para autodefesa nos EUA. Por outro lado, há projetos como o Magic Arms, que possibilita a crianças, como Emma de 3 anos, terem um exoesqueleto para ajudá-las em seus movimentos, de outro modo, limitados por patologias neuromusculares.
O acesso e o número de projetos em fabricação digital pessoal vêm crescendo ano a ano e apontam uma tendência. Ainda não é tão comum ter uma impressora 3D quanto ter um computador pessoal, mas Chris Anderson, escritor americano que trabalhou como editor da revista WIRED e hoje dirige a companhia de drones 3DRobotics, já fala em uma nova revolução industrial. Em seu mais recente livro, Makers – a nova revolução industrial (Editora Campus-RJ, 2012), ele comenta como novas tecnologias democratizadas mudaram o mundo: primeiro, os computadores, depois, a Internet e, para os próximos 10 anos, a fabricação digital. Ele mesmo empreendeu seus drones, pequenos robôs aéreos autônomos, a partir da experiência da fabricação em casa de um brinquedo para o filho.
A palavra de ordem junto à ideia de fabricação pessoal é “Faça você mesmo”. Impressoras 3D e redes sociais virtuais de comunicação e compartilhamento de informação, bem como espaços dedicados à produção personalizada são o tripé de um novo empreendedorismo. E, hoje, cadeiras são como… a Wiki.
Vídeos:
- Impressora 3D delta: http://www.youtube.com/watch?v=AYs6jASd_Ww
- Impressora 3D de cerâmica: http://unfold.be/pages/projects/items/3d-printer