Marketing Digital

1 dez, 2010

Redes sociais: controle, vigilantismo e resistência

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Há muito estas palavras estão acumuladas em mim e este artigo surge como um “brado de alívio”. Dividirei, nas próximas linhas, um ponto de vista sobre as redes
sociais e sobre o profissional responsável por seu gerenciamento nas empresas – o
analista de mídias sociais -, a fim de levantar alguma discussão em torno tanto
da atividade desse sujeito quanto das características inerentes ao meio.

Em primeiro lugar, me direciono à
questão primeira proposta pelo meu interlocutor: qual a relação entre as redes
sociais e o vigilantismo da sociedade de controle? Oras, aqui caberia uma rasteira
revisão sobre o conceito de sociedade de controle, mas para não me prolongar
além da medida, me apoiarei prioritariamente sobre nosso objeto a partir de um
texto que eu mesmo havia publicado anteriormente em meu blog pessoal.

Redes
sociais e vigilância

Levantava o regime de exposição
suscitado pelo Facebook apoiado em uma entrevista do professor de Direito da
Universidade de Columbia, Eben Moglen, na qual é defendido o ponto de vista das
redes sociais como “polícia secreta do século 21”. Pode parecer uma idéia
absurda a princípio, mas tal afirmação se baseia em três argumentos: em
primeiro lugar, uma transformação do capitalismo do nosso século – a
matéria-prima passa a ser a informação; em segundo lugar, a internet é um meio
que trabalha na lógica da exposição por excelência – ter presença online requer
atuação (criação de perfis, publicação de artigos, fotos e etc); e, finalmente, o
terceiro e mais importante ponto: as redes sociais constituíram um negócio no
qual se ganha acesso à vida privada em troca de páginas e de aplicativos gratuitos
(fan page, profile, Farmville, botão “curtir” e assim por diante).

Esse escambo virtual, no qual não
se trocam espelhos por madeira, mas no qual oferecemos algo extremamente valioso
sem ter a clara percepção disso, é encarado por Moglen como “uma péssima troca
para o usuário” e completa: “degenera a integridade da pessoa humana. É como
viver num regime totalitário”. Por outro lado, o usuário considera uma
vantajosa troca, pois segundo o próprio Facebook, as pessoas já querem
compartilhar suas vidas, e as redes sociais só facilitam isso. Em resposta a
essa argumentação lugar-comum, Moglen reage: “Sim, é um ótimo argumento. É por
isso que a ‘polícia secreta do século 21’ não tortura nem executa, e sim
oferece ‘doces’. Nos ensinam a gostar disso”.

Parece haver aqui um imbricamento
com o famoso estudo de Michel Foucault sobre a transição das sociedades de
soberania para as de disciplina e, posteriormente proposta por Gilles Deleuze,
para as sociedades de controle. A máxima que se aplica às sociedades de
soberania é “deixar viver, fazer morrer” –  a morte exerce um papel de controle
social. Ao contrário, nas sociedades disciplinares, há a preocupação de gerir a
vida e, portanto, é preciso “fazer viver, deixar morrer” – uma época marcada
por controles sociais de saúde pública, natalidade, sexualidade a fim de
nornalizar e de docilizar o corpo social.

Segundo Deleuze, a sociedade de
controle opera por modulação: não se passa mais da família à escola para
posteriormente ir à fábrica e ocasionalmente ao hospital ou à prisão. Aqui há
formação contínua. O profissional nunca está pronto e é preciso aperfeiçoar-se
o tempo inteiro. Ao passo que a disciplina possui o panóptico (torre central de
vigília em uma prisão) para vigiar e punir – na sociedade do controle, cada
indivíduo é um panóptico em potencial. Daí a importância política da valiosa
informação que damos às redes sociais em troca de páginas e aplicativos. O
poder (numa definição foucaultiana) nos alcança através de nossos pares.
Fazendo um paralelo com o filme Matrix,
no qual Morpheus (aquele que desperta os adormecidos) alerta Neo (o escolhido
para salvar a humanidade): todos são potenciais agentes do poder por mais que
não o saibam.

O
analista de mídias sociais

Diante desse cenário, vimos o
desenvolvimento das redes sociais não só como uma esfera na qual as pessoas se
relacionam em troca de informações da vida privada, mas também de um mercado
que abarca cada vez mais profissionais e abre uma nova função nas empresas: o
analista de mídias sociais. Quem é esse profissional e qual sua função? Para
responder a essa indagação, recorreremos a posts de profissionais atuantes na
área.

Segundo Edney Souza, idealizador do
portal Interney e sócio da Pólvora!, agência especializada em comunicação
online, o analista de mídias sociais “é a pessoa responsável por aproveitar ao
máximo o potencial dessas redes, que são espaços nos quais as pessoas buscam se
agrupar por interesse e segmentam cada vez mais suas escolhas o que, para as
empresas, os torna ideais para atingir consumidores”.
Hélio Basso, diretor de atendimento da Ideia s/a Agência de Mídias Sociais,
explica em outras palavras que “o papel como profissional de mídias sociais se
dará na criação de soluções, independentemente do meio, que permitam que as
marcas dominem seus segmentos de atuação, criando diferencial competitivo,
atraindo micronichos para formar novas redes de interesse”.

Vemos, portanto, que o profissional
de mídias sociais surge no intuito de extrair outro valor das redes sociais: além
da informação da vida privada, já amplamente explorada pelas empresas gestoras
das redes, o analista de mídia social busca influenciar no fluxo de atenção
desses espaços. Sua tentativa é convergir a atenção dispersa nesses meios para
um ponto específico. Com a diferença da atuação em nichos segmentados, a marca
se insere em um meio buscando causar uma impressão positiva massiva entre seus
usuários.

Oras, essa história me lembra muito
uma noção do sociólogo Pierre Bourdieu. Dissertando sobre a televisão, Bourdieu
aponta: “quanto mais um órgão de imprensa ou um meio de expressão qualquer pretende atingir um público extenso,
mais ele deve perder suas asperezas, tudo o que pode dividir, excluir, mais ele
deve aplicar-se em não ‘chocar ninguém’, como se diz, em jamais levantar
problemas ou apenas problemas sem história”. Não estaria, então, o profissional
de mídias sociais fazendo com que a rede perca sua tão preciosa aspereza? Ou
ainda: estaria o analista de mídias sociais esterilizando as redes sociais? São
ainda perguntas sem respostas, mas a partir delas irei propor um ponto de vista
ainda mais audacioso para levantar algum debate.

O
“fake” e as redes sociais

Estamos, pois, diante de um novo
cenário sócio-econômico, no qual a informação é a matéria-prima do capitalismo e
a atenção é o ouro que as empresas tanto buscam para se sobressaírem em seus
mercados. Não poderíamos, então, juntar coro a voz de Danah Boyd e dizer que
estamos vendo surgir uma nova geração de hackers? Hackers que não mais quebram
códigos, mas que burlam o regime da atenção e fazem surgir fluxos de informação
inesperados.
Diferente de seus antecessores, mestres em programação, esses novos hackers são
ainda garotos, mas que entendem muito melhor como espalhar um falso boato do
que como invadir um sistema. Na verdade, o sistema que eles invadem é simbólico
e está no imaginário das pessoas. São hackers que trabalham com o que Richard
Dawkins chama de meme: uma unidade mínima cultural. Uma campanha #fail estaria
nesse hall. Uma falsa notícia plantada por pessoas anônimas também. Fakes do
Twitter, idem.

A Revista Época publicou uma
matéria
entrevistando alguns dos mais badalados fakes do Brasil: @MussumAlive, @Cleycianne,
@TioDino e @OCriador. São pessoas que resolveram usar o Twitter para tirar
sarro de situações cotidianas banais, mas se escondem por trás de um
pseudônimo. Vemos aqui mais uma semelhança com a antiga geração hacker: o
anonimato. De alguma forma, essas pessoas conseguem convergir para si um fluxo
de atenção que a maioria das empresas não conseguem. O último citado,
@OCriador, chega a ter mais de 300 mil seguidores.

Contudo não é apenas de piada que
vivem os novos hackers. Fakes como @mimimidiasocial, @Calaabocaramon e
@OCleberMachado, muitas vezes acusados como trolls*,
surgem para levantar algum tipo de crítica que seria mal recebida pela talvez
já esterilizada mídia social.

Controle,
poder e resistência

Gostaria de nesse desfecho retomar
a palavra com Gilles Deleuze em seu alerta sobre a sociedade de controle: “Muitos
jovens pedem estranhamente para serem ‘motivados’, e solicitam novos estágios e
formação permanente; cabe a eles descobrir a que estão sendo levados a servir,
assim como seus antecessores descobriram, não sem dor, a finalidade das
disciplinas”. Cabe-nos, portanto, exercitar um ponto de vista mais crítico
diante do chamado do Marketing e da pressa por resultados. Ainda Deleuze: “não
nos cabe temer ou esperar, mas buscar novas armas”.

 

* Pessoas
que buscam apenas agredir, sem nenhuma razão aparente.