O Software Público Brasileiro (SPB) é um conceito que há alguns anos vem sendo mencionado no âmbito do poder executivo federal, para se referir a um repositório de softwares livres cujas aplicações são de interesse público, mantido pela Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI), órgão integrante do Ministério do Planejamento.
Embora inclua muitos softwares de origem governamental ou da esfera paraestatal, basta uma visita ao site do repositório, localizado em http://www.softwarepublico.gov.br/, para perceber que o número de softwares disponíveis oferecidos pela sociedade civil é crescente, demonstrando que há interesse de desenvolvedores em aderir ao modelo.
As possíveis vantagens de aderir ao modelo de desenvolvimento adotado pelo Portal SPB devem ser estudadas por cada interessado, mas desde o final de janeiro essa análise ficou mais simples e potencialmente objetiva, devido à publicação da Instrução Normativa n. 1/2011 da SLTI, que reúne as normas relativas ao desenvolvimento, disponibilização e uso do Software Público Brasileiro – SPB.
Preambulares e definições
Já no preâmbulo da IN 01/2011, conforme publicado na edição de 19 de janeiro no Diário Oficial da União, encontramos a justificativa adotada para a existência do Software Público como conceito próprio, incluindo seu caráter estratégico para governos e sociedade e a existência prévia de acervos de soluções desenvolvidas pelos diferentes poderes e esferas governamentais.
A partir da publicação da IN 01/2011, fica também definido definitivamente o conceito de Software Público Brasileiro, que deve adotar um determinado modelo de licença livre para seu código-fonte e para sua marca, prover documentação adequada e estar disponível no repositório apropriado.
Para o seu software ser incluído como um SPB, ele deve atender a diversos requisitos definidos formalmente na IN 01/2011, incluindo:
- Fornecer código-fonte contendo cabeçalhos indicativos da adoção da licença livre CC GPL v. 2.0 traduzida para o português, ou outra licença que venha a ser aprovada pela SLTI;
- Fornecer roteiros e scripts completos de instalação e de configuração;
- Ter manual de instalação que permita ao usuário implantar o sistema sem suporte do desenvolvedor (manual de uso e de desenvolvimento são facultativos);
- Existência de uma versão suficientemente estável e madura do software;
- Registro do software no INPI;
- Disponibilização do uso da marca do software via Licença Pública de Marca;
- Além disso há um conjunto de restrições, também definidas formalmente. Segundo elas, um SPB não pode:
- Fazer uso de bibliotecas, componentes, ferramentas, códigos-fonte e utilitários proprietários;
- Depender somente de plataformas proprietárias;
- Depender de um único fornecedor.
Oferecendo seu software ao Portal SPB
Se, por qualquer razão, você tiver interesse em que um software seu seja considerado para inclusão no Portal SPB, a IN 01/2011 também traz as instruções necessárias – incluindo, em seus anexos, um modelo do Termo de Compromisso que deverá ser firmado com a SLTI, que atua simultaneamente como órgão articulador e homologador.
O processo tem início com um encaminhamento formal do software à SLTI, cedendo o código-fonte, os componentes e a íntegra da documentação.
A partir desse encaminhamento, a SLTI avaliará se os requisitos estão presentes, e em caso negativo poderá orientar sobre como atendê-los. O requisito de registro no INPI é o único que pode ficar para depois da aprovação pela SLTI, mas deve ser providenciado antes que ocorra a disponibilização no Portal SPB.
Os passos acima podem ser iniciados tanto por entidades privadas quanto por pessoas físicas, além – é claro – das entidades governamentais. Para parte destas últimas, entretanto, há uma possibilidade adicional: a própria SLTI pode solicitar que um software existente em seu acervo de desenvolvimento seja disponibilizado como software público, caso no qual a entidade em questão deverá também passar pelos passos acima.
Com licença
A questão do licenciamento do SPB é interessante por duas razões principais, sendo que a primeira delas é a opção por uma versão publicada em 2003 por terceiros (e não-oficial, segundo seu próprio preâmbulo) da licença GPL 2.0 da Free Software Foundation: a CC-GPL 2.0 em Português.
Adotar como padrão uma licença menos popular, ainda que seja uma tradução não-oficial de uma versão anterior de uma licença popular, traz poucos problemas a desenvolvedores que sejam autores integrais do software que porventura desejem contribuir ao Portal SPB, mas a situação (ao menos à luz da letra da norma recém-publicada) pode não ser tão simples quando se tratar de um projeto em que haja o bem-vindo reuso de trechos de código de outros projetos sob a GPL original ou outras licenças livres compatíveis, ou mesmo de um projeto anteriormente desenvolvido de forma pública sob a GPL original: nesses casos, o líder do projeto pode não contar com a necessária permissão dos autores originais de cada trecho para relicenciá-los sob a escolhida CC-GPL 2.0 em Português.
O segundo aspecto curioso é que, embora a CC-GPL 2.0 em Português expressamente proíba, em seu item 6, que algum distribuidor do software vá “impor quaisquer restrições adicionais ao exercício, pelos receptores, dos direitos concedidos” por ela, a IN 01/201, em seu capítulo III, que disciplina o uso dos SPBs, estabelece que qualquer usuário que deseje ter acesso a esses softwares precisa realizar um cadastramento e também aceitar fazer uma declaração sobre observância legal, aderência ao licenciamento e alguns aspectos sobre expectativa de garantia e suporte.
Claro que se pode assumir a boa vontade dos autores dos sofwares oferecidos ao Portal SPB em aceitar simultaneamente os dois termos conflitantes, mas quando algum desses softwares incluir bibliotecas ou trechos originais de outros softwares licenciados originalmente pela GPL, ou mesmo pela GPLv2, o autor do SPB em questão pode estar em situação duvidosa quanto a ter a autoridade para aceitar que o distribuidor defina termos adicionais referentes ao “uso do Software Público Brasileiro”.
Adicionalmente, usuários interessados nesses softwares (integralmente livres quanto ao licenciamento de direito autoral) mas residentes em outros países, ainda que falem e compreendam nosso idioma, poderão ter dificuldade na prática (ainda que não impedindo integralmente) sua possibilidade de ter acesso aos referidos softwares sem se expor a compromissos com um ordenamento jurídico externo à sua própria jurisdição.
Não é a primeira vez que a administração pública busca acrescentar camadas ao redor da GPL: um caso bastante conhecido é o da licença brasileira GPL-PA – “GPL para programas de computador da Administração Pública”, publicada (também em português, com a sigla LPG-AP) em 2005 e declarada não-livre pela Free Software Foundation devido às restrições adicionais que impõe.
Tenho certeza, entretanto, de que os juristas ou os autores das normas e dos termos em questão logo trarão respostas para esta e para outras dúvidas de licenciamento que possam surgir sobre a IN 01/2011.
Após a publicação no Portal
Após completar a aprovação do seu software como um SPB, a SLTI providenciará sua publicação no Portal SCPB, e a criação da estrutura para uma comunidade virtual relacionada a ele.
Para manter as atividades dessa comunidade, incluindo aí a gestão do código, da documentação e do fórum de discussões e dúvidas, o responsável pelo software deve indicar um coordenador institucional e um ou mais coordenadores técnicos, que devem permanecer disponíveis a partir do momento da publicação do software.
O papel do coordenador institucional inclui ainda participar das reuniões da Coordenação do SPB, publicar notícias sobre seu software na comunidade virtual, e homologar contribuições para novas versões de seu software.
Não há garantia formal de que esses coordenadores serão necessariamente os indicados, entretanto: a IN 01/2011 estabelece que, dado o caráter dinâmico e colaborativo da solução, é possível que a comunidade virtual eleja seus próprios representantes, não necessariamente vinculados a quem ofertou o software.
Portanto, se você tem interesse em participar dessa comunidade organizada pelo Executivo Federal, contribuindo a ela seu software e adequando-se aos seus requisitos, é hora de começar a estudar a IN 01/2011.
Além de encontrar os detalhes sobre os aspectos mencionados acima e outros, complementares – incluindo a governança interna das entidades gestoras e do portal em si, questões relativas ao licenciamento de marcas e mais -, recomendo a leitura também dos seus anexos, que trazem modelos de documentação de instalação e uso, além do já mencionado modelo de termo de compromisso que precisará ser firmado com a SLTI.
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Artigo publicado originalmente no blog do developerWorks Brasil.