DevSecOps

9 jun, 2014

Aprender fazendo e fazer aprendendo – o poder de fabricar as suas coisas

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Algo que me impressiona na cultura americana é o fato de que as pessoas colocam a mão na massa. Muitas vezes eles são autodidatas, mas são, principalmente, proativos e criativos, e se aventuram a fazer um pouco de tudo: de coisas “normais”, como marcenaria, carpintaria e pintura, a questões altamente complexas, como modelagem e impressão 3D, eletrônica, programação e até mesmo lançar foguetes. O DIY – Do It Yourself, ou Faça Você Mesmo – é realmente bastante forte por lá.

Você deve ter lido nas últimas edições da Revista sobre hackerspaces, FabLabs, oficinas colaborativas, fabricação digital e muitos outros assuntos que tratam um pouco do “movimento maker”, que também envolve a cultura DIY, focada na auto-suficiência e no aprendizado em qualquer área – não apenas em tecnologia. E nesta edição eu quero falar um pouco mais sobre isso, que vai muito além da criação de novas tecnologias. O movimento maker trata da apropriação dos modelos de produção e construção de coisas, o que envolve desde atividades manuais, como tricô, costura e artesanato em geral, até técnicas mais complexas de marcenaria, carpintaria, metalurgia, eletrônica e robótica. É óbvio que novas tecnologias e processos já mencionados em outras edições, como fabricação digital, impulsionam o movimento por permitirem a criação de novos métodos de fabricação, antes acessíveis somente a grandes empresas.

Mas não confunda Arduino e Open Hardware com o movimento – eles são apenas catalisadores do processo, não o objetivo final. Tudo começou “muito tempo atrás”, e é preciso um pouco de história: lembra da Revolução Industrial? Apesar de todos os benefícios trazidos após essa época, nós perdemos nossa capacidade de criar coisas únicas; tudo foi homogeneizado, ganhou escala e perdeu originalidade: o celular que você tem hoje é igual ao de muita gente por aí, todos podem (dentro das condições financeiras de cada um) adquirir um determinado bem que foi fabricado na China e que é idêntico ao mesmo modelo fabricado/vendido em outro país etc. Apenas dois exemplos simples. E até aí, tudo bem! Temos acessos a diferentes bens e serviços, e eles são padronizados, o que nos dá certa “garantia” de qualidade, mas esquecemos que, muitas vezes, por conta dessa padronização, criar um novo produto é algo caro e nunca vai ser feito em uma garagem.

Produto final ou protótipo?

Este é um dos primeiros aprendizados de quem começa a trabalhar com hardware: fazer um único item sai caro. Mandar fabricar uma placa de circuito e incluir os componentes não é viável se você precisa de uma única peça, mas se você produz um lote de 20, 50 ou 100 peças, os custos principais estão diluídos (isso não quer dizer que o valor total é baixo).

Prototipar coisas é um pouco diferente; você não precisa ter um produto pronto e bonito, em uma única placa e com o melhor acabamento possível. O objetivo é apenas provar que aquilo funciona com os componentes modularizados. É por isso que o Arduino e todos os seus acessórios se tornaram um grande sucesso: eles têm escala e o custo para produção, devido a essa escala, cai, tornando-se viável para usá-los como protótipo até se conseguir recurso suficiente para produzir em escala.

Pensando ainda na produção em massa e no custo ao se gerar apenas uma única peça (ou pelo menos uma peça adaptada a alguma demanda específica), vou citar um caso interessante em que já existia um produto, chamado WREX (Wilmington Robotic Exoskeleton), adaptado a uma cadeira de rodas e que pode ser utilizado por crianças (a partir dos 6 anos) ou adultos que nasceram com uma síndrome congênita que afeta a força muscular.

Neste exemplo, Emma, uma criança aos dois anos de idade, não podia utilizar o aparelho porque ele era muito pesado. Sabendo disso, médicos conseguiram reproduzir a mesma tecnologia utilizando ligas metálicas mais leves e impressão 3D, criando peças facilmente substituíveis e leves o suficiente para que uma criança pudesse começar a se alimentar sozinha.

revista

Essa demanda por produtos personalizados, paramétricos e com pequena escala impulsionou a fabricação digital, permitindo criar coisas novas usando tecnologias não tão novas assim, mas que ficaram mais acessíveis, produzindo coisas em uma quantidade não massificada. Junto com os hardwares abertos e com as mesmas práticas de comunidades open source, deram origem a impressoras 3D (nos seus mais variados modelos), máquinas de corte a laser (como a Lasesaur) e de corte de vinil, além de outros aparatos eletromecânicos utilizados em processos de fabricação.

Voltando ao hardware, embora em 1999 Richard Stalman não acreditasse que projetos de hardware aberto pudessem se tornar realidade, surgiram as iniciativas de open source hardware, como o Arduino e muitas outras. O resultado: artistas, programadores e engenheiros voltaram sua atenção para criação de objetos tecnológicos que utilizam um microcontrolador de baixo custo com uma plataforma de desenvolvimento também livre e simples. Quem já trabalhou com PIC sabe como é viver num mundo onde tudo tem preço, inclusive o gravador do microcontrolador.

Depois disso, surgiram as plataformas de financiamento coletivo (crowdfunding), como o Kickstarter, em 2009, o que permitiu a execução de projetos maiores, nas mais diferentes categorias, com atenção especial para tecnologia, pois financiamentos gigantes permitiam a produção em escala baseada em um protótipo construído e apresentado dentro da plataforma.

Ainda hoje, financiar um projeto através de crowdfunding significa acreditar na ideia e na capacidade de execução do inventor, e isso implica correr riscos e financiar algo que pode não será realizado, mas também há grandes casos de sucesso e projetos como o Peeble, maior sucesso de arrecadação da plataforma e que se tornou um produto de sucesso, impulsionando o surgimento dos “smartwatches” e do Oculus Rift.

Mas daí vem o software. Como o movimento maker se encaixa quando a gente fala de desenvolvimento de software? Eu já afirmei anteriormente sobre o surgimento do open hardware, e grande parte disso foi graças à integração da comunidade. Se falarmos exatamente de Arduino, sabe-se que ele tem três pilares: o hardware em si, com seu projeto aberto e padronizado e todas as placas de expansão; o software aberto e multiplataforma; e, principalmente, a comunidade focada no desenvolvimento de mais expansões e bibliotecas, além da melhoria da própria interface de desenvolvimento.

Hoje é praticamente impossível alguém ter uma dúvida sobre desenvolvimento de software que outra pessoas já não tenha questionado antes, e muitas das vezes essa dúvida já foi respondida em sites como o Stack Overflow. Isso acontece exatamente porque existem pessoas com essa mesma essência do movimento maker (autodidatas, criativas, próativas) que estão lá com interesse em ajudar, compartilhar conhecimento e aprender com o processo.

Indo além

Onde mais o movimento maker pode ser aplicado? Na educação! Vou citar aqui um artigo do Humberto Zanetti, professor há nove anos e mestrando com foco na aplicação de tecnologia em educação, que começa citando uma frase de Aristóteles: “É fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer”.

Você travou, certo? Eu também 😉

Ele faz uma abordagem bem crítica sobre o processo educacional “de mão única” e como teorias como o Construtivismo e o Construcionismo se baseiam na mesma lógica do movimento maker: colocar a mão na massa, aprender durante o processo, resgatar o processo criativo e identificar talentos, relacionando-se também com o desenvolvimento de habilidades como liderança, empreendedorismo e trabalho em equipe, sempre demandadas pelo mercado de trabalho.

Próximos passos

Então fica a pergunta: “o que eu posso fazer?”. A resposta é simples: estude e comece a fazer! (lembre-se de Aristóteles!). Veja a qual processo você mais se adequa e comece a explorar as possibilidades, mas não foque apenas na questão tecnológica, pois, às vezes, é mais importante entender como fazer as coisas do que simplesmente fazer algo no computador e mandar “imprimir”. Além disso, não tenha medo de errar, isso faz parte do jogo.

Se você é desenvolvedor, o que pode fazer agora é começar a contribuir com iniciativas de softwares livres (participe daquela que você já utiliza e/ou mais tem afinidade) e abra seus projetos no GitHub ou outro site de versionamento de código. Não tenha medo de expor seus códigos: fazendo isso, você pode receber contribuições de outros desenvolvedores e aprender ainda mais.

Saiba mais

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Artigo publicado originalmente na Revista iMasters de maio.