DevSecOps

11 jun, 2012

2012+ – Parte 02

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4. Estrutura de trabalho e consumo

Está na hora de retomar essa análise antes que 2012 acabe. A real é que estou sobrecarregado. São trabalhos diversos, minhas aulas na ECA, a coluna da Folha, o blog (e lançamento) do meu livro e aquele monte de reuniões infinitas que tanta gente ainda teima em marcar. Nada disso, claro, é desculpa. Se eu me propus a escrever este blog, devo mantê-lo. Ainda bem que boa parte de seu conteúdo é analítico, portanto menos desatualizável.

A razão de todo o #mimimi do parágrafo acima é chamar a atenção para as mudanças na estrutura de trabalho e consumo. Desde que a microinformática fez a promessa de um escritório sem papel, há mais de trinta anos, que se anunciam revoluções na forma de trabalho. Se aconteceu, esqueceram de avisar muita gente. Seja patrão, funça ou frila, boa parte das engrenagens que movem a Economia funciona ainda como engrenagem. Todo dia eles fazem tudo sempre igual, se sacodem às seis horas da manhã, se arrumam no mundo virtual e se matam pra ganhar mais um fã.

Naquela época se cunhou o termo 9-to-5, das nove às cinco, que no futuro perguntarão se era o horário do jejum forçado.

A Internet amplificou o discurso da digitalização. Mal permitiram o uso comercial da rede e a IBM já falava em um tal de e-business. De lá para cá a infraestrutura física mudou a ponto de se tornar quase irreconhecível. Já a forma de trabalho continua praticamente a mesma.

Ou continuava. No que dependesse da vontade de muito gestor, algumas mordomias concedidas depois da Revolução Industrial, como a Semana Inglesa e o fim do trabalho infantil, seriam revogadas, levando com elas a Lei Áurea. Para a tristeza destes e de muitos mini-déspotas, o reinado bovino sobre centenas de cabeças sob o mesmo teto está sendo terceirizado para as sweatshops do mundo antes que a automação lhes dê o golpe de misericórdia.

Por mais que ainda chamem a estação de trabalho de “baia”, é fato inegável que os currais estão cada vez menores. As demandas crescentes por especialização e produtividade, associadas a custos de imóveis, caos de horários de rush e a constatação de que, com acesso à rede, o IP é mais importante do que o CEP levam à fragmentação inevitável da velha firma em múltiplas estações remotas de trabalho.

A mudança é muito mais complexa do que parece. Ela não é “só” uma evolução dos mecanismos de trabalho para uma nova tecnologia ou política, como o foram a igualdade de gêneros e a automação. O trabalho remoto é uma reinvenção completa dos meios de produção, e, como tal, demanda um baita esforço. A prova disso é que até companhias digitalizadérrimas, como Google ou Amazon, tem quartéis-generais (ops, escritórios centrais) gigantescos, cheios de mesas de trabalho ocupadas.

A Apple chama seu quartel-general de “Campus”. É um nome politicamente correto. Se ela fosse mesmo uma escola, deveria investir mais em iniciativas de ensino à distância.

Grandes empresas funcionam como transatlânticos: traçam suas rotas com grande antecedência e evitam desviar-se delas porque temem que movimentos bruscos levem a um naufrágio. Na turbulência digital, essa pasmaceira resulta em estruturas incrivelmente anacrônicas, que submetem o executivo de finanças da Dell de Paris a desconfortos extrínsecos bem parecidos com os do gerente da fábrica de roteadores em Mumbai. Ambos poderiam trabalhar a partir de suas casas. Por que não o fazem? Sei lá, talvez por hábito. Certamente não será por lobby do sindicato dos Valets, Lavadores de Janelas ou Tias do Café.

Mudar não é fácil. Existem empresas que limitam o tamanho de suas instalações à capacidade máxima de cem pessoas, evitando assim a formação de hierarquias complexas e gerências médias, mas elas ainda são raras. A maioria ainda funciona na base do “more is more“, criando estruturas de grande complexidade, com rigidez hierárquica de fazer inveja ao Exército.

O problema é endêmico e enraizado na estrutura social. Acredito que se boa parte das empresas, nos mais variados segmentos, resolvesse aderir ao trabalho remoto, enfrentaríamos uma gigantesca crise de produtividade. A razão para isso é tão simples quanto vergonhosa: muitas pessoas não têm competência nem disciplina para administrarem a si próprias.

Não fomos educados para isso. A maioria dos programas didáticos ainda é fruto de uma economia industrial, de grande escala, que precisa de firmas com escritórios cheios de patrões, funças e frilas em grande quantidade. Ou do governo, cujas necessidades são ainda maiores. O número de pequenas e médias empresas que sofrem para administrar pessoas e recursos prova o argumento.

A situação deve mudar bem rápido. O sucesso das iniciativas de software livre e código aberto (não são sinônimos) e a lucratividade dos empreendedores com estruturas enxutas mostra um caminho bem diferente, em que cada especialista cuida de sua especialidade – e é remunerado conforme sua produtividade. Nessa estrutura, profissionais variados combinam funções de expert (quem conhece a fundo uma área), líder (quem movimenta e inspira) e gestor (quem administra a bagaça toda) conforme as necessidades, em uma relação dinâmica e distribuída. Não faz sentido que um bom engenheiro, médico ou técnico, que gosta do que faz, seja “promovido” para uma função gerencial, para a qual não tem interesse nem competência.

SONGDO: CITIES OF THE FUTURE from Casa de Luz on Vimeo.

As cidades do futuro terão que se reinventar para comportar independência de localização e flexibilidade de trabalho, pois não fará mais sentido socar pessoas em centros urbanos cada vez mais densos. Para que esse sistema funcione, é preciso aprender a administrar a si próprio, sem dúvida o mais rebelde dos seus recursos. E fazê-lo de forma que a gestão do tempo e dos contatos não tome a maior parte do dia.

Algumas ferramentas e redes sociais, como Elance e Freelancer, ajudam a administrar a difícil tarefa de contratar profissionais à distância. Conforme o tipo de trabalho a ser executado, essas redes ajudam a criar soluções rápidas, qualificadas e econômicas, chamadas de “mercados de talentos”. Seu processo tem cinco etapas:

  1. Recrutamento, em que as propostas de trabalho são publicadas em murais para que os interessados se voluntariem. Quem tem urgência pode anunciar sua oferta, mostrando-a em destaque no painel.
  2. Os interessados passam pela qualificação, em que realizam testes ou mandam amostras de seu serviço para análise de competência.
  3. O candidato mais adequado vai para a contratação, em que preenche um contrato-padrão do serviço ou atende a solicitações especiais do contratante quanto a direitos de propriedade, sigilo etc.
  4. Assim que as partes entram em acordo começa o trabalho, com medição de tempo e entregas, normalmente condicionadas a parcelas do pagamento.
  5. Por último acontece a remuneração, normalmente através de contas de custódia (escrow).

Para contratação de serviços de longo prazo, com remuneração mensal, a Odesk tem uma ferramenta dedicada de medição de tempo, em que fotografa a área de trabalho do contratado a períodos regulares (sim, é tenso, mas é um começo).

Toda essa revolução no trabalho é acompanhada por uma enorme mudança no consumo de produtos, serviços e informação. O crescimento do Comércio Eletrônico se deve a uma forma inédita de comércio: lojas que nunca fecham, associadas a campanhas de marketing cada vez mais elaboradas.

Quando se fala em e-commerce, todo mundo pensa em uma forma de comércio independente de sedes físicas, acessíveis para o mundo todo. Isso é só parte da história. O verdadeiro sucesso do segmento deve-se a bancos de dados e métricas que estimulam compras rápidas, por impulso, em pequenas pausas durante o horário de trabalho. Se eu fosse psicólogo, poderia argumentar que esse tipo de compra é estruturada como uma espécie de compensação pelo esforço diário, um pequeno mimo que relaxa e aumenta a produtividade, mesmo que temporária. Como não sou, prefiro chamar de cenoura de burro e alertar para o crescimento da inadimplência, mesmo com as quedas nas taxas de juros.

O assunto rende vários desdobramentos, que não serão tratados aqui para não fugir do objetivo inicial: o de chamar a atenção para as mudanças e iniciar discussões. Explorá-las é tarefa de todos.

A época de padrinhos e madrastas está chegando a seu final. Cada vez menos influentes, as empresas que alternavam personalidades boazinhas e malvadas, protegendo ao mesmo tempo que exploravam seus súditos, estão se reconfigurando. Essa mudança empurra cada pessoa a uma situação de independência, que traz maiores liberdades e novas responsabilidades. Parece adolescência? Não é tão diferente assim.

O tópico ficou muito extenso, por isso encerro o artigo por aqui.

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Artigo publicado originalmente em Luli Radfahrer