Lembra quando você entrava no carro antigo da sua família e pedia para ligar o toca fitas do veículo? Pois bem, esse é um exemplo dos riscos de focar no dispositivo e não na tecnologia e conteúdo que ele suporta. Se ao ler as palavras “web móvel” no título deste artigo você pensou imediatamente em telefone celular ou tablet, sinta-se convidado a uma nova reflexão.
Apesar desta associação ser a mais corriqueira (afinal, esses são os dispositivos mais populares habilitados para a Web), essa realidade está prestes a mudar – e os óculos high tech não são nem o começo dessa mudança. Em um futuro não muito distante, teremos a Web presente nos mais inusitados produtos e objetos, quem sabe até no guarda-chuva. De tão comum, a Web tende a se tornar imperceptível, assim como a luz elétrica. O que hoje conhecemos por “web móvel” está fadado a extinção: teremos apenas a Web, simplesmente. Dentro desse cenário é necessário ampliar as possibilidades de desenvolvimento para múltiplos dispositivos.
As boas práticas de web móvel devem pelo menos considerar cinco dimensões: o usuário temporariamente desconectado, acesso em todos os lugares, em diferentes dispositivos, usabilidade da aplicação, performance e acessibilidade. Vejamos cada uma delas.
Alguns conceitos interessantes surgiram nos últimos anos, a exemplo do Mobile First e Offline First. Como os próprios nomes já sugerem, os dois termos pressupõem uma quebra do padrão atual, que é o desenvolvimento inicial de website para desktop. Ambos possuem um potencial a ser explorado para aprimorar a experiência do usuário. No caso do Mobile First, um conceito mais antigo e conhecido entre os desenvolvedores, a principal vantagem está no foco para o que realmente é prioridade no projeto. Já o conceito off-line, em primeiro lugar ele considera que os sítios devem estar preparados para momentos sem conexão à Internet.
Vamos imaginar a situação de um usuário que está no táxi e aproveita a corrida para navegar e preencher dados na Web a partir do telefone celular. O carro passa por um túnel, fica preso em um engarrafamento e a conexão à Internet cai. Trabalho perdido? Sim, a menos que o website permita ao usuário armazenar o conteúdo off-line. Hoje, é possível e importantíssimo desenvolver uma aplicação para a Web considerando que o usuário pode estar sem Internet. A aplicação salva os dados no dispositivo e, quando a conexão for restaurada, os dados serão enviados e sincronizados. Muitas vezes o usuário nem percebe toda essa “mágica” que pode ser feita utilizando a especificação da API Web Storage, que possui formas mais sofisticadas de manter os dados no browser.
Falando um pouco sobre as boas práticas para a web móvel, é importante abordar o conceito de Web única e em todos os lugares. Aqui é possível ilustrar com outro exemplo do dia a dia: se você está fazendo uma compra online a partir do desktop do escritório, mas percebe que está atrasado para um compromisso e precisa sair às pressas, a compra será encerrada? Não necessariamente. A depender do sítio do comércio eletrônico, você pode continuar de onde parou por meio de um dispositivo móvel ou mesmo em outro computador. Dessa forma, o projeto de conteúdo do sítio considera a experiência de uso em diferentes dispositivos e não apenas em um único computador. Dessa forma, os custos relacionados ao uso serão reduzidos, as páginas serão mais flexíveis e atenderão às necessidades de um número maior de usuários.
Existem frameworks que facilitam o trabalho do design responsivo. É preciso, no entanto, ficar atento às adaptações necessárias de cada projeto. Há quem pense que é só usar estes frameworks e tudo estará resolvido… Mas não é bem assim. Muitas vezes utilizar um framework robusto é como usar um elefante para matar uma formiga. Dependendo da aplicação, muito do potencial do framework não será utilizado de forma plena, deixando o projeto pesado, lento e com performance comprometida.
Outro ponto que merece destaque é o aperfeiçoamento da navegação. A utilização de telas e teclados pequenos e uma largura de banda limitada precisam ser levadas em consideração pelo desenvolvedor. Com isso, mecanismos de navegação consistentes e teclas de acesso rápido são extremamente úteis. Ainda falando sobre usabilidade, é importante facilitar a entrada de dados. Isso quer dizer, pensar na ordem de tabulação, rótulos e posições de controle em formulários, entre outros aspectos. É importante lembrar que o uso dos novos elementos de formulário, os web forms do HTML5 facilitam a usabilidade para web móvel em virtude dos novos input types, que dão significado onde antes só havia imput type=”text”. Mas a recomendação básica para formulários é mantê-los simples, já que o usuário tem um espaço limitado para sua interação.
A performance de um website é fundamental para qualquer negócio e também deve ser testada. As funções dos protocolos Web podem melhorar a experiência do usuário ao reduzir os gargalos e o tempo de espera na rede. Existem ferramentas online que testam o desempenho e ajudam a checar, por exemplo, se o sítio está muito pesado ou quanto tempo demora para carregar. Às vezes, ele faz muitas requisições ao servidor, o que aumenta o consumo de banda. Se o usuário tem um plano pré-pago, por exemplo, pode ser prejudicado ou evitará acessar o sítio novamente.
Outra recomendação básica é adotar padrões Web e considerar a acessibilidade também no dispositivo móvel. Muitas vezes a acessibilidade não está no código e sim na interface. Imagine a situação de um usuário caminhando pela rua e procurando um endereço sob incidência de sol na tela do seu smartphone. Ele precisa ter um contraste adequado para ler aquele conteúdo de forma plena.
A pesquisa TIC Domicílios 2013, desenvolvida pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC.br), ajuda a ilustrar a dimensão do uso da Internet pelo celular no Brasil: o percentual de usuários mais do que dobrou nos últimos dois anos. Em 2011, esse número era de 15% dos brasileiros com 10 anos ou mais, cresceu para 20%, em 2012, e chegou a 31%, em 2013 – o que representa 52,5 milhões de pessoas em números absolutos. Entre as atividades mais realizadas, estão o uso das redes sociais (30%), compartilhamento de fotos, vídeos ou textos (26%), acesso aos e-mails (25%) e baixar aplicativos (23%).
O W3C tem a missão de assegurar que a Web esteja disponível em todos os tipos de dispositivos e em qualquer situação. Quem trabalha com web móvel e tem interesse em se aprofundar e contribuir com o tema pode participar do Interest Group Mobile Web, um fórum de discussão sobre os requisitos de tecnologias Web que permitem o desenvolvimento para dispositivos móveis. O W3C ainda traz mais dicas para otimizar o desenvolvimento na web móvel (baixe o pdf). Outra referência e dica de leitura é o Guia de Boas Práticas em web Móvel (pdf).
E fique atento: pode ser que falar em web móvel daqui a alguns anos soe tão antiquado como falar sobre o toca fitas de um carro. Falaremos apenas de Web.