Desenvolvimento

24 mar, 2016

Entrevista – Morten Primdahl: em busca do lado humano da tecnologia

Publicidade

Pensar no crescimento e na longevidade das empresas não é tarefa fácil. É preciso saber lidar com as adversidades da economia, concorrência, gestão e outros elementos que fazem parte do cotidiano empresarial. O crescimento futuro é sempre uma preocupação e, mais além, o investimento em inovação – o que fazer e como – é essencial para a longevidade de uma empresa, em especial em uma área tão dinâmica quanto tecnologia.

A Zendesk, criada em 2007, é um excelente exemplo de empresa que tem conseguido superar a si mesma e garantir um espaço importante no mercado. Morten Primdahl, co-founder e CTO da empresa, conta um pouco da experiência nesta entrevista, que versa sobre tecnologia, relacionamento com o cliente, inovação e o que tivemos nos últimos 15 anos – e o que veremos pela frente.

entrevista - morten primdal

Que tipo de inovação a Zendesk trouxe à época da fundação da empresa?

Muitas das coisas que existem e que nós achamos óbvias, em termos de produtos SaaS, foram feitas pela primeira vez por empresas da geração da Zendesk. Hoje, é óbvio que você deve ser capaz de se registrar, cadastrar o seu cartão de crédito e começar a usar o produto. Esse nível de simplicidade apenas não existia naquela época. Uma das coisas que nós ajudamos a trazer para a indústria foi isso, que o software não precisa ser desafiador, complicado, feio ou caro; nós o fizemos maravilhosamente simples, acessível a empresas de todos os tamanhos, e escalonável. Talvez a maior inovação tenha sido que nós construímos algo tendo em mente o cliente.

Houve um problema específico que você queria resolver naquela época? Conseguiram resolvê-lo?

Nós realmente queríamos organizar softwares empresariais de A a Z. Queríamos permitir que as pessoas pudessem ignorar os processos pesados de vendas e a necessidade de consultores caros, porque o produto era muito complicado. Isso foi o que realmente nos guiou na época e nos guia até hoje, então nesse sentido ainda estamos resolvendo isso e é assim que deve ser – não há nenhuma linha de chegada e vamos continuar evoluindo e melhorando a nossa oferta para muitos, muitos anos por vir.

Que novos problemas que você viu ao longo dos anos?

Quando você começa uma empresa de zero a IPO e além, você vê todos os tipos de problemas. Uma vez que você resolve um, um novo vai vir no seu caminho. Isso é verdadeiro em todas as partes do negócio à medida que tudo cresce, quer se trate de tecnologia, atendimento ao cliente, recursos humanos ou qualquer parte da empresa.

Nós tivemos que aprender a dimensionar nossas operações à medida que a empresa amadurecia – temos plena consciência de como é difícil fazer isso com o serviço ao cliente, dimensionar empatia – e pegar essas lições e colocá-las em nosso produto, em nosso material de treinamento e torná-los parte do nosso DNA.

Como você lida com a inovação, com as novas soluções que surgem a cada dia? O que é inovação para você?

O tipo de inovação que mais me impressiona é aquela em que você alcança novas e melhores soluções para substituir o seu legado. Isso é uma coisa muito mais difícil de fazer do que inovar a partir de um ponto de partida limpo, zerado, mas quando você faz isso acontecer, é uma coisa maravilhosa.

Então, percebemos que Zendesk deve continuar a evoluir, parte por parte, à medida que novas tecnologias e mentalidades surjam. Se não o fizermos, vamos nos tornar irrelevantes – devagar e certamente – e isso não é para nós.

Qual foi a dificuldade tecnológica mais crítica/específica que vocês tiveram que superar? Você diria que é basicamente o mesmo para qualquer empresa de tecnologia?

Posso dizer que temos sido realmente bons em não resolver problemas específicos. Nós levamos isso muito longe usando apenas tecnologias existentes e comprovadas. Continuamos a ser muito pragmáticos nesse sentido.

No entanto, lidar com a tecnologia em escala, hoje, é muito diferente de quando começamos. Nós não tínhamos AWS, SendGrid ou muitos dos serviços que se unem para construir um produto SaaS moderno atualmente, por isso tivemos que construir e dimensionar tudo a partir do zero, da maneira mais difícil. Quando você começa uma empresa hoje, está em uma posição muito boa, do lado de fora, se você conseguir pensar o seu problema de uma forma onde você pode alavancar Amazon ou o Google para fornecer as soluções.

De que forma uma solução tecnológica pode fazer um trabalho humano, como atendimento e relacionamento com o cliente, sem perder o “toque humano”? É possível?

Acho que estamos no negócio de dimensionar e ampliar a empatia, de compreender um indivíduo e dar-lhe o que ele está procurando com o menor atrito possível. Isso é uma coisa difícil de dimensionar, ser um “advogado do cliente” é um trabalho duro. Com a tecnologia, podemos remover um monte de atrito na interação de serviços, podemos ser inteligentes sobre como oferecer suporte e temos soluções que nos permitem ajudar os nossos clientes a gerenciar problemas comuns de forma mais eficiente, mas se nós utilizarmos muita automatização, então não estaremos resolvendo o problema da maneira correta.

Eu acredito que é possível resolver o problema e ter o melhor dos dois mundos. Encontrar soluções criativas que trabalham com uma compreensão exata desses desafios é o que está no cerne de valores de engenharia da Zendesk.

O que de mais magnífico aconteceu na tecnologia nos últimos 15 anos?

A combinação de computação em nuvem e smartphones desbloqueou a informação e o poder de processamento do mundo para todos nós. Andamos por aí com supercomputadores em nossos bolsos, e o conhecimento combinado da humanidade disponível em nossas mãos.

No topo dessa plataforma, temos visto a mídia social chegar para nos conectar a todos. Estamos vendo novas tecnologias, como a aprendizagem de máquina, se tornarem acessíveis ao público em geral, e empresas ao redor do mundo estão construindo carros que não precisam de motoristas, o que mudará radicalmente a sociedade.

Tudo isso aconteceu em praticamente um piscar de olhos.

E o que podemos esperar para os próximos 15?

Como seres humanos, temos uma tendência a planejar o futuro com as informações que temos hoje. Essa é uma maneira muito linear de perceber o mundo, mas se olharmos para o passado recente, a nossa evolução tecnológica é claramente não apenas linear.

Nos próximos anos, teremos carros autodirigíveis. Teremos tecnologias de aprendizagem profunda (deep learning) disponíveis, o que nos permitirá construir inteligência artificial para não só resolver os problemas para os prestadores de serviços, mas também para representar os indivíduos – por exemplo, você poderia ter uma inteligência artificial em seu telefone e isso o representará em negociações com o seu banco ou quando você estiver chegando a uma empresa para um atendimento de suporte.

15 anos no futuro é muito tempo, mas, a julgar pelos 15 que passaram, estamos a caminho de viver super experiências.

Olhando para o futuro, que desafios você acha que vamos enfrentar na área de engenharia de software?

Eu acho que a demanda por talentos vai continuar subindo. Acredito que mais e mais pessoas vão perceber que há uma oportunidade para ser um empreendedor de tecnologia e irão aplicar isso para mudar o mundo. Por isso, vai ser ainda mais difícil para as empresas bem estabelecidas contratarem boas pessoas. Nós continuamos a enfrentar desafios em ter mulheres em ciência da computação e engenharia de software, e eu não acho que a indústria tem sido muito bem sucedida nesse sentido.

e conseguirmos que mais crianças, de ambos os sexos, se envolvam com tecnologia no início de suas vidas, e sejam encorajadas a aprender programação quando jovens, então temos uma chance de melhorar o número de pessoas que entram em tecnologia, e não menos importante, além de começar a melhorar a questão de gêneros.

Finalmente, se você pudesse voltar no tempo, que conselho você daria a si mesmo?

Quando você constrói uma empresa, o seu dia a dia de trabalho é identificar a maior ameaça para o seu sucesso e, em seguida, se livrar dela. Uma vez feito isso, você passa para a próxima. Isso vai ser o caminho de sua vida por um longo tempo, e se tudo que você perceber no seu dia a dia forem problemas, então você provavelmente não vai notar se é bem sucedido. Lembre-se de dar um passo para trás de vez em quando e ter uma noção de onde você está. Lembre-se de celebrar enquanto estiver nesta viagem de uma vida e, em seguida, voltar ao trabalho.

***

Artigo publicado originalmente na Revista iMasters.