Agile

27 jul, 2016

O fracasso e a comunidade ágil: uma lição a ser lembrada

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Transparência é maravilhoso… até ser sobre você

Um dos principais valores do Ágil é a transparência, o que é maravilhoso – até você descobrir que você também terá que ser extremamente honesto sobre seus erros e defeitos.

Acredito que este seja o maior motivo para estarmos sempre repetindo que fazer Ágil requer coragem. Sim, é necessário coragem para enfrentar uma organização que falha em perceber como sua burocracia e foco excessivo em processos, em vez de pessoas, está causando mal. Sim, é necessário coragem para enfrentar seu chefe ou seu cliente e dizer que eles têm que parar de te dizer o que fazer e passar a te dizer o que eles precisam para que você possa prover a eles a melhor solução que você puder.

No entanto, nada se compara à coragem que você precisa ter para se olhar no espelho e, de peito aberto, aceitar a melhoria contínua, inspeção e adaptação e a sensação sobrenatural de que você fracassou e que vai continuar a fracassar.

Fracasso, o filme de terror

Nós dizemos que somos humanos, e que humanos cometem erros, mas raramente nos sentimos desta forma. No debate da natureza versus criação, acredito que parte da forma como agimos é de consequência biológica, parte é cultural e parte é educacional. Nossa socialização permite que nos autodefinamos por meio de nossas vitórias, o que é ótimo – se você não errar nunca. Sem isso, ela se torna uma armadilha extremamente complexa e montada por nós para nós mesmos. Não simplesmente desgostamos do fracasso. Temos real aversão a ele, porque ele passa a nos definir.

Vale considerar que sofro de ansiedade, e sou uma introvertida muito tagarela que aprendeu a soar como uma pessoa bastante segura do que fala. Isso faz com que as pessoas tenham enorme dificuldade de enxergar através desta defesa e perceber o quão baixa é minha autoestima. Este ano, palestrei pela primeira vez no Rio Scrum Gathering, falando sobre implantação de Ágil e como gerar a mudança de cultura.

Palestre no evento, eles disseram. Vai ser legal, eles disseram…

Depois de preparar a apresentação com meu parceiro durante um período bem estressante (por motivos totalmente não-relacionados), decidimos usar uma abordagem desenhada para tirar os ouvintes de suas zonas de conforto. Eles sabiam que falaríamos de pessoas e de como promover mudança de cultura, o que geralmente inclui frases motivacionais, balões coloridos e vídeos de coelhinhos. Fomos na contramão e miramos onde doía, explorando o incômodo aspecto do assédio como algo que vivenciamos em ambos os lados: o do abusado, mas também o do abusador.

Nosso principal objetivo era fazer com que as pessoas parassem de esperar que a mudança de cultura fosse feita para elas, sendo a iniciativa tomada pela organização ou por alguém com poder. É verdade que decisões top-down ajudam muito na mudança de processos e no incentivo à adoção de frameworks, mas a mudança de cultura é algo muito mais visceral. Ela vem de dentro. Ela começa em cada um de nós.

Aparentemente as pessoas não gostam de ser vilãs na história… Quem diria?

Eu tive um amigo maravilhoso que faleceu devido a um câncer no cérebro (minha teoria até hoje é que ele deu overclock no dito) que dizia que ninguém é o vilão de sua própria história. Adoro essa máxima porque ela me ajuda a alcançar empatia mesmo quando não estou muito inclinada a fazê-lo. Durante a palestra eu consegui escutar algumas pessoas gargalhando, ver algumas pessoas concordando com a cabeça, então pensei que estávamos indo bem. Longe de ser perfeito, mas sim, a mensagem está sendo passada.

Várias pessoas nos procuraram depois da palestra e no dia seguinte, contando sobre seus casos, buscando conselhos ou apenas alguém que dissesse que elas não estavam malucas, e a sensação de poder ajudar foi maravilhosa.

Métricas trazem humildade

Eu detesto lidar com números, apesar de haver quem diga que eu faço isso bem (eu discordo). Todavia, sou absolutamente obcecada com resultados, e eles são muito difíceis de interpretar sem números. Por isso eu vou, eu verifico, e eu sempre busco ter métricas em tudo que eu faço. Lá estava eu, pensando “então… é, tem muita coisa para melhorar, mas fomos bem”. E saí para procurar o feedback da nossa palestra, que é medido por quantas fichas são colocadas pelos participantes em um pote verde, um amarelo ou um vermelho.

A resposta me trouxe humildade. 93 pessoas estiveram na palestra. 48 gostaram (verde), 41 acharam meh (amarelo) e 4 não gostaram (vermelho). Eu entendo que há razões muito justas para não terem gostado. Talvez porque não apresentamos bem, ou o tema não era tão interessante para a pessoa, ou porque falhamos miseravelmente em controlar o tempo (o que é verdade). Mas o que realmente me incomodou foi a quantidade de pessoas que acharam meh.

Eu queria encontrar cada um dos 41 indivíduos e perguntar “o que eu poderia ter feito melhor? Como eu posso me aprimorar?”. Mas eu não podia fazer isso. Fiquei bem chateada, com a sensação de ter falhado com pessoas que eu poderia ter encantado. Se eu tivesse começado a mexer na apresentação mais cedo, se eu tivesse ensaiado mais (ou ensaiado, ponto), se eu não tivesse seguido uma abordagem tão provocadora, ou se eu simplesmente tivesse controlado minha ansiedade e calado a boca em alguns pontos… Não saber o que teria feito a diferença era o que estava acabando comigo.

Elefantes e melhoria contínua

Eu tenho uma memória muito boa para fatos e eventos e isso se aplica em particular quando é um caso de fracasso. Eu me apego àquela experiência, e sempre foi assim, com períodos de depressão e auto-desmerecimento que voltam de tempos em tempos. Todavia, lembrar-se constantemente dos fracassos também significa que eles incomodam você, e que você pode fazer algo sobre eles. Você aprende a dizer “não cometerei o mesmo erro novamente” e tenta, ao menos, inovar em seus desastres pessoais.

Ser um elefante e lembrar de coisas que a maioria das pessoas não lembra empodera você para, no mínimo, encontrar novos erros a cometer. E adivinha? Fracassar mais cedo para fracassar menos é um degrau para pivotar e encontrar aquilo que funciona.

Encontrando o agilista em você

Esta é uma das principais razões pelas quais me considero uma agilista desde sempre, que apenas descobriu que essas práticas tinham nomes e frameworks há não muito tempo. E eu não acho que sou um unicórnio. Acredito que, lá no fundo, a maioria das pessoas compartilha esta sensação de que algo não está certo, que as coisas podiam ser diferentes, podiam ser melhores. NÓS podíamos ser melhores.

É por isso que tememos o fracasso. Porque ele nos força a encontrar coragem para fazer algo sobre o assunto, e rejeitar uma existência medíocre. Ele nos habilita, nos empodera. É por isso que somos agilistas. É por isso que buscamos o infinito.