Com mais de uma década de existência no mercado nacional, o comércio
eletrônico vai aos poucos estabelecendo seus próprios padrões
operacionais. Em seus primeiros anos, o comércio eletrônico tomou
emprestado o modelo funcional do varejo. Todavia, o acentuado aumento do
nível de atividades (crescimento de mais de 30%) forçou mudanças
profundas em quase todos os processos fundamentais. Hoje, pode-se
afirmar que o comércio eletrônico das grandes lojas tem um modelo
operacional próprio (inclusive, fazendo uso de modelos industriais).
Este artigo tem por objetivo comprovar a afirmação anterior tomando
como base a gestão de armazém (software conhecido com a sigla WMS), ou,
no sentido mais amplo, a logística interna. Para não ser exaustivo nem
excessivamente técnico, consideramos apenas os diferenciais mais
significativos.
1. Exigências de mercado
O comércio eletrônico caracteriza-se pela rapidez e precisão do atendimento dos pedidos.
A rapidez
Quanto menor for o tempo de entrega prometido, mais atraente será a
oferta. O único componente do prazo de entrega controlado pela loja é o
de fulfillment do pedido, logo, ele se constitui num dos fatores
comercialmente mais importantes. Isso requer conhecimento da capacidade
produtiva e controle operacional do armazém.
Os lamentáveis atrasos de entrega ocorridos no Natal de 2010 mostram a
grande dificuldade em harmonizar as vendas com a capacidade de
atendimento – enquanto as vendas podem ser facilmente manipuladas por
instrumentos da política comercial, o aumento da capacidade de
atendimento do armazém depende de componentes físicos cujo tempo de
resposta ao aumento da demanda é muito mais lento.
A precisão
O nível de precisão do atendimento físico do pedido é diretamente
proporcional ao preço da punição pelo erro cometido: atraso na entrega
com possível perda da venda, perda de imagem (investimento em marketing)
e pagamento em dobro do frete.
O fato de o comércio eletrônico atender o consumidor final exige uma
logística interna dotada de padrões de qualidade muito mais elevados do
que os preexistentes orientados para abastecer lojas ou atender o
atacado.
2. Acompanhamento do processo logístico
Quais volumes e características singularizam a logística interna do
comércio eletrônico? Seguem os mais importantes: grande variedade de
itens (mais de 200.000 itens com estoque), enorme quantidade diária de
pedidos a atender (mais de 30.000 por dia), separação por unidade,
poucos itens por pedido (90% com até dois itens) e mão de obra mais
intensiva (disso deriva a importância de constantes revisões dos
processos).
O elevado nível de atividade exige um enfoque administrativo similar
ao usado na indústria: planejamento, programação e controle da produção.
Todas as atividades dos principais subprocessos (ressuprimento,
separação e expedição) são realizadas por meio de ordens de serviço.
Elas permitem o completo acompanhamento dos programas de produção
(particular seleção de pedidos a expedir conjuntamente), do desempenho
dos operadores e uso dos equipamentos. Considerando a criticidade do
processo, é fundamental que cada pedido seja acompanhado individualmente
em todas as atividades de seu atendimento permitindo ações rápidas em
caso de interrupção, seja ela voluntária (cancelamento do pedido pelo
cliente) ou não (unidade avariada ou faltante, desbalanceamento de carga
etc.)
3. A logística interna e o planejamento de comercial
Uma das grandes vantagens do comércio eletrônico é grande
elasticidade do investimento comercial (capital de giro, propaganda,
descontos etc.) – um percentual de aumento no investimento comercial
resulta num percentual bem superior em termos quantitativos afetando
direta e rapidamente a logística.
Se esta é sua grande vantagem, também é seu grande perigo: o fator
limitante é a capacidade de entrega envolvendo a logística interna
(gestão do armazém) e a externa (transporte), portanto, com muito menos
restrições ao crescimento do que o varejo tradicional.
Dado que o processo como um todo esteja amadurecido (software da loja
e do atendimento físico, gestão de armazém, gestão de transporte e
atendimento ao cliente), tal como se observa nas grandes lojas, ele
passa a ser um engenho de vendas, praticamente, independente de
categorias e volumes.
Isto explica a inexorável tendência ao crescimento da variedade e
diversidade de itens e obriga que o planejamento de vendas esteja em
conformidade com o logístico, o que, infelizmente, quase nunca acontece.
4. Itens
Poucos sabem que armazéns de grandes redes de supermercado abrigam
até 10 vezes menos itens dos armazéns grandes lojas virtuais. Para
piorar, a quantidade média em estoque dos itens do comércio eletrônico é
baixa e os itens são efêmeros (sem histórico de vendas).
Este fato tem consequências físicas dramáticas:
- O recebimento é muito mais intenso, muitos fornecedores, portanto, muitas entregas em pequenas quantidades.
- A armazenagem, na prática, exige a misturar unidades de diferentes
itens na mesma posição de estoque dificultando todas as operações
subsequentes, escassez crônica de posições de picking, aquelas ao
alcance das mãos. - Poucos itens populares, aqueles que fazem parte da maioria dos pedidos facilitando a separação.
- A unitização, reunião de unidades de um mesmo item para facilitar a
movimentação, é muito desfavorável à produtividade visto que o lote de
recebimento é pequeno e a demanda é por unidade. - O aumento da área de armazenagem implicando a extensão da trajetória dos estoquistas e pickers, etc.
Tais problemas tendem a se agravar com a concentração das lojas como
decorrência dos ganhos de escala e exigem apoio sistêmico crescente
(WMS) e de alta sofisticação. Caso isto não seja planejado, o aumento do
custo operacional marginal irá impor esta pauta.
5. As linhas de check-out
Atender o cliente final significa entregar a mercadoria do jeito que o
cliente solicitou. Isto implica uma série de atividades em conjunção
com a conferência e a emissão do Danfe (NFe) : empacotar as mercadorias,
embalagem para presente, cartão de felicitação, indicativo externo para
quem se dirige o presente, contrato de garantia estendida etc.
Este conjunto de atividades que antecede a formação da carga é típico do comércio eletrônico e demanda muita mão de obra.
Durante sete anos, as grandes redes de lojas físicas discutiram
internamente a respeito da independência da logística do comércio
eletrônico (atendimento do cliente final) em relação à logística
corporativa (abastecimento de lojas). Os argumentos acima demoraram a
serem aceitos. As redes que, tendo comércio eletrônico, foram mais
refratárias foram aquelas de crescimento mais lento.