DevSecOps

16 fev, 2007

Ócio como combustível para a inovação

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Quando nos lembramos do grande Charlie Chaplin, no filme “Tempos Modernos”, imaginamos uma indústria que não pára, onde os empregados trabalham arduamente do momento que chegam até a hora da saída e onde também as máquinas não podem passar um segundo paradas. Elas devem cuspir produtos o tempo todo, pois assim estarão trabalhando no máximo de sua eficiência, sem que tempo nenhum seja perdido.

E até pouco tempo atrás, a indústria pensava exatamente isso. A melhor indústria é aquela que consegue o maior nível de eficiência, quanto menos tempo os empregados ou as máquinas passarem sem produzir, mais tempo eles vão produzir e consequentemente mais vai ser produzido. Ou era assim que eles esperavam que acontecesse.

Na realidade, quando uma indústria atinge o nível de eficiência em que praticamente todo o tempo que existe é utilizado simplesmente para produzir, ela está entrando em uma fase perigosa da sua existência, a fase em que ela não é mais capaz de inovar, criar, reinventar a si mesma. A empresa chegou a um momento no qual ela tornou-se simplesmente incapaz de mudar.

Pressão na direção errada?

Como toda a pressão existente está sendo direcionada para fazer com que as pessoas produzam mais e em menos tempo aqueles produtos que já haviam sido desenvolvidos, o investimento e a busca por novos produtos ou opções fica estagnada. As pessoas não têm mais tempo para pensar sobre o que estão fazendo, sobre como melhorar o seu trabalho ou sobre qualquer outra coisa. São impelidos pelos seus superiores a simplesmente fazer o que lhes é mandado, da forma que já é conhecida e conforme o cronograma que foi definido.

Em um mundo que também é estático, onde as necessidades não estão em constante mudança, uma empresa nessa fase de sua existência vai atingir níveis de prosperidade nunca vistos, já que ela produz com o máximo de eficiência aquilo que é necessário para o mercado. Infelizmente, o nosso mundo não é estático, e as idas e vindas do mercado são tão comuns quanto o vai-vem das ondas do mar. E é em um momento de mudança que a empresa “estática” vai enfrentar a sua maior dificuldade, responder rapidamente aos requisitos alterados do seu mercado.

Eficiência como inimiga da evolução

Segundo Tom DeMarco, em seu livro “Slack”:

“It’s possible to make an organization more efficient without making it better. That’s what happens when you drive out slack. It’s also possible to make an organization a litle less efficient and improve it enomously. In order to do that, you need to reintroduce enought slack to allow the organization to breathe, to reinvent itself, and to make necessary change.”

Slack, ou “ócio”, em uma tradução livre, é o que faz com que uma empresa possa evoluir naturalmente no seu espaço. E nós não precisamos nem ir muito longe para perceber o quanto isso é importante no desenvolvimento de novas idéias e na criação de novos mercados. O Orkut, site de relacionamentos desenvolvido no “tempo livre” de um dos empregados do Google, é uma das grandes redes de relacionamento do planeta e a mais utilizada no Brasil. Ele utilizou o seu tempo “ocioso” para desenvolver novas idéias, criar um novo produto que tomou proporções absurdas dentro da empresa na qual ele trabalha.

Em muitos casos, atingir a eficiência total de um recurso não é a melhor maneira de utilizá-lo. Vejamos a utilização de uma rodovia. Se nós fossemos utilizá-la até o seu máximo de eficiência, com carros cobrindo toda a sua extensão, ela seria praticamente inútil, já que viveríamos em um eterno engarrafamento, com carros andando devagar e muitos motoristas estressados. A melhor utilização das rodovias acontece quando existe espaço suficiente para que os carros possam andar em alta velocidade e ultrapassar outros veículos, ou seja, quando existe capacidade ociosa.

Ocupando demais a equipe

Imagine que você tem uma equipe de designers de sistemas. A cada vez que você desenvolve um sistema, você coloca esses designers para aplicar sobre a estrutura básica um design específico para cada cliente da empresa. Você chega na equipe de design e vê que eles passam um bom tempo navegando na internet, olhando um site ou outro, nos tempos livres que eles tem entre a criação e aplicação de designs.

Pensando um pouco no assunto, se eles estão com tempo livre, não estão sendo eficientes ao máximo, temos que começar a aproveitar melhor o tempo deles para que não sobre nenhum tempo livre. Você olha o histórico de tempo necessário para fazer um design e começa a calcular o quanto de tempo livre eles tem e como você vai poder ocupar esse tempo de forma produtiva.

Primeiro, tem muita gente na equipe, você começa por realocar ou simplesmente demitir um dos membros da equipe. Vai ser um recurso a menos que não vai fazer diferença, não estava produzindo no seu máximo. Agora, com uma pessoa a menos, a equipe de design foi otimizada, está trabalhando no máximo da sua eficiência, tanto que está até começando a se montar uma fila de trabalho para a equipe.

Em pouco tempo, os designs começaram a não agradar mais os clientes, eles reclamam da falta de personalidade, de imagens de baixa qualidade ou até mesmo de erros corriqueiros que estão passando despercebidos. Você estranha, isso nunca havia acontecido com a equipe de design, pelo contrário, eles sempre haviam sido vistos como uma das melhores equipes da empresa.

Mas então, o que foi que aconteceu?

Quando foi planejado o aumento de eficiência da equipe de design removendo o tempo livre que eles tinham, na verdade foi removido o tempo que eles tinham para conhecer novas técnicas de design, descobrir e adicionar novas imagens ao catálogo interno de fotos, discutir entre a própria equipe sobre o que estava sendo produzido e a reavaliação que acontecia no fim da iteração de desenvolvimento de design, para validar se tudo realmente estava correto.

Mas não foi apenas isso, a equipe viu, pela primeira vez, uma pilha de trabalho atrasado se amontoando em suas mesas. A equipe de desenvolvimento continuava produzindo freneticamente o seu produto, mas a equipe de design não conseguia mais acompanhar o ritmo e isso foi frustrando os seus membros ao ponto em que eles simplesmente começaram a liberar os produtos mais rápido só que com menos qualidade para não ter que aguentar a pressão da gerência pelo atraso na entrega dos artefatos.

Então, procuramos aumentar a eficiência da produção e acabamos criando um gargalo que vai é diminuir drasticamente a produtividade do processo de desenvolvimento como um todo.

Respondendo a mudanças

Em uma empresa de desenvolvimento de software esse estado de estática é ainda mais perigoso por causa da natureza volátil do mercado e da tecnologia. Rapidamente, oportunidades e ferramentas tornam-se obsoletas, e a empresa tem que estar pronta para mover-se nas novas direções que forem ditadas pelo mercado.

Uma empresa onde a eficiência vem antes da evolução, vai sofrer um baque grande quando acontecer uma mudança no mercado na qual ela está inserida, pois ela vai ter que correr atrás de todo o tempo que foi perdido desde a última vez que conseguiu se reinventar.

Introduzir um pouco de ócio no processo de desenvolvimento vai enxertar uma nova vida na equipe de desenvolvimento. Eles vão ter mais tempo para conhecer novas ferramentas, manterem-se atualizados nas mudanças que estão acontecendo e nas tendências que o mercado está apresentando.

Essa evolução constante vai terminar se refletindo no aumento da produtividade graças a um entendimento melhor do trabalho que precisa ser feito e de uma melhor utilização das ferramentas que estão à disposição, já que eles agora tem tempo para conhecer as novidades que estão surgindo, em vez de manterem-se sempre repetindo o que já foi feito milhares de vezes e do mesmo jeito por não conhecer nenhuma maneira melhor de resolver o problema.

Com uma equipe de desenvolvimento antenada no que está acontecendo, você, garantidamente, vai ultrapassar os resultados que poderia obter com a aplicação da eficiência bruta, sem a preocupação de dar passos a frente, pois os membros da equipe vão ter tempo para pensar sobre o que eles estão fazendo e como eles podem melhorar o seu trabalho para executa-lo mais rápido ou de forma a gerar ganhos maiores.

As pessoas, assim como as empresas, precisam se reinventar, mas pra isso elas precisam de espaço para crescer. Se nós não colocamos os nossos servidores pra funcionar sempre em sua capacidade máxima, por que, então, achamos que podemos fazer isso com as pessoas?

As vezes as respostas para os problemas estão tão próximos, que não conseguimos enxergar.

Citando mais uma vez DeMarco em “Slack”:

“Slack at all levels is necessary to make the organization work effectively and to grow. It is the lubricant of change. Good companies excel in the creative use of slack. And bad ones can only obsses about removing it.”DeMarco