Antes de iniciar este texto, eu gostaria de dizer uma coisa:
eu não odeio os Callcenters. Antes que alguém questione a minha sanidade mental,
preciso esclarecer que, o que eu realmente detesto, é a forma com a qual os
Callcenters têm sido implementados e utilizados atualmente, e não a idéia em si
mesma.
Creio que parte dos motivos que me levam a absolver o
Callcenter estão relacionados ao fato de achar que a idéia de manter postos de
trabalho dedicados ao atendimento ao cliente parece realmente ser boa. Porém,
ao saber que do outro lado da linha está um profissional estressado, mal
preparado e mal pago, só aumenta o meu descontentamento sobre a forma com a
qual as empresas estão utilizando o atendimento via telefone.
Há algum tempo atrás, fui convidado para ir a um evento que
falava sobre “Soluções de CRM”, promovido por uma das principais empresas do
ramo no Brasil que, por razões óbvias, não citarei o nome. Apenas para lembrar
(não apenas a nós todos, mas a essa empresa também), a sigla CRM significa “Customer
Relationship Management”, ou seja, diz respeito ao gerenciamento do
relacionamento com o cliente.
Voltando ao evento, posso dizer que foi um divisor de águas
para mim, o principal motivo que me fez pesquisar o tema “relacionamento com o
cliente” de forma mais aprofundada. Enfim, na data e local combinados, fui a um
hotel muito chique, onde estavam presentes empresários dos mais diversos ramos
e, até aquele momento, achei que tudo seria ótimo. Porém, quando começarem as
palestras, tudo mudou. Passei cerca de 3 horas ouvindo um dos maiores absurdos
sobre CRM, mas que infelizmente vejo ser algo comum no mercado: eles estavam
vendendo CRM como o “Santo Graal” para a gestão de Callcenters e Cartões
Fidelidade, e ponto final. Bem, não é preciso ser nenhum especialista na área
para, de imediato, perceber que para realizar um efetivo relacionamento com o
cliente é necessário muito mais do que simplesmente garantir um atendimento por
telefone, ou disponibilizar um cartão de recompensas.
Sobre o Callcenter em si, vou primeiro dizer por que ele
pode ser algo benéfico para uma empresa, desde que o mesmo não seja considerado
uma solução estanque, milagrosa e suficiente em si mesma. Para que eu possa ser
compreendido, peço ao leitor que se liberte da atual idéia de atendimento que é
recebido quando se faz uma ligação para qualquer “0800” (por favor, não
desconte a sua raiva no computador). Após essa “desintoxicação”, vale a pena
rever algumas idéias sobre o tema.
Callcenter, em tradução livre, pode ser chamado de “centro
de chamadas”, ou ainda “centro de ligações telefônicas”. A partir dessa
definição, nota-se uma boa idéia, que é concentrar todos os contatos por
telefone do cliente com a empresa em um único local. Em tese, essa seria uma
boa forma de filtrar os contatos, de forma que a maior parte das questões pudesse
ser resolvida remotamente, ou encaminhada para uma outra modalidade de
atendimento, e tudo isso de forma rápida. Ou seja, a princípio, deveria ser
algo que representasse comodidade para o cliente.
Um Callcenter é composto de diversos profissionais chamados
de “operadores de telemarketing”. Também em tradução livre, a expressão
telemarketing pode ser entendida como “comércio via telefone”, entendendo-se a
palavra comércio no seu sentido mais amplo. Há duas formas básicas de se
realizar telemarketing: a forma ativa e a forma passiva. Antes que alguém pense
bobagem, o telemarketing ativo é aquele que ocorre quando a empresa entra em
contato com o cliente, enquanto o passivo (ou receptivo) é aquele que ocorre
quando o cliente entra em contato com a empresa. Assim, podemos concluir que
operador (ou operadora) de telemarketing é um elemento chave no sucesso de um
Callcenter.
Como todos nós somos clientes de alguma empresa, também
procuramos aquelas que, além de oferecer bons produtos ou serviços, prestam um
bom atendimento. Independentemente de quem entra em contato primeiro (cliente
ou empresa), e da forma de contato, a empresa deve prestar o melhor atendimento
possível, dando respostas rápidas e solucionando eventuais problemas dos
clientes.
Para que seja prestado um bom atendimento, é fundamental que
a empresa tenha profissionais capacitados e, no mínimo, satisfeitos com a sua
função. Isso pressupõe que a empresa busque tratar seus funcionários da mesma
forma que desejar tratar seus clientes. Isso passa por remuneração justa,
capacitação, bom clima de trabalho, entre outros fatores de valorização pessoal
que fazem parte das boas práticas de gestão de pessoas.
Apesar de serem fundamentais, os fatores de valorização
pessoal citados acima sozinhos não são suficientes para garantir um bom
atendimento ao cliente. Há uma outra expressão a ser lembrada: autonomia. De
acordo com o dicionário Houaiss, quando aplicada à área da administração,
autonomia significa o “direito de se administrar livremente, dentro de uma
organização mais vasta, regida por um poder central”. Nota-se que a parte que
diz “regida por um poder central” mostra que, pelo bem da palavra
“organização”, autonomia também deve ser algo relativo.
Uma história ilustra a importância do operador de
telemarketing, e como a autonomia pode representar algo fundamental para um bom
atendimento. Na biografia do falecido Comandante Rolim Amaro, fundador da
empresa área TAM (ai que saudade das épocas dele…), há uma história muito
interessante sobre um bom atendimento, com autonomia. Vou resumir a história.
Havia um cliente (uma indústria) que estava aguardando uma carga importante, uma
peça para determinado equipamento. Porém, ocorreu algum problema na logística
da TAM que fez com que a carga não fosse entregue no prazo combinado.
Imediatamente, o cliente ligou reclamando para o Callcenter da TAM. A
atendente, ao atendê-lo, verificou a ocorrência do problema e, percebendo a
necessidade do cliente, imediatamente acionou uma outra aeronave e providenciou
o envio da carga. Obviamente, esta carga especificamente gerou prejuízo para a TAM,
porém o cliente se mostrou extremamente satisfeito com a presteza e rápida
solução do seu problema.
Se nos colocarmos no lugar desse cliente, certamente veríamos
que fomos atendidos por uma empresa que preza pelo bom atendimento. Claro que
seria muito melhor se a carga tivesse chegado ao seu destino no prazo, mas
diante de um problema, a empresa não se eximiu da sua responsabilidade e
procurou da forma mais rápida possível solucioná-lo. E o mais interessante: quem
resolveu o problema foi uma atendente de callcenter, com autonomia para tal.
Aliás, diz a lenda que o Cmte. Rolim ficou sabendo da história na época e quis
saber imediatamente quem tinha feito “aquilo”. Apareceu no callcenter no meio
do expediente de trabalho e chamou a moça que, naquela altura, imaginou que seria
sumariamente demitida. Muito pelo contrário, o comandante expressou
publicamente que aquela foi uma atitude que ele sempre gostaria de ver na sua
empresa. A mesma lenda também diz que ele prometeu um aumento de salário para a
moça, que nunca veio…
Além de profissionais valorizados, capacitados e com
autonomia, a tecnologia também tem o seu lugar no Callcenter. Aqui os sistemas
de CRM exercem grande importância. De nada adianta que o atendente tenha todas
as características descritas acima, se ele não tiver acesso às informações
necessárias para realizar o correto atendimento, ou se não consegue dar
encaminhamento a eventuais demandas. Portanto, a empresa precisa também fazer a
sua lição de casa neste ponto.
Bem, depois de todas essas informações, podemos tirar
algumas conclusões:
- Callcenter
é algo bom, se for considerada uma ferramenta estratégica, integrada à
estrutura e aos processos da organização; - O
Callcenter não dever ser o único ponto de contato com o cliente, mas mais
uma opção de contato para o cliente. Portanto, ele não deve substituir os demais
pontos de atendimento da empresa, sejam eles presenciais, ou remotos; - Para
que o atendimento seja bem executado, é fundamental que a empresa possa
contar com pessoas capacitadas e valorizadas, que tenham boa vontade,
competência e autonomia para exercer as funções que lhe foram delegadas; - A
tecnologia é parceira indispensável do atendimento em Callcenter, sendo
indispensável um bom sistema de CRM.
A partir das conclusões acima, podemos ver como seria o
“mundo ideal” em termos de Callcenter. Porém, a realidade não é bem assim. Vamos
ver agora porque eu detesto (e provavelmente você também) a forma com a qual os
Callcenter estão sendo utilizados no Brasil e em tantos outros países.
Primeiro, Callcenter é uma solução que vem sendo utilizada como
forma de substituir o atendimento presencial, pelo simples fato que representa uma
redução significativa nos custos de atendimento aos clientes. O problema é que,
quando o enfoque principal é apenas a redução de custos, normalmente a qualidade
no atendimento ao cliente fica em segundo plano, o que é algo no mínimo
irresponsável. O motivo é simples: a empresa está prejudicando o seu maior
ativo, o cliente.
O fenômeno de terceirização de Callcenter elimina toda e
qualquer possibilidade de autonomia de decisão, pois os operadores são
obrigados a seguir um rígido roteiro que poderia ser executado por qualquer
máquina. Outro ponto é que a grande maioria dos operadores de telemarketing
nunca sequer esteve na empresa para a qual estão trabalhando. E, para finalizar
a receita problemática, os salários pagos pelos Callcenters são baixíssimos, e
as jornadas exigidas são altas. Isso tudo, sem falar no gerundismo, assunto que
“vamos estar abordando” em uma próxima oportunidade.
Por fim, o telemarketing ativo também representa um
grande problema. É difícil encontrar uma pessoa que não tenha recebido um
telefonema desses nas piores horas possíveis, com um atendente sem preparo
tentando vender aquilo que você não quer. Neste caso, os próprios profissionais
“dos bastidores dos Callcenters” demonstram estar longe dos clientes. A venda e
a comunicação por telefone pode representar algo relevante para o cliente, mas
antes de invadir a privacidade dele seria importante fazer no mínimo uma
correta segmentação, para determinar um público-alvo mais preciso, bem como
escolher horários mais adequados. O engraçado é que apenas raras empresas se
utilizam do telemarketing ativo para entrar em contato com o cliente para
verificar seu índice de satisfação, para oferecer alguma real vantagem, ou
ainda para comunicar o estado do andamento de alguma pendência.
Com isso, concordo com o texto de Diogo Salles, no artigo “Telemarketing,
o anti-marketing dos idiotas“: “…o telemarketing se consolidou como
uma das maiores anomalias do mundo corporativo. É fruto legítimo do casamento
entre o despreparo dos operadores com o desrespeito das empresas frente ao
consumidor”. Afirmações como esta justificam o sentimento geral de
insatisfação dos clientes com esse tipo de atendimento.
Diante dessa
realidade, o que nos aguarda no futuro? A tendência é que os Callcenters venham
a concentrar não apenas ligações telefônicas, mas também contatos via internet
por texto (chat), voz e/ou vídeo, além de mensagens via telefone
celular. Em um primeiro olhar, pode-se perceber uma grande oportunidade para
que as empresas se relacionem de forma melhor com os seus clientes, pois haverá
mais meios de comunicação. Apesar disso, a tendência não é das melhores, pois
as empresas andam se esquecendo do cliente. Assim, dependerá de cada um de nós uma
mudança nesse panorama: quando formos clientes, devemos exigir e reclamar um
bom atendimento, trocando de fornecedores que não nos atendem de forma adequada;
quando formos profissionais, devemos buscar o melhor atendimento possível ao
cliente. Com isso, todos nós ganharemos.