Estou atuando em TI há quase 40 anos… Bastante tempo! Ao longo deste tempo vivenciei muitas transformações, como a passagem do modelo centralizado em mainframes para o cliente-servidor, quando ouvia muitos gerentes de CPD afirmarem que não iriam colocar seus sistemas nestes “eletrodomésticos”, como chamavam os pequenos servidores que começavam a aparecer. Interessante que o uso de PCs nas empresas foi o primeiro indício de que os usuários queriam mais liberdade. Em muitas empresas, o uso dos PCs não foi liderado pela área de TI. Convivi com muitos gestores de TI que eram radicalmente contra estas máquinas. Hoje o modelo cliente-servidor é o nosso paradigma de arquitetura de sistemas… Ou era, até a computação em nuvem.
Vi surgir o comércio eletrônico e lembro que o ícone deste modelo, a Amazon, fez apenas 20 anos de vida em julho de 2014. As dúvidas e questionamentos eram enormes. Será seguro passar meu cartão de credito para um site de vendas online? Será que se vende algo além de livros? Sapatos? Nunca alguém irá comprar sapatos sem experimentar antes! Felizmente, o pessoal do Netshoes não ouviu isso. Hoje a web faz parte da nossa vida cotidiana e o próprio Google se tornou verbo: googlar.
As ondas de transformação surgiam no horizonte, causavam impactos, afetavam a estrutura dos negócios e eventualmente modificavam a TI. Felizmente, entre uma onda e outra havia um determinado espaço de tempo. Mas atualmente estamos convivendo com um verdadeiro maremoto de mudanças, com várias e gigantescas ondas tecnológicas surgindo ao mesmo tempo. Cloud computing, mobilidade, big data e analytics, social business, Internet of things (ioT), computação cognitiva, impressoras 3D… Todas com impacto dramático e o somatório acumulado delas provoca um efeito mais devastador que um tsunami. Podem reinventar negócios, ou até fazer outros sumirem do mapa.
Na minha vida profissional nunca vivenciei tantas e tão profundas mudanças em tão curto espaço de tempo. Não são mudanças incrementais, mas mudanças trasformacionais, de ruptura com os modelos atuais, que modificam setores de indústria e consequentemente suas TI. Novos negócios surgem e atacam corporações solidamente estabelecidas que se acreditavam a salvo das transformações digitais. Leiam o impacto do AirBnB na indústria hoteleira neste texto do Financial Times. Para entender o alcance destas mudanças, recomendo ler também o artigo de Michael Porter, na Harvard Business Review, mostrando como IoT vai transformar a economia e o status da competição atual.
A consequência destas mudanças é que as áreas de TI, construídas e diligentemente gerenciadas para operar no mundo de antes do surgimento destas ondas tecnológicas e suas rupturas, não atende mais às necessidades de mudanças do mundo atual. Para o CIO é também um momento de decisão. O perfil e atividades que exercia serão ainda as mesmas que se espera daqui para a frente? Bem, antecipo que a resposta é um sonoro não. Então, o que e como fazer para cruzar a ponte?
Olhemos o cenário diante de nós: uma força de trabalho composta de membros da chamada geração digital, que aumenta a cada dia. Entram nas empresas tanto para atuar em TI, como nas áreas usuárias ou mesmo como clientes. Seus hábitos e usos de tecnologia são diferentes da geração analógica. Competidores surgem de onde menos se espera. O modelo de olhar a competição apenas analisando seus competidores atuais não é mais adequado.. Alguém do setor de táxis esperava o surgimento de apps como EasyTaxi e o Uber? Alguém da indústria de telecomunicações esperava que seu rentável negócio de SMS fosse corroído pelos apps de mensagens como WhatsApp? Os setores de indústria perdem as fronteiras que as delimitavam, com o fenômeno cross-industry se tornando cada vez mais comum. O fornecedor de antes agora também é concorrente. O mercado e os clientes passam a ditar o uso da tecnologia. A consumerização é um fenômeno que vai permanecer; não é modismo. Quem ficar para trás nesta transformação digital, onde a tecnologia está ou será inserida em todos os processos e provavelmente em todos os produtos, vai perder espaço de mercado e corre o risco de desparecer ou perder sua relevância no mercado.
Este processo de rápida transformação, que, acredito eu, será um processo contínuo, coloca sob pressão os CEOs, CMOs, CIOs e demais C-levels da corporações. Como manter base de clientes, crescer a empresa, transformar processos e eventualmente modelos de negócios, enfrentar concorrentes que há um ano atrás não estavam na tela do radar e a entrada de novas tecnologias que já estão nas mãos dos clientes? E ao mesmo tempo manter as margens e lucratividade?
Vamos nos concentrar no desafio dos CIOs. Seu papel até hoje tem sido de instituir e manter processos de governança, controle de custos e desenvolver complexos sistemas corporativos. Mas cada vez mais eles sentem a pressão para uso intenso da mobilidade, conhecer melhor seus clientes e da tecnologia embarcada em seus próprios produtos. Lidam com volumes cada vez maiores de dados e precisam responder a demandas cada vez mais urgentes. Tempo real está passando a ser quase uma obrigação e paradigma de aplicações. Ao mesmo tempo em que enfrenta estes mares turbulentos, tem que manter o dia a dia das operações atuais, a segurança das informações e garantir aderência a normas regulatórias e compliances do setor. É um cenário em que desenvolver um sistema mais rápido em detrimento da qualidade não existe mais. Não pode mais haver dicotomia entre tempo de entrega e qualidade, eficiência e custos.
A governança de TI está passando por profundas mudanças. Questiono até que ponto processos como ITIL e CMM continuam valendo para o setor de TI. Estas práticas, originalmente concebidas no final dos anos 80 e princípio dos anos 90, baseados na TI de então, não vão deixar de existir, mas com certeza não se aplicam a tudo que TI desenvolve ou terá que desenvolver no futuro. O contexto de quando foram criados era bem diverso do contexto atual. Sua concepção foi para resolver problemas de gestão de grandes e complexos sistemas, com ciclos de desenvolvimento e entrega diferentes dos apps de hoje em dia. Não havia o conceito de MVP (Minimum Viable Product).
O desenvolvimento de apps e iniciativas de analytics e modelagens preditivas não podem se submeter às mesmas regras de sistemas tradicionais como os aplicativos e ERP da velha guarda. Essas práticas foram concebidas para um mundo que girava mais lentamente e em que sistemas levavam meses para serem entregues. Muitos dirão que remover estas práticas, consolidadas pelo tempo e largamente adotadas pelo mercado, pode parecer loucura. Mas se olharmos o desafio da velocidade e flexibilidade que se exige de TI, creio que talvez não seja tão alucinado assim..
Não significa em absoluto que não devemos ter governança, mas que precisamos de novas práticas. Por exemplo, hoje não precisamos mais ficar dependentes dos ciclos de evolução dos fabricantes de hardware e os consequentes ciclos de capacidade que eles nos obrigavam a ter, mantendo um parque computacional subutilizado ou com excesso de recursos. Lembro que na época dos mainframes, se quisesse ter 20% a mais de capacidade, era obrigado a comprar uma máquina com o dobro da capacidade. Agora podemos ter nosso próprio data center virtual, sem precisar de suas máquinas; usando computação em nuvem.
Mas, estamos em um período ainda de aprendizado. Afinal, a própria World Wide Web tem 25 anos; o iPhone é de 2007; o iPad, de 2010; o Facebook fez 10 anos e o Twitter nasceu em 2006 – mesmo ano em que AWS foi lançada pela Amazon (ícone da computação em nuvem).
Onde buscar ajuda? Que tal considerar como benchmark as empresas que nasceram digitais? Elas não são gerenciadas em sua TI pelo velho manual de receitas que nós, das empresas tradicionais, usamos intensamente. Mas elas mantêm data centers imensos e gerenciam bilhões de operações por dia. Elas realmente reinventaram o uso da tecnologia. Hoje o ciclo de mudanças e entregas de código (ou soluções) para os usuários é outro. Estas empresas, até por necessidade, criaram novas práticas, como a de entrega contínua, porque, para elas, o tempo de entrega de sistemas e modificações não poderia mais ser medido em meses ou anos, mas sim em dias ou minutos. Vejam o exemplo do processo de desenvolvimento e entrega do Etsy.
O que estas mudanças implicam em TI? Primeiro no redesenho das capacitações das equipes e do CIO. Novas funções aparecem como user experience designer, data scientist e um CIO muito mais voltado para negócios que de perfil técnico. Novas práticas como entrega contínua. Novas maneiras de pensar, saindo do modelo de controle da tecnologia, para advisor de tecnologia. A TI passa a ter um perfil “orientado a serviços”, agindo como um competitivo provedor de serviços de TI e menos como um departamento tradicional de tecnologia e projetos. Como provedor de serviços, seus objetivos mudam: agora a meta é criar serviços inovadores que os usuários (internos e externos) queiram consumir em vez de tentar racionar o consumo de TI. A consequência de tudo isso é uma mudança significativa na sua a estrutura organizacional.
Sim, pode parecer assustador (e é!) e até gerar caos se não for uma mudança bem orquestrada. O risco é alto se não houver capacitação e pessoal adequado. Também é essencial uma forte determinação de fazer a mudança.
Mas se o objetivo é tornar TI estratégica para o negócio e contributiva para geração de novos negócios, ela tem que mudar. E não custa nada aprender com quem já nasceu do outro lado da ponte…