DevSecOps

1 ago, 2014

Não jogue fora! Conserte e seja um Consertador!

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Nós adoramos falar sobre construir coisas. Está no sangue de todo Fazedor a vontade de bolar seus próprios projetos, soluções de problemas e colocar a mão na massa. Mas hoje vamos falar de um movimento-irmão, que certamente todos nós podemos nos identificar: os consertadores. Vamos nessa!

Miniaturização dos componentes e super escala na produção

A evolução das técnicas de fabricação, sobretudo nos aparelhos eletrônicos, transformou completamente a produção industrial nas últimas décadas. Placas de circuito inteiras, que muitas vezes possuíam centenas de componentes, foram substituídas por apenas um microchip em diversas aplicações. O espaço onde cabiam um punhado de resistores e capacitores PTH (Pin Through Hole), hoje comporta dezenas de SMDs (Surface Mounting Device), muito mais eficientes e compactos.

Com a miniaturização dos componentes e maior precisão na sua montagem, veio ainda um segundo fator decisivo: a queda dos preços. Hoje não conseguimos fabricar apenas produtos menores, melhores e mais rápidos. Também conseguimos fabricá-los em escala muito maior e a preços muito mais baixos.

Faca de dois gumes

Por um lado, esta mudança trouxe melhorias incríveis na vida da população mundial. Se você acha que isto significa apenas televisões maiores e mais baratas para a sua sala de estar, está pensando pequeno, meu caro leitor.

Vejamos, por exemplo, as pessoas que sofrem de diabetes. Hoje em dia, aparelhos eletrônicos incríveis para controle dos níveis de açúcar no sangue podem ser adquiridos a preços razoavelmente baixos. Décadas atrás, o controle da glicemia em casa, nesta precisão e confiabilidade seria impensável. Este tipo de efeito é o lado legal da evolução tecnológica, a abundância e o acesso.

Outro caso bom para ilustrar é o dos telefones celulares. Se você já está nos seus vinte e poucos anos, possivelmente se lembra de uma época em que eles eram aparelhos caríssimos, enormes e pouco práticos. Seu uso era restrito basicamente a homens de negócios importantes. Hoje em dia, praticamente todo brasileiro tem um! Além do conforto, celulares são um meio de contato fundamental para diversas pessoas e a conexão 3G está levando a internet a locais em que a única alternativa era a conexão via satélite, que é cara e lenta.

Mas estas são só algumas vantagens da evolução tecnológica… Cadê o lado ruim?

Cultura do descartável

Por um lado, conseguimos fabricar mais coisas. Coisas melhores e mais baratas. Por outro, um monte de fatores torna a vida útil das coisas que fabricamos cada vez mais curta. Trocamos nossas TVs, celulares, videogames, tablets e notebooks cada vez mais rápido. Seja por eles terem quebrado, ou por estarem “velhos demais”. Mesmo quando ainda funciona perfeitamente, um telefone ou computador se torna inútil em poucos anos. É a chamada obsolescência programada.

Sabe o que a acontece com a maior parte dessas coisas? Vira lixo! Pilhas e mais pilhas gigantescas de lixo altamente tóxico, que simplesmente não conseguimos dar o tratamento adequado.

Além do problema de descartar todos estes aparelhos que já não servem para nada, temos uma outra consequência – esta mais sutil – da nossa transformação industrial. Vamos tentar entendê-la.

Caixas pretas

Antigamente, quando uma televisão, geladeira ou sistema de som estragava, era sempre levado para o conserto. Fazia sentido! Um técnico identificaria o componente problemático, substituiria-o e o aparelho estava pronto para funcionar por mais alguns anos.

Alguns destes reparos, como emendar algum fio, ou substituir um fusível, podiam até ser feitos em casa por um tio mais habilidoso. Todo mundo tinha um tio que sua vó sempre chamava pra ver o que tem de errado na TV! Hoje em dia, isto está se tornando mais raro.

Como os componentes são cada vez mais integrados (reunindo muitas funções) e mais baratos, muitas vezes não vale a pena – do ponto de vista econômico – consertar estas coisas. Melhor jogar tudo fora e comprar outro. Certamente você conhece alguém que levou um notebook ou celular para o conserto só para ouvir do técnico que precisa “substituir a placa-mãe”. Na verdade, não foi a placa toda que estragou. Só não vale a pena diagnosticar e corrigir o problema. Assim, o conserto custa o preço de um aparelho novo.

A teoria é que esta situação faz com que entendamos cada vez menos como as coisas – todas as coisas – que usamos no nosso dia a dia funcionam. São caixas fechadas, que funcionam, ou não. E não podemos fazer nada sobre isto. Esta mentalidade, de cada aparelho como uma caixa fechada, se espalha, minando a curiosidade e a criatividade de toda uma geração.

Retorno ao conserto

Este tipo peculiar de Fazedor, que preza o conserto sobre o descarte, está ganhando o mundo. O objetivo é espalhar a ideia de que você é dono das coisas que compra e não precisa usá-las da maneira exata que o fabricante previu. Você pode melhorá-las também!

Isto vai além do conserto de peças fisicamente estragadas. No desenvolvimento de software, por exemplo, a comunidade open-source respira vida nova em aparelhos como notebooks e celulares, com sistemas operacionais e aplicativos leves, que os mantém úteis e funcionais por muito mais tempo.

Além do envolvimento da comunidade maker, algumas empresas estão fazendo disto um ótimo negócio. A iFixIt vende kits para desmontar e consertar aparelhos celulares, principalmente iPhones. Já a Sugru desenvolveu uma espécie de massinha faz-tudo, que permite fazer remendos, melhorar pegas desconfortáveis e aumentar a resistência de praticamente qualquer coisa.

A Sugru publicou inclusive o seu Manifesto do Consertador para inspirar mais pessoas a fazerem parte do movimento. Veja a versão em português:

O manifesto do Consertador:

  1. Se não estiver funcionando, conserte! Pois a solução de problemas práticos do dia a dia é a forma mais bonita de criatividade que há;
  2. Se estiver funcionando, melhore! Um ajuste pequeno e inteligente pode melhorar o funcionamento de alguma coisa pelos próximos muitos anos;
  3. Dê a seus produtos uma vida mais longa. Se dobrarmos a vida das coisas, diminuímos pela metade o que vai para o lixão;
  4. Consertar significa liberdade e independência. Como um consertador, você não precisa se preocupar com uso e desgaste. Nada se mantém novo, então esqueça a perfeição;
  5. Resista a tendências e upgrades desnecessários. Eles alimentam nossa cultura descartável;
  6. Não deixe as empresas te tratarem como consumidor passivo. Toda vez que gastamos dinheiro, votamos nos tipos de produtos que queremos ver tendo sucesso. Compre produtos que possam ser consertados;
  7. Uma coisa funcionando é uma coisa bonita. Todo reparo, habilidoso ou improvisado, carrega uma história;
  8. Se você tem uma ideia, comece pequeno e a faça bem. Se for boa, crescerá a partir daí;
  9. Alimente sua curiosidade. Continue tentando coisas que nunca fez antes. É bom para o seu cérebro e sua alma. Não tenha medo de errar – isto torna o sucesso mais doce;
  10. As pessoas são infinitamente diversas. Os produtos também devem ser. Tudo pode ser melhorado ou personalizado.
  11. Descartabilidade é uma escolha, não uma característica física. Plásticos não são malignos mas estamos usando de forma errada. Trate-os com respeito;
  12. Compartilhe suas ideias, seu entusiasmo e suas habilidades. Se você encontrou a alegria de consertar, passe-a adiante. É um presente para toda a vida.

Por mentes mais livres

Estimular a prática de consertar – e melhorar – os objetos que usamos no dia a dia é uma atitude que todo Fazedor certamente apoia! Seja configurando o seu telefone para funcionar do jeito que você gosta, melhorando a pega no guarda-chuva que vive caindo, ou arrumando a ponta do cabo USB que quebra todo mês. Afinal, como os japoneses já sabiam, um conserto não é defeito, é característica, que também pode ser bela e admirável.

Consertou alguma coisa? Tornou-a melhor com um hack inteligente? Que tal mostrar seus projetos para a gente, no Fórum dos Fazedores?