Desenvolvimento

24 set, 2014

Dicas para o Movimento Maker na educação

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Em agosto, tive a honra de participar do 3° Seminário Internacional do Centro Lemann para o Empreendedorismo e Inovação na Educação Brasileira. Para nossa sorte, o tema de um dos painéis era justamente se “o uso da tecnologia na educação será bem sucedido” ou não. E para deixar tudo mais legal, um dos painelistas era o Prof. Ph. D. Paulo Blikstein, um brasileiro fantástico que trabalha como professor/pesquisador na Universidade de Stanford na California. Sua pesquisa é focada em temas como o aprendizado de ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM), fabricação digital e movimento maker na educação, FabLabs e Hardware Livre. Enfim… tudo o que gostamos! 😉

O trabalho dele é demais e, antes de falar de algumas dicas que peguei de sua palestra, vou destacar dois projetos que são bem conectados aos temas que costumo abordar: o FabLab@School e o Gogo Board.

FabLab@School: movimento maker na educação e oficinas nas escolas

FabLabs são pequenas oficias equipadas com vários equipamentos de fabricação digital, como impressoras 3D, scanners 3D, máquinas de corte a laser, máquinas CNC e kits de programação e prototipação eletrônica. Esse conceito nasceu no MIT com o professor Neil Gershenfeld, que montou um laboratório com todos esses equipamentos e deixou que seus alunos utilizassem as instalações à vontade. Rapidamente percebeu-se que os FabLabs eram espaços onde pessoas comuns poderiam fabricar praticamente qualquer coisa. Vários FabLabs logo começaram a aparecer na forma espaços comunitários para entusiastas e também em centros de empreendedorismo, mas sempre com o foco em adultos e nem sempre ligados à educação.

O projeto FabLab@School, criado por Paulo Blikstein, tem o objetivo de trazer os FabLabs para as escolas e para alunos bem mais jovens. Trabalhando com espaços especialmente pensados, desenhados e construídos para serem perfeitamente adaptados à realidade das escolas e das crianças, o projeto FabLab@School tem foco no aprendizado mão na massa. Os primeiros laboratórios desse tipo foram implantados em 2011 numa escola pública em Moscou, na Rússia, e vários outros estão nascendo pelo mundo. Você pode conhecer mais sobre o projeto no site oficial do FabLab@School ou no vídeo de uma apresentação que ele fez no TEDx Manhattan Beach e ver como os FabLabs estão ajudando na introdução do movimento maker na educação e mudando a vida de vários estudantes.

Gogo Board: hardware livre levando computação para áreas carentes

Gogo Board (por Transformative Learning Technologies Lab – Universidade de Stanford).
Gogo Board (por Transformative Learning Technologies Lab – Universidade de Stanford).

A Gogo Board é um belo exemplo de projeto de hardware livre com o objetivo de levar computação de maneira sustentável para comunidades mais carentes. A placa é uma plataforma aberta para o desenvolvimento de projetos que unem a computação e a eletrônica de maneira simples e com um design bastante simples e de baixíssimo custo. O projeto foi especialmente concebido para que sua fabricação pudesse acontecer localmente, utilizando componentes facilmente encontrados. Ela é possui uma CPU que recebe programas desenvolvidos pelo usuário e conta com uma série de facilidades para interfacear com o mundo e com sensores e atuadores diversos. Dessa maneira, é super adequada para o aprendizado e a construção dos mais variados projetos, como interfaces homem-máquina, robôs e coletores de dados. Saiba mais sobre a Gogo Board no site oficial.

Ah, e se você está pensando que o Gogo Board é quase um Arduino, pense novamente. Apesar de o Arduino ser uma plataforma fantástica e bastante simples, ela não foi pensada para crianças. Já o Gogo Board foi totalmente pensado e desenhado para ser o mais simples possível para que crianças bem novas pudessem trabalhar com ele.

Ok, vamos às dica para o movimento maker na educação.

Dica 1 – Fazer a pergunta certa sobre a tecnologia na educação

Segundo Blikstein, sempre que falamos de utilizar tecnologia para a educação a primeira pergunta que aparece é se a tecnologia irá melhorar o aprendizado ou não. Bom, tudo indica que essa não é a pergunta que deveria ser feita. O que deveríamos pensar é em quais habilidades e conteúdos queremos ensinar. E depois pensarmos em quais deles podem ser ensinados com o auxílio da tecnologia e quais não podem. E é esse tipo de pensamento que ajudará a aplicarmos, da melhor maneira possível, a tecnologia à educação.

Uma das armadilhas aqui é trazer uma tecnologia nova para ensinar algo que foi pensado para ser ensinado com outro tipo de suporte. E, para agravar, avaliar o progresso com métricas adequadas para o modelo anterior, e não para novo. A imagem que Paulo levou para exemplificar esse ponto foi sobre uma época onde o conhecimento era passado basicamente de maneira oral e que o aprendizado era, em grande parte, refletido na capacidade de um indivíduo armazenar o que foi passado para ele. Nessa época hipotética, a escrita ainda não existia e não havia outra maneira de se armazenar o conhecimento senão em sua memória. Porém, com a chegada da escrita, imagine que um indivíduo pudesse, agora, armazenar parte dos conhecimentos em suas anotações e, com isso, acumular ainda mais sabedoria. Naturalmente a capacidade de memorizar seria afetada pela nova tecnologia e seria liberada para outros usos cognitivos. Porém, se ao avaliarmos esse indivíduo somente pelo que ele conseguia memorizar – sem a ajuda de suas anotações –, ele seria considerado como alguém que aprendeu menos. E a conclusão – errônea – seria a de que a escrita – nova tecnologia – atrapalhou o aprendizado. 😉

Dica 2 – Cuidado com a armadilha da auto-seleção e outros efeitos colaterais

Outra preocupação de Blikstein foi tomar cuidado para que a utilização de novas tecnologias, como a fabricação digital e a programação, não agravem as graves diferenças que já temos entre os grupos de estudantes com mais recursos e os com menos recursos. Isso é bem fácil de acontecer em situações nas quais os alunos que já são mais preparados ou aptos para as atividades técnicas são os que mais participam delas. Dessa maneira, acontece um fenômeno bem ruim de auto-seleção, em que apenas quem já iria se conectar ao universo STEM – das ciências, tecnologia, engenharia e matemática – é que acaba participando dos FabLabs e coisas do tipo. A coisa é ainda mais grave pois, nesse tipo de situação, os alunos que mais se beneficiariam de participar de atividades ligadas à cultura maker são exatamente os que não participam. Explico: em vários estudos científicos que estão sendo realizados, fica bem claro que quando envolvidos em atividades desse tipo os alunos que apresentavam as piores avaliações eram os que apresentavam maior progresso. Se uma outra motivação para essas atividades é despertar o interesse em para as atividades STEM em alunos que ou não se achavam aptos para ou não conheciam essas áreas, de novo a auto-seleção só agrava o problema. Pensem em quantas meninas se interessariam por engenharia se pudessem ter contato com ela antes e acabassem com a ideia – boba – de que engenharia não é coisa para meninas. Blikstein prega que é fundamental que mais e mais as atividades ligadas ao movimento maker sejam incluídas no currículo como parte fundamental dele, e não apenas como atividades extracurriculares opcionais.

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Artigo publicado originalmente em http://blog.fazedores.com/dicas-para-o-movimento-maker-na-educacao/