DevSecOps

10 dez, 2010

Hardware aberto: como e quando funciona

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O software livre tem sido um motivador bem-sucedido da inovação de software, mas
como isso se aplica ou pode se aplicar ao hardware? Vários projetos de hardware
estão testando conceitos de software livre, de microprocessadores até microcontroladores
e computadores single-board completos. Este artigo trata de licenciamento,
disponibilidade, comunidade e outros desafios e sucessos relacionados ao hardware
aberto.

O que é hardware aberto?

O software livre é uma das maiores histórias de sucesso em tecnologia e negócios dos
séculos XX e XXI. O movimento do software baseado em padrão aberto foi fundado por
Dennis Allison no release do Tiny BASIC em 1975, com uma citação que teria grande
influência no futuro: “Apoiemo-nos nos ombros uns dos outros, em vez de pisar no
pé”.

Jim Warren, editor chefe do Dr. Dobb’s Journal, aperfeiçoou a codificação do
conceito em julho de 1976, com a linguagem de programação Association for Computing
Machinery (ACM): “Quando o software for grátis ou tão barato que é mais fácil pagar
do que duplicar, ele não será roubado”. Nove anos depois, em 1985, o Dr. Dobb’s
Journal publicou o GNU Manifesto original de Richard Stallman, que foi um chamado à
ação pelo software grátis.

Atualmente, o conceito de compartilhar designs básicos
deu origem a alguns dos softwares mais adotados da nossa época, como as ferramentas
GNU e o sistema operacional Linux e criou segmentos de mercado de vários
bilhões de dólares que atraíram gigantes dos softwares patenteados, como Sun
Microsystems, Novell e IBM.

Agora, o sucesso do software livre está criando um novo movimento: hardware aberto.
Desde o final da década de 90, os engenheiros vêm buscando formas de aplicar
conceitos de software livre ao hardware eletrônico e de computador.

O principal
obstáculo, é claro, é que o software é fácil de duplicar e pode ser copiado
gratuitamente, ao passo que o hardware é constituído por matéria – “átomos em
vez de bits”, nas palavras de Chris Anderson. Além disso, geralmente o hardware é
patenteado (em vez de ter copyright) e o processo de obter e defender patentes é
caro. Como o hardware pode ser “aberto” para aproveitar os grandes benefícios que a
abertura tem a oferecer?

O hardware aberto é aberto no mesmo sentido do software baseado em padrão aberto – o conceito de “livre, como no caso da liberdade de expressão” que Stallman
abordou no GNU Manifesto. O hardware nunca pode ser “grátis como a cerveja” porque a
duplicação sempre custa alguma coisa e porque até mesmo os seus defensores mais
bem-intencionados não podem se dar ao luxo de oferecer produtos físicos grátis
indefinidamente.

No entanto, um produto físico é simplesmente a implementação de um
design, e os designs de hardware – juntamente com a permissão para criar um
produto físico a partir desses designs – podem ser oferecidos gratuitamente com uma
licença aberta, com copyright ou patenteada. O licenciamento fica por conta do
proprietário.

De fato, o hardware aberto em si ainda está sendo definido formalmente. Um grupo de
trabalho de contribuidores vem aperfeiçoando uma definição desde 2009, depois da
definição de “software livre” proposta por Bruce Perens.

A nova definição do Open
Source Hardware (OSHW) está atualmente na V0.4 e está sob discussão no fórum do Web
site do Open Hardware Summit.

Aberto ou livre?

É “hardware aberto” ou “hardware livre?” Essa distinção ainda está em discussão.
O termo software livre corresponde diretamente ao código de origem do
programa, o que vale também para os designs de hardware descritos em linguagens
como Verilog Hardware Description Language (HDL), mas não vale para designs que
só podem ser descritos em desenhos do tipo computer-aided design (CAD).

Projetos de hardware aberto

Já existem vários projetos bem-sucedidos de hardware aberto. Esta seção descreve
alguns deles.

  • Power.org

Em 2004, a IBM criou o Power.org como parte de sua iniciativa Power
Everywhere
, estabelecendo o Power Architecture como um projeto de
hardware aberto com padrões, designs e especificações licenciados gratuitamente. A
IBM anunciou planos em 2006 para colocar o núcleo PowerPC 405 à disposição de
instituições acadêmicas e de pesquisa gratuitamente. Atualmente, mais de 40 universidades
participam do programa.

  • OpenSPARC T1

A Sun Microsystems seguiu o mesmo caminho em 2006 com o OpenSPARC T1, uma
implementação totalmente aberta do seu bem-sucedido processador SPARC. Agora há três
implementações totalmente abertas da arquitetura SPARC baseada em Reduced
Instruction Set Computer (RISC), com código de origem escrito em Verilog HDL e
lançado sob a GNU Public License (GPL).

  • BeagleBoard

O BeagleBoard é um computador single-board baseado no sistema Texas Instruments’ Open
Multimedia Application Platform 3 (OMAP3) on chip (SoC), que inclui um
microprocessador baseado em ARM e um processador de sinal digital. O BeagleBoard usa
o mesmo mecanismo de processamento de vários smartphones e netbooks, que o deixa
suficientemente potente para executar uma distribuição integral de Linux e fornecer
vídeo de alta definição. O BeagleBoard é suportado por uma grande comunidade e os
seus documentos de design, incluindo os desenhos arquitetônicos da printed circuit
board (PCB) para uso na manufatura, estão disponíveis gratuitamente para download.
Já deu origem a vários produtos relacionados.

  • Arduino

O Arduino é um microcontrolador projetado tendo em mente o usuário final, com um
modelo de programação fácil de aprender, um design totalmente aberto que pode ser
usado por qualquer pessoa e um enorme ecossistema de documentação, placas
complementares, produtos derivativos e comunidade. Tem sido amplamente adotado pelo
crescente movimento “Maker” de praticantes de hobby e especialistas adeptos do “faça
você mesmo”, baseado na revista Make da O’Reilly Publishing e na Maker Faire anual – entusiastas do hardware que querem incluir recursos eletrônicos flexíveis
aos seus projetos, desde diodos emissores de luz (LEDs) piscantes até sistemas
sofisticados para orientação de aeronaves.

  • OpenCores.org

OpenCores.org, uma respeitável instituição de hardware aberto desde 1999, é um portal
para núcleos de processador abertos que fornece os documentos de design de vários
núcleos sob uma série de licenças abertas, inclusive uma plataforma de computador
grátis em RISC, vários microcontroladores, dois SoCs e uma série de núcleos
aritméticos, de comunicação e outros tipos – descritos, em sua maioria, por meio da
Verilog HDL.

  • Designs eletrônicos abertos

Agora, várias empresas pequenas fabricam designs eletrônicos completamente abertos.
Algumas criam kits ou dispositivos pequenos, ao passo que outras criam produtos de
qualidade profissional. Os processos de manufatura que antes só eram abertos para
corporações agora estão sendo abertos para organizações menores.

  • Projetos grátis

Alguns projetos são totalmente grátis e fornecem somente os planos para que outras
pessoas construam os projetos; outros, como o número crescente de impressoras 3D
para desktop, fornecem até mesmo os meios de autorreplicação.

Licenças de hardware aberto

Os designs de hardware frequentemente são patenteados e sujeitos a copyright ou
simplesmente patenteados. O conceito das patentes é semelhante ao do copyright, já
que ambos são proteções de invenções fornecidas pelo governo, mas o escopo é
diferente. Este artigo apenas fornece informações básicas sobre esse assunto
complexo.

Os copyrights e as patentes propriamente ditos são um reconhecimento jurídico de
propriedade garantido pelo governo. O proprietário legalmente reconhecido de uma
invenção tem direito a negar ou conceder a permissão de uso da invenção, e essa
permissão é concedida por meio de uma licença. As empresas tradicionais
proprietárias de hardware licenciam contratualmente os seus designs patenteados a
outras – por exemplo: a Advanced Micro Devices Inc. (AMD) cria
microprocessadores baseados em uma licença concedida pela Intel.

O copyright protege a forma de expressão e não o assunto do item protegido.
É possível proteger com copyright o design de uma invenção, tal como os documentos
que descrevem um microprocessador, mas não o processador físico em si.

Os copyrights
são concedidos automaticamente aos criadores assim que as suas criações adquirem uma
forma permanente. Nos Estados Unidos, os copyrights também podem ser formalizados
mediante o pagamento de uma pequena tarifa no Copyright Office dos EUA.

Aos proprietários de patentes, por outro lado, é concedido o “direito de impedir aos
outros de fazer, usar, oferecer para venda ou vender” uma invenção. Por definição,
as patentes são exclusivas e, portanto, impedem o tipo de compartilhamento que o
hardware aberto (e o software baseado em padrão aberto) promovem.

Entretanto, vários
inventores optam por patentear os seus designs para proteger contra engenharia
reversa direta, que é possível no caso do hardware. O processo de obtenção de
patentes nos Estados Unidos é caro, porque as patentes têm que ser pesquisadas pelo
U.S. Patent and Trademark Office, e o processo de defesa no tribunal também é
caro.

Um grande conjunto de licenças abertas está disponível aos criadores de hardware.
Entretanto, a maioria delas – como as licenças do Berkeley Software Distribution
(BSD), Massachusetts Institute of Technology (MIT), GPL, e Creative Commons – se
baseiam especificamente nos copyrights.

A Creative Commons instituiu recentemente um esforço para criar “zonas de liberdade”
em torno das patentes para possibilitar que os proprietários de patentes abram os
seus designs de hardware para outros.

Compartilhando os designs dessa forma, pessoas
e corporações podem trabalhar juntas em partes dos seus projetos de hardware e, ao
mesmo tempo, diferenciar-se da concorrência em outros níveis.

Relatório de viagem: Open Hardware Summit 2010

O Open Hardware Summit se reuniu no New York Hall of Science em setembro de 2010, com
um dia inteiro de palestras realizadas por figuras importantes do hardware aberto,
especialistas em leis e educadores.

De forma realmente aberta, a cúpula foi
organizada por um grupo descentralizado de contribuidores de várias empresas,
particularmente Alicia Gibb da Bug Labs e Ayah Bdeir da littleBits.

Essa breve
amostra descreve algumas das apresentações, e todas estão disponíveis (com licenças
abertas) em áudio e vídeo. Várias apresentações excelentes não foram revisadas aqui.
Visite o Web site do Open Hardware Summit para saber mais.

Por que adotar o hardware aberto?

O primeiro conjunto de palestras focou as razões pelas quais os engenheiros escolhem
abrir os seus designs de hardware. Limor Fried, da Adafruit, descreveu
eloquentemente a experiência de abrir uma empresa de design de hardware aberto,
apesar do roubo – ou até mesmo por causa do roubo – de um dos seus
designs. Ela redefiniu o sucesso ao afirmar que “ser obscuro é pior do que ser
onipresente” e identificou três razões fortes para a abertura do hardware:

  • Participar de uma comunidade de pessoas com ideias semelhantes, tanto pares
    quanto pessoas a quem podemos ambicionar
  • Criar algo que seja significativo, e não efêmero: “aquilo que fazemos durará
    mais do que nós”
  • Talvez o mais importante: ser um engenheiro melhor

Fried disse: “quando estou projetando algo apenas para mim, uso atalhos, e
basicamente, não tomo o mesmo cuidado que tomo quando 10 mil vão ver o projeto,
criticá-lo, fazer perguntas e tentar construí-lo”. Ela disse, basicamente, que ao
abrir o hardware (ou qualquer outra coisa), você recebe mais do que dá.

Também nesse bloco de apresentações, Gerald Coley, da Texas Instruments, descreveu o
projeto BeagleBoard, discutindo a necessidade de que “mecanismos” diferentes de
hardware impulsionem tarefas diferentes.

Bruce Perens, cofundador da Open Source
Initiative, discutiu alguns dos obstáculos que o hardware aberto enfrenta,
semelhantes aos que o movimento do software livre enfrentou no início.

John
Wilbanks, vice-presidente de ciência da Creative Commons, entrou em detalhes sobre a
proteção com patente e copyright e sobre o que a Creative Commons está fazendo para
ajudar os inovadores a se proteger e abrir os seus designs, particularmente em
relação às patentes.

Negócios

O painel de negócios, moderado por Eric von Hippel, professor de inovação tecnológica
no MIT, contou com a participação de Chris Anderson, DIYdrones/Wired; Peter
Semmelhack, Bug Labs; David Carrier, Parallax; Phil Torrone, Adafruit/Make; Massimo
Banzi, criador do Arduino e Bunnie Huang, cocriador do Chumby.

Von Hippel começou
com a estatística segundo a qual há mais de 2,9 milhões de adeptos do “faça você
mesmo” no Reino Unido. De acordo com a pesquisa dele são 6,2% da população, que
coletivamente gastou 2,3 vezes mais que toda a R&D industrial do Reino
Unido.

A discussão mostrou que cada um dos participantes do painel, como líderes de
negócios, chegaram a conclusões semelhantes sobre o hardware aberto e o seu papel
nos negócios do futuro, que é semelhante ao impacto do software livre.

Lentamente,
mercado está forçando a abertura dos designs – algo que tem repercussões positivas
em todo o segmento de mercado em termos de inovação e compartilhamento.

Produtização

Uma questão que surge ao levar o design de hardware da indústria para a comunidade é
a produtização transformação de um projeto em produto e, subsequentemente,
em um negócio.

Dale Dougherty, editor da O’Reilly Publishing, moderou um painel de
produtização de design aberto formado por Eric Pan, Seeed Studio; Matt Peddicord,
Bug Labs; Clint Cooley, CircuitCo; Nathan Seidle, Sparkfun; Paulo Blikstein,
professor da Universidade de Stanford que desenvolveu o GoGoBoard e Taylor Hokanson,
DIYLILCNC.

Transformar um projeto aberto em um produto comercial é um processo envolvido, mas é
basicamente o mesmo processo pelos quais as corporações passam ao produzir um
projeto interno.

A principal questão discutida no painel foi a manufatura, que
normalmente requer uma grande quantidade de unidades para ser economicamente viável.
Isso geralmente está fora do alcance dos praticantes de hobbies, adeptos do “faça
você mesmo” e outros que tipicamente produzem hardware aberto.

No entanto, vários
fabricantes agora podem trabalhar com números pequenos. Por exemplo: o membro do
painel Clint Cooley da CircuitCo disse que “agora ele pode produzir componentes
eletrônicos em quantidades pequenas, até mesmo um único componente”.

Outros
segmentos de mercado, particularmente em formatos artísticos como camisetas, também
desenvolveram métodos para manufaturar em pequenas unidades. Em geral, os segmentos
de mercado de manufatura estão se tornando mais acessíveis aos que produzem hardware
aberto.

Leis

O painel jurídico discutiu o estabelecimento de normas e enfatizou o controle do
usuário final sobre os produtos que compram como um fator motivador do hardware
aberto.

Moderado por David Mellis, desenvolvedor de software líder do projeto
Arduino e estudante de pós-graduação do MIT Media Lab, o painel foi formado por
Windell Oskay, proprietário do Evil Mad Scientist e autor do rascunho da Open
Hardware Definition; Wendy Seltzer, professor de direito com uma história luminosa
no software livre; Matt Stack da Liquidware, empresário; Michael Weinberg, advogado
da equipe do PublicKnowledge.org; Peter Brown, controlador e diretor executivo da
Freedom Software Foundation e Xavier Carcelle da Open Hardware and Design Alliance
(OHANDA).

Wendy Seltzer resumiu bem a perspectiva jurídica: “não restrinja a
liberdade em nome da sua preservação.”

Figura 1. Painel do Open Hardware Summit

Onde saber mais

O desenvolvimento de software livre é uma atividade participativa. A melhor forma de
aprender sobre hardware é participar das discussões em comunidades como o Web site
do Open Hardware Summit e dos fóruns e wikis referentes às centenas de projetos
existentes.

Um dos grandes benefícios do hardware aberto é o potencial de “desenvolver o
inesperado”, como disse Peter Brown, usando peças e produtos de formas jamais
imaginadas por seus criadores originais. Isso é a manifestação da visão de Dennis
Allison em 1975: “apoiar-se nos ombros uns dos outros”.

Jim Warren disse há 35 anos
que não é possível roubar algo que é grátis, mas – como o software livre comprovou –
é muito possível usar algo grátis para criar algo melhor e, em seguida, passar
gratuitamente esse benefício a outros.

O movimento do software livre é isto: usar o poder da colaboração para acelerar a
inovação.

Recursos

Aprender

  • A Creative Commons fornece licenças grátis
    para os que querem abrir as suas invenções a outros.
  • A descrição do
    hardware aberto segundo Limor Fried
    é uma excelente base para as perguntas
    do hardware aberto.
  • O projeto
    OpenCores
    fornece um ponto de reunião para projetos de hardware aberto desde
    o final da década de 1990.
  • O Power.org é o portal patrocinado pela IBM cujo
    objetivo é desenvolver padrões abertos e práticas de negócios para promover a
    arquitetura Power.
  • Boot Linux on the BeagleBoard” mostra como inicializar um software livre
    (Linux) no hardware aberto.
  • The Open Source Way é um wiki, livro e (em
    breve) livro-texto com conteúdo criado pela comunidade dedicado a definir como as
    coisas são feitas no mundo da abertura e para promover o software livre em novos
    domínios, como educação, governo e negócios.
  • Visite a Zona de software livre para obter
    informações detalhadas sobre instruções, ferramentas e atualizações de projetos para
    ajudar você a se desenvolver com tecnologias de software livre e usá-las com
    produtos da IBM, bem como nossos artigos e tutoriais mais populares.
  • Assista e aprenda sobre a IBM e tecnologias de
    software livre e funções de produto com as demos gratuitas on demand do
    developerWorks
    .


***

artigo publicado originalmente no developerWorks Brasil, por Jeffrey Osier-Mixon


Jeffrey Osier-Mixon é escritor técnico, defensor de software livre e gerente de comunidade. Ele mantém um blog com atualizações diárias sobre software livre, possui um Meld integrado a uma comunidade Linux e faz palestras em conferências sobre o Linux.