DevSecOps

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Quando pensamos no antigo Egito, surgem as imagens das pirâmides, com todos aqueles escravos trabalhando nas pedreiras e seus “supervisores”, com açoites nas mãos, vigiando qualquer trabalhador que estivesse diminuindo o ritmo ou evitando trabalho. Ao menor sinal de esmorecimento, o supervisor fazia ameaças ou usava o açoite para fazer com que o escravo trabalhasse a todo vapor. Essa pressão constante era necessária para fazer com que aquelas pessoas fizessem o trabalho mesmo não recebendo nada para fazê-lo.

Essa cultura de exercer pressão para fazer com que as pessoas trabalhassem com toda a sua energia aconteceu também em outros lugares do mundo, desde os escravos negros do Brasil até os primeiros funcionários das primeiras indústrias inglesas. Funcionários eram coagidos a trabalhar por horas a fio, recebendo dinheiro que não era suficiente nem para garantir as suas necessidades primárias, sendo lembrados o tempo todo por seus supervisores que se eles não dessem o máximo de si, seriam mandados embora.

Os “supervisores” responsáveis por exercer pressão acreditavam que isso fazia com que os seus funcionários trabalhassem mais e conseqüentemente produzissem mais. Essa crença enraizou-se no nascimento da indústria e terminou se entranhando de vez na cultura das corporações mundo a fora. Fazer pressão em cima de seus funcionários é uma das maneiras mais eficazes de fazê-los produzir mais sem ter que pagar nenhum centavo a mais por isso. Ou pelo menos é nisso que os gerentes que fazem isso desejam acreditar.

Atingindo os limites

O escravo que trabalhava na construção da pirâmide tinha uma vida infernal, comia mal, dormia mal, passava o dia inteiro exposto a um sol inclemente e fazendo esforço físico o tempo todo com pouca água. Rapidamente ele poderia desidratar e ficar fadigado. Era nesse momento que chegava o supervisor, que com o seu açoite “convencia” o escravo a continuar trabalhando.

Com medo de continuar sendo maltratado e receando os danos físicos a curto prazo causados pelo açoite, o escravo buscava nas suas últimas forças a coragem pra manter o ritmo de trabalho. Sugava tudo que era possível, mesmo que ao final do dia estivesse tão exausto e dolorido que até para dormir teria dificuldade. No dia seguinte, ainda cansado pela noite terrível, ele seria exposto mais uma vez ao trabalho insalubre.

Daqui pra frente a história começaria a repetir-se, ele iria diminuir o ritmo mais uma vez, sendo castigado por isso, até que ele não tivesse mais nenhuma condição de trabalhar, podendo até mesmo morrer, já que se não trabalhava mais, não teria mais como “pagar” a sua alimentação. Esse cenário não era pontual, acontecia normalmente nas construções das pirâmides e, a cada vez que isso acontecia, a construção perdia um trabalhador e com a perda desse trabalhador a obra perdia também velocidade. No fim, isso não era problema, bastava arranjar outro escravo, mostrar-lhe como era o trabalho e rapidamente ele estaria lá repetindo o serviço.

Às vistas dos supervisores, a perda desse “funcionário” era válida, ela mantinha todos os outros trabalhando com afinco por medo de sofrerem do mesmo destino. Como eles não quantificavam o “ganho” que era criado pela aplicação de pressão, também não poderiam quantificar a “perda” que a saída de um dos escravos causava na construção do monumento. Ora, se nada era quantificado, nada estava sendo perdido, qualquer coisa que viesse seria lucro.

Pessoas que exercem trabalhos braçais ou repetitivos que não exigem trabalho intelectual, quando sob pressão, procuram executar os trabalhos mais rápido, remover ou diminuir os momentos de improdutividade ou até mesmo pular fases que elas acreditam que não são essenciais para o serviço. Mas para tudo isso existe um limite e, especialmente para trabalhadores braçais, o limite do corpo é um dos primeiros que se manifesta.

As pessoas ficam sonolentas, começam a ter problemas de concentração, e começam a produzir menos, mesmo com toda a pressão que está sendo exercida, elas simplesmente não têm mais de onde retirar energia para manter o ritmo frenético que os seus superiores estão exigindo e com isso, a produtividade começa a diminuir até o ponto de que as pessoas vão começar a produzir muito menos do que produziam no seu estado normal.

“Mas quem faz trabalho intelectual não vai sofrer dessa estafa física nem muito menos vai ser tratado na base do açoite, um pouco de pressão não vai fazer mal nenhum”, é o que você ouviria de um “gerente” que usa esse tipo de prática em equipes que fazem trabalho intelectual. É uma pena que ele provavelmente nunca parou pra medir a “produtividade” das suas “vítimas”.

Pessoas não podem pensar “mais rápido”

Essa é a primeira e única lei que você precisa conhecer antes de tentar pressionar as pessoas que fazem trabalho intelectual para produzirem mais. Elas não podem pensar mais rápido e nada do que você possa fazer vai mudar isso, simplesmente faz parte da natureza delas. A velocidade que uma pessoa é capaz de organizar os seus pensamentos é igual para tudo o que ela faz.

Citando Tim Lister:

“People under time pressure do not think faster”.

Quando alguém que faz trabalho intelectual é pressionado a produzir mais e mais rápido em menos tempo, não existem muitas escolhas. Na verdade, ele pode fazer ainda menos do que o nosso escravo no exemplo anterior, pois ele não pode aumentar a velocidade do seu trabalho, ele só pode eliminar tempo improdutivo e remover ou adiar fases do seu trabalho que ele ache que não sejam críticas para o que ele está fazendo.

Eliminar o tempo, em uma empresa bem organizada, não vai surtir muito efeito, já que praticamente todo o tempo do funcionário já vai estar dedicado a fazer o seu trabalho. E devemos lembrar que quando ele sai nessa busca de remover todos os momentos de tempo livre, ele vai perder a sua capacidade de inovar graças ao ócio, ele vai estar tão preocupado em produzir que não vai se preocupar com mais nada.

Como eliminar o tempo perdido não foi o suficiente, agora ele vai ter que apontar a arma para outra coisa e agora ele só tem a remoção de trabalho que ele ache que não é importante. Ele vai remover fases que, para ele, só aumentam o tempo sem oferecer um ganho direto, ele pode até mesmo acelerar fases que deveriam durar mais, como a concepção da arquitetura do sistema, pra perder o mínimo de tempo possível.

Tomemos como exemplo um desenvolvedor. Ele está trabalhando em um projeto que já está atrasado e o seu gerente está pressionando cada vez mais para que eles possam se manter no prazo. Como ele sabe que nada no mundo vai fazer o projeto caminhar mais rápido, começa a selecionar as fases a serem “deixadas pra depois”. A primeira fase a ser vitimada é a fase de testes. Ele começa a escrever código sem escrever testes que garantam que aquele código funciona corretamente. Infelizmente, isso ainda não é o suficiente para fazer com que o projeto volte ao prazo, então vai ser necessário cortar mais alguma das fases.

O desenvolvedor percebe que perde muito tempo conversando com o cliente sobre as funcionalidades que o sistema deve ter, então ele corta o contato com o cliente e começa a desenvolver simplesmente baseado nos requisitos que tem sem considerar a opinião do cliente no que está sendo feito. Agora sim, o desenvolvedor finalmente conseguiu fazer com que o projeto estivesse entregue no prazo.

Na data que havia sido planejada e endurecida pelo gerente do projeto nos seus momentos de terrorismo emocional (e profissional), o projeto foi entregue. Ou pelo menos tentaram entregar alguma coisa. Como os testes e o contato com o cliente foram removidos para fazer com que o projeto caminhasse mais rápido, ao entrar em produção o sistema nem representava realmente o que o cliente desejava e ainda estava cheio de problemas e bugs que deveriam ser consertados o mais rápido possível. E lá vamos nós para o ciclo de pressão mais uma vez.

E o que vem depois

A pessoa ou equipe que vive sobre essa pressão constante vai começar a apresentar os mesmos sinais de estafa que os nossos trabalhadores braçais do exemplo anterior. Eles começam a sentir-se usados pela empresa, que busca sugar deles até a última gota de energia, percebem que, para ela, eles não passam de meros recursos que vão ser utilizados até que não haja mais nada que possa ser aproveitado.

Com esse sentimento vem a insatisfação, com a insatisfação vem a diminuição da produtividade, mesmo sobre pressão e, depois disso, essas pessoas já estão distribuindo os seus currículos na concorrência em busca de um lugar mais humano para trabalhar.

No caso dos nossos trabalhadores braçais ou de serviços repetitivos, o custo de colocar uma nova pessoa no serviço é baixo, já que o funcionário que saiu simplesmente repetia um processo que havia sido definido dentro da própria empresa, ele não mantinha nenhum conhecimento específico sobre como fazer o seu trabalho, tudo o que ele fazia poderia ser ensinado rapidamente a um terceiro e ele estaria produzindo rapidamente.

Já no trabalho intelectual o caso se inverte, o funcionário tem o processo em sua cabeça, é o seu conhecimento pessoal que cria o produto que a empresa vende e a perda desse profissional vai ser custosa para ela. Não é possível simplesmente colocar outra pessoa no lugar daquele que está saindo. O novo funcionário vai ter que ser treinado no serviço, e ele dificilmente vai conseguir a experiência que o que está saindo tinha em pouco tempo. O custo para a empresa na perda de um trabalhador intelectual vai ser terrível, e tudo isso porque o gerente acreditava que um pouco de pressão não faria mal a ninguém.

O ganho de “produtividade” que existe quando um gerente pressiona os seus gerenciados é ínfimo e no longo prazo ele vai resultar pessoas saindo da empresa, baixa produtividade, incapacidade de responder a mudanças, equipes estressadas e prazos e projetos que nunca são cumpridos. Fazer terrorismo emocional e profissional para tentar fazer com que as pessoas dêem o máximo de si não é o caminho, pessoas que fazem o que gostam da maneira que gostam, dão o máximo de si no trabalho.

Citando o grande Soichiro Honda:

“Each individual should work for himself. People will not sacrifice themselves for the company. They come to work at the company to enjoy themselves.”