Inclusão social, econômica e, mais recentemente, digital, têm sido temas recorrentes em várias partes do mundo, sobretudo em países emergentes como o Brasil, a Índia e ultimamente a China. Infelizmente, muitos projetos chamados de “sociais” têm sido criados apenas e tão somente como uma “vitrine” para empresas parceiras, sem ganhos sociais, econômicos e ambientais tangíveis – principalmente no Brasil. Não há progresso, nem desenvolvimento e nem inclusão de qualquer natureza sem distribuição dos ganhos em qualquer atividade produtiva – basta ver a recente crise econômica dos títulos imobiliários norte-americanos, lastreados somente em trust e não em commodities ou em cadeia produtiva.
Essas atividades econômicas com fins sociais não devem agredir ao meio ambiente (ou, em última instância, devem produzir a menor carga de resíduos e subprodutos) e devem ir além de meramente cumprir as legislações ambientais e trabalhistas vigentes: devem ter o compromisso moral de preservar o único ambiente que temos para sobreviver, de forma justa e gerando qualidade de vida. Para isso, não existe uma fórmula mágica, e sim a vontade de realizar, a ousadia de inovar, um pouco de criatividade e algum capital para investimento.
O uso de TICs (tecnologias de informação e comunicação) tem se mostrado de extrema importância, pois lança mão de tecnologias já existentes (celular, tablet, smartphone, computador, internet etc.) para promover a inclusão social e digital das pessoas. Mas, como em muitos projetos “de vitrine”, não se tem um alcance abrangente e com desenvolvimento humano real. Há muitos fatores envolvidos, e vamos analisá-los para entender como canalizar recursos e esforços de maneira efetiva.
Questões ambientais e sociais
Segundo o último Censo de 2010, o Brasil tem 16,5 milhões de deficientes, sendo que aproximadamente um em cada sete tem algum grau menor ou médio de deficiência e o restante tem maiores graus de deficiência. Pessoalmente, acho o termo “deficiência” um pouco inadequado – são pessoas em condições motoras diferentes das demais, chamadas de PNEs ou Portadores de Necessidades Especiais.
A lei 8.213/1991 prevê que empresas reservem cotas para deficientes físicos, porém em muitos casos isso não é cumprido por vários fatores – empregadores encaram essas contratações e eventuais adaptações prediais como custos, não existe uma cultura inclusiva no ambiente de trabalho, e também há a questão da tecnologia (dependendo da deficiência, um PNE necessita de algum “adendo tecnológico” para que possa trabalhar).
O uso de computadores é imprescindível para qualquer atividade comercial hoje, porém a produção de um computador demanda uma quantidade de água e energia equivalente à da fabricação de um carro. E isso é um custo ambiental considerável se pensarmos na quantidade de computadores produzidos no país – e os que vêm de fora.
Pela lei 12.305/2010, os fabricantes são responsáveis pelo destino dado aos computadores que fabricam (e fabricaram), mas a maioria deles acaba em moedores ou centros de reciclagem, sendo que muitos poderiam integrar a cadeia produtiva novamente se bem configurados. Mas, com o crescente poder de processamento exigido pelos novos sistemas operacionais “pagos”, não há muitas alternativas a não ser trocar de máquina.
Uma estação de trabalho padrão em um escritório ocupa um espaço aproximado de 7m2 e demanda uma quantidade de energia para operar (ar-condicionado, servidores etc.). Some-se a isso as emissões geradas pelo transporte (público ou privado) e o resultado é alarmante: cada um de nós é responsável por 3 toneladas de CO2/ano – se 10% dos deficientes do Brasil estão no “padrão” (ir ao trabalho, voltar e ter uma estação de trabalho lá), isso significa 4,95 milhões de toneladas de CO2/ano!
Diante desse cenário, fiquei pensando em como reduzir emissões, impacto ambiental devido ao descarte de eletrônicos, empregabilidade de PNEs e inclusão social num empreendimento social que trouxesse benefícios sociais reais, além de ganhos fiscais e mantendo o TCO baixo e ROI de curto prazo. E foi aí que nasceu um projeto.
E é possível ser diferente, rentável e sustentável?
Sim, é possível. O projeto não tem nada tecnologicamente novo. O que é inovador é a maneira como as tecnologias foram integradas e os processos foram organizados, e essa inovação garantiu registro no INPI (é a gestão correta dos recursos e processos, na prática). Basicamente é a possibilidade de trabalho em home-office usando computadores reciclados rodando Linux e acessando sistemas dedicados (CRM, telefonia etc.) através da convergência proporcionada por conexões de banda larga.
Os serviços de telefonia (via Asterisk) e os serviços de CRM e outros seriam providos por servidores Linux dedicados em ambiente cloud ou virtualizado. Os computadores doados ou descartados passariam por triagem, reparo, instalação de Linux e estocagem até seu despacho para as casas dos PNEs. Resumindo, é a aplicação das TICs em uma verdadeira inclusão social, econômica e ambiental.
Esse modelo abre um número enorme de possibilidades. Se por exemplo ONGs oferecerem serviços de call-center ou secretária virtual para empresas, estas pagam pelos serviços como um projeto social, mas garantem força de trabalho. Essa contratação pode ser parcialmente dedutível dos impostos pagos, além de praticamente eliminar absenteísmo e descartes inadequados de computadores. As emissões de CO2/ano despencam para 500kg por pessoa – 1/6. O custo de licenças é eliminado, pois apenas open source é utilizado. O custo de infraestrutura despenca com o uso de plataformas como a Amazon para os servidores. Os únicos custos seriam os dos salários dos PNEs e os analistas necessários para manter a coisa funcionando.
Mas – e sempre tem um “mas” – há fatores culturais de empresas que torcem o nariz para home-office, pelo simples fato de ainda se aterem à filosofia já muito ultrapassada de que o colaborador precisa necessariamente estar na empresa para trabalhar. Há processos de gestão que, se aplicados corretamente, permitem tranquilamente uma operação home-office full – e há casos de empresas grandes assim, como a Microsoft.
Outro “mas” que é muito usado por empresas de Contact Center é o fato de que não é possível uma operação home-office quando o assunto é cartão de crédito, bancos e instituições correlatas. E isso é corretíssimo. Mas não tive ideia de trabalhar com poucas empresas grandes em operações financeiras críticas – isso é para o pequeno e o médio empresário que precisa de força de vendas, SAC e serviços que simplesmente não existem para eles, pelo simples fato de serem pequenos e não interessarem às empresas de Contact Center. Quem precisa desses serviços são clínicas e hospitais, empresas de ligue táxi e auxílio à lista, fábricas de alimentos e bens de consumo, e prestadores de serviços. Essas empresas perfazem a esmagadora maioria das pessoas jurídicas do país, e esse projeto literalmente abre um oceano azul no meio do oceano vermelho, pois cria condições de essas empresas trabalharem com profissionalismo e qualidade em pé de igualdade com as grandes.
Algumas pessoas podem dizer que “já existem projetos similares de Contact Centers open-source”, que “há ONGs que têm iniciativas similares”, e outros argumentos. Isso é verdade, mas nenhum projeto existente pensou em contemplar simultaneamente as questões ambientais, sociais (geração de empregos e inclusão digital, social e econômica), legais (cumprimento das leis ambientais e de cotas para deficientes) e fiscais (a empregabilidade com deduções de impostos). E é essa a inovação.
Muitas empresas desejam a liderança e serem referências, mas pouquíssimas têm a auto-liberdade para ousar simplesmente porque não querem sair da zona de conforto. Abandone os velhos conceitos, saia do comum, veja as possibilidades em números. É possível ser socialmente inclusivo, financeiramente rentável e ecologicamente sustentável. Basta ter ousadia e algum investimento.
E você, é ousado?