Desenvolvimento

9 mai, 2008

O Google e as suas estratégias para organizar toda a informação do mundo – Parte 01

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Este artigo foi baseado na entrevista que Nelson Mattos concedeu a Alexander Thoele para a swissinfo.

Nelson Mattos, executivo com 16 anos de experiência em banco de dados e em pesquisa na área tecnológica, ocupa atualmente o cargo de vice-presidente de engenharia do Google em Zurique, no recém-inaugurado Centro Google de Engenharia para Europa, Oriente Médio e África ou EMEA. Ele é o único brasileiro nos altos escalões da empresa.

De acordo com Mattos, o objetivo primordial do Google é organizar toda a informação do mundo. Em segundo lugar, fazer com que essa informação esteja disponível a qualquer usuário e que seja útil para ele. Isso configura um desafio para a empresa, afinal nem toda a informação no mundo é baseada em texto. Há imagens, vídeos e áudios que também são alvo das buscas online. O Google já dispõe de produtos com condições de buscar esses outros formatos através de uma única consulta, como o Universal Search.

Esses produtos são desenvolvidos em diversas partes do mundo, visto que a empresa adota uma postura de regionalização a fim de atingir de forma mais contundente o mercado consumidor.

Regionalização do Google

Segundo Nelson Mattos, todos os produtos da empresa estão voltados ao usuário final, que é diferente em cada lugar do mundo. Daí a importância de o Google saber as diferenças entre seus usuários. Para fazer isso na prática, a empresa desenvolve seus produtos em diferentes países desde o início do seu funcionamento. Para o grupo, se o objetivo é realizar a criação de produtos relevantes para cada usuário no mundo inteiro, são necessários engenheiros de desenvolvimento que tenham um bom conhecimento do comportamento e das necessidades de cada usuário. “E isso é impossível de fazer se você tem todo o desenvolvimento centralizado na Califórnia. Afinal, o pessoal que está sentado na Califórnia vai obviamente entender muito bem as necessidades da população americana. Mas você acredita que eles entenderiam a necessidade dos brasileiros, dos chineses ou dos noruegueses? Obviamente que não!” Devido a isso, o Google criou a estratégia de abrir centros de pesquisa e desenvolvimento em vários países do mundo.

Os principais objetivos desses centros de pesquisa são trabalhar em produtos e iniciativas que visam a ter impacto global, como o Google Maps, que é desenvolvido principalmente em Zurique, mas é usado no mundo todo, e adaptar os produtos Google, realizando o desenvolvimento de novas extensões e até de novos produtos específicos para um mercado local. Como exemplo, Mattos cita o Google Transit – uma extensão do Google Maps que dispõe informações sobre meios de transporte públicos. O executivo afirma que esse serviço é extremamente popular na Europa e, recentemente, a empresa lançou uma extensão que reúne todos os dados das companhias de trens e bondes da Suíça. Esse exemplo explica o sucesso dos produtos da empresa em alguns mercados em detrimento de outros.

O Orkut também confirma essa lógica, afinal foi criado por um funcionário turco do Google nos Estados Unidos, mas só faz sucesso no Brasil e na Índia. Para o executivo, essa é uma das grandes diferenças entre o Google e as outras empresas com centros de desenvolvimentos centralizados, que possibilitam que as companhias criem produtos específicos, que satisfaçam às exigências de cada usuário, e entendam culturalmente as necessidades de cada população.

Desenvolvimento de produtos e importância do usuário

Mattos explica que o ciclo de desenvolvimento de produtos no Google é algo extremamente curto, com duração de entre dois e três meses, pois o objetivo é lançar algo no mercado e avaliar a reação dos usuários. Devido ao fato de a empresa trabalhar diretamente com o usuário final, ao lançar um protótipo, ela pode saber imediatamente o nível de satisfação dele e o que é preciso para melhorar o produto. A partir daí, novos requerimentos são criados e desenvolvidos. Em aproximadamente três meses, a empresa tem uma noção do efeito das modificações e dá seguimento ao processo.

Ou seja, o Google “aproveita-se” dos seus usuários no desenvolvimento de seus produtos. Um grande exemplo citado pelo executivo é o Orkut, que, por ser muito popular no Brasil, fez com que a empresa recebesse muitos feedbacks da população brasileira de usuários, tornando-o cada vez melhor para essa comunidade.

Busca de imagens e vídeos

Em relação ao sistema de buscas oferecido pela empresa, Mattos acredita que, atualmente, os usuários estão satisfeitos com a interface oferecida pelo Google. Mas está ciente de que, a longo prazo, o volume de imagens e vídeos vai se tornar cada vez maior na web e pode chegar o momento em que o usuário queira uma interface diferente para a sua busca, que também pode mudar e se tornar mais refinada. E cita um exemplo: se um usuário tem uma foto da Torre Eiffel e precisar de outras, pois está fazendo um trabalho sobre o tema, seria muito mais fácil e mais objetivo se o usuário pudesse dizer: “busque as fotos parecidas com esta”. Para isso ser possível, a interface teria que ser completamente diferente, porque o usuário não vai escrever em texto aquilo que procura. A fim de entender melhor a semântica desses dados, que são ainda menos estruturados, e também para tentar compreender qual é a melhor interface para o usuário ou qual a melhor maneira de expressar o que ele está buscando na web, é que ainda existe muita pesquisa nessa área.

Isso pode significar, num futuro próximo, uma mudança na famosa janela inicial do Google, com apenas um formulário e botões. Mattos imagina que a mudança evolua para uma interface mista. Na prática, significa o início de uma pesquisa, por exemplo, com o texto “Torre Eiffel”. Em seguida, chovem websites, textos e fotografias sobre o tema. O passo seguinte seria escolher uma fotografia, com uma característica que tenha atraído mais o autor da busca, e dizer: “eu gosto desta fotografia”. Daí inicia-se outra busca pela fala: “procure agora todas as outras fotografias que são parecidas com esta”. Nesse momento, a busca não seria mais em texto, mas mostraria um exemplo e o usaria como base para uma nova consulta. As possibilidades parecem ser infinitas, e tudo vai depender do usuário.

Mattos lembra que o objetivo inicial dos primeiros sistemas de busca era encontrar um site ou um documento. Atualmente, o usuário é muito mais sofisticado e quer usar a mesma interface para obter respostas às suas perguntas. Um exemplo disso é quando se pede ao buscador do Google para fazer cálculos matemáticos, que é capaz de responder a perguntas simples, como informações sobre vôos para determinado lugar. Ele enfatiza que o grande desafio, num serviço como esse, é saber em que contexto o usuário se encontra, principalmente no início do diálogo, quando não se faz idéia do que ele quer, afinal o sistema não o conhece. Para ilustrar, o executivo cita um exemplo: “se ele coloca na primeira consulta a palavra em inglês `rock`, será que ele é um geólogo que quer saber sobre pedras? Ele pode também ser um músico, que está querendo saber mais sobre o tema. O problema é que você não tem nenhum contexto. Obviamente, quando damos os resultados da consulta e vemos que ele começa a clicar em documentos relacionados a pedras, quando ele fizer uma nova pergunta, poderemos criar um contexto para as perguntas que estão sendo feitas”.

Credibilidade

Diante dessa situação, surge um novo desafio: a qualidade dos dados, afinal o objetivo do buscador do Google não é produzi-los, mas apenas indicar o caminho. Para Mattos, se o usuário está procurando documentos, a confiabilidade dos dados não é tão importante, porque o sistema mostra, inicialmente, dois caminhos a serem tomados. Entretanto, quando ele faz uma pergunta e espera uma resposta, a confiabilidade dos dados passa a ser extremamente importante, pois ele quer a resposta baseada nos dados confiáveis. “Por isso é fundamental saber selecionar os documentos não tão confiáveis e eliminá-los do meu processamento, para processar mais os outros. É uma questão de saber lidar com conflito”. O executivo cita um exemplo prático: querendo saber a previsão do tempo em Milão, fez uma consulta no Google e recebeu respostas de cinco sites. A diferença da previsão de tempo foi gritante: em um lugar tinha sol e no outro tinha chuva, chegando haver diferença de seis graus na previsão do tempo em dois sites. Como o sistema vai saber qual desses sites é o mais confiável?

Privacidade dos dados dos usuários

Com o objetivo de responder melhor a essas questões, uma saída seria o Google ter acesso direto aos bancos de dados das empresas e ao perfil extenso do usuário. Mattos afirma que as respostas dadas pelo sistema são baseadas em informações que já estão disponíveis na internet, como a previsão de tempo e as informações sobre vôos. Isso acontece porque as empresas chegaram à conclusão, com o passar dos anos, de que era extremamente importante disponibilizar essas informações para manter sua competitividade no mercado. Ele não nega que quanto mais o sistema conhecer o usuário, melhor, pois seria descoberto um histórico que levaria a uma resposta mais satisfatória. “Isso ocorre na nossa interação como seres humanos: se você conhece uma pessoa há vinte anos e ela te faz uma pergunta, você sabe exatamente no que ela está interessada em saber”, exemplifica.

A partir daí, entra-se na sensível questão da proteção de dados pessoais. O executivo do Google esclarece que se a empresa sabe mais sobre o usuário, ela tem condições de melhor servi-lo. Entretanto, existe a questão da sensibilidade na área de privacidade, e a política do Google é que o usuário permita a montagem desse histórico. Segundo Mattos, trata-se de um “opt-in”, ou seja, o usuário tem que querer que a empresa mantenha o histórico, permitindo que o buscador saiba que ele havia feito outras consultas na semana passada, por exemplo.

Ele enfatiza que a empresa não realiza o cruzamento de dados do usuário nos diferentes serviços utilizados por eles, como Google Mail e Orkut, porque a empresa não tem confiança de que é isso de que o usuário gostaria. Afinal, seus dados de diferentes aplicativos estariam disponíveis para outras pessoas. Atualmente, se alguém se registra e está fazendo consultas, o sistema tem meios de saber as consultas realizadas dentro daquela seção e utiliza essa informação para tentar melhorar a resposta. Caso a mesma pessoa se conecte no Orkut, o fato de que ela possa ter feito dez consultas antes não é levado para o sistema do Orkut como informação para aquele contexto. Além disso, os dados não são mantidos por muito tempo: após 18 meses, o reconhecimento do usuário, através do endereço IP, é eliminado.

Na segunda parte do artigo, serão abordadas as atividades do Google e os futuros projetos.