O Homem de Ferro nunca foi um dos
meus heróis favoritos. Talvez eu seja Peter Parker demais pra me
identificar com personagens playboys. Talvez minha repulsa pelo Capitão
América tenha contaminado qualquer personagem que viva colado nele.
Talvez eu nunca tenha topado com histórias do ferroso escritas por um
autor decente.
O herói raro
Os
filmes, no entanto, são outro paradigma. Ao mesmo tempo em que não deixam
de ser a comédia de ação típica de Holywood, também têm um forte sabor
“Marvel Way”. Além da excelente atuação do protagonista e do roteiro bem
trabalhado, efeitos, e tudo mais que os outros 329.000.000 resultados
do Google estão comentando agora, além disso, há coisas ali que eu,
como fã de quadrinhos, fiquei satisfeito de ver – finalmente! – em
outra mídia.
Uma das coisas que me agradou
muito neles foi que Tony Stark, ao mesmo tempo em que é um playboy que sabe “curtir a vida”, tem fama de pegador, ama uma festa e se diverte a litros lutando dentro daquela armadura, também tem um lado
nerd/cientista/engenheiro/gênio criativo. Ele não é um fanfarrão rico
irresponsável típico, nem também o cientista estereotipado de cinema,
de jaleco branco, meio retardado, que sempre causa catástrofes globais
por ser cego demais para as consequências de seus atos.
A saga de Tony Stark no cinema
sustenta a ilusão de que é possível ser feliz e responsável ao mesmo
tempo, se divertir e estudar, farrear e ser produtivo (se essa
“ilusão” encontra eco na realidade é tema pra outro post – ou uns 200
livros).
Mas os filmes – especialmente o segundo episódio – também subvertem a si mesmos. Mostram
que nem tudo são flores. Há um problema com o modo “Tony Stark” de ser.
O problema poderia ser descrito como um problema no modelo gestão de
projetos. Ou da falta dele.
O “modelo” Cowboy
Na segunda parte do filme, vemos que
Tony Stark, com toda sua genialidade e tecnologia de interação 3D, é
apenas humano e não dá conta de tudo que tem pra fazer sozinho.
Aperfeiçoar a armadura, gerenciar a Stark Enterprises, enfrentar
super-vilões, correr no Circuito de Mônaco, salvar a própria vida de um
envenamento por paládio. Seu modelo de gestão é o que costuma ser
vilipendiado como “cowboy developer”, ou melhor: o que não tem modelo
de gestão nenhum. Ele simplesmente sai executando as tarefas que lhe
veem à mente sem planejamento.
Isso não quer dizer que não haja
resultados. Eles existem. Um desenvolvedor cowboy, não tendo que
cumprir uma série de protocolos e nem responder a um gerente e à sua equipe,
pode, sim, ser produtivo, e até mesmo rápido: a armadura e seu gerador
de energia foram criados, no primeiro filme, com poucos recursos e em
tempo recorde.
Mas isso é algo que não se
sustenta a longo prazo. O trabalho de Stark também sofre de algo comum
a projetos criados por cowboys: incompletude. Seu amigo Rhodes se
apropria de uma versão da armadura e ele não previu nela nenhum
recurso para revogar essa permissão de uso remotamente, por exemplo. O
estresse e a pressão toda sobre uma só pessoa também tem suas
consequências: Stark chega à beira de um colapso, começa a abusar da bebida e a passar vexame, causando destruição.
Apenas a perspectiva de que o
paládio iria lhe levar à morte o fez “despertar” para o fato de que ele
precisava mudar. E não necessariamente por “morte” no sentido biológico
ou filosófico, mas porque ele viu isso como “eu tenho pouco tempo
disponível”. Foi preciso uma ameaça radical para ele se dar conta de
algo que todos precisamos ter em mente: temos pouco tempo. O dia tem
apenas 24 horas.
Tentando Mudar
Stark então faz uma tentativa: descentralizar. Ele delega parte de seu trabalho.
Ele passa a tarefa de gerenciar a Stark Enteprises para Pepper Potts. A
princípio parece uma boa idéia: trata-se de alguém competente, de
confiança e com anos de experiência como sua assistente. Ao longo da
trama, vamos vendo que isso causa problemas para ambas as partes.
Potts começa a enlouquecer com o ritmo frenético da empresa, sempre sendo atacada por robôs, super-vilões e resgates no último minuto. Stark também percebe que
perde algumas de suas prerrogativas, que mal consegue falar com Potts
em seu escritório, que tem que aturar um objeto irritante sobre a mesa,
que talvez tenha renunciado demais.
Não me entendam mal. Acredito que
descentralizar é uma boa idéia. Mas há problemas e desafios. Porém,
antes de entrar nisso em detalhes, vamos ver que o filme retrata um modelo de gestão ainda pior: o das Indústrias Hammer. No próximo post.
O outro cowboy
Com dissemos antes, o “desenvolvedor cowboy” consegue resultados, e
agora vemos outro exemplo, na pessoa de Ivan Vanko, inimigo russo do
pai de Tony Stark. Mas também vemos os limites para esse modelo:
sozinho, ele foi derrotado e até mesmo preso.
O modelo cowboy põe ênfase no talento individual, mas peca pela
falta de coisa como um planejamento mais amplo, uma falta de “Plano B”
no caso de Vanko: o que ele pretendia fazer caso fosse derrotado e
preso? Nada, ele sequer pensou nisso. Mas, felizmente, pensaram para
ele. É quando começa sua sociedade com Justin Hammer.
Hammer se torna, então, o sócio capitalista de Vanko, alguém
admitidamente sem o talento e os conhecimento técnicos do russo, mas capaz
de reconhecer seu potencial e investir dinheiro e outros recursos.
Juntos, eles pretendem produzir uma tecnologia para derrubar Stark – em
vários sentidos. Hammer se torna o gerente de Vanko.
Stark teria, em teoria, pouca chance.
O jeito Hammer de ser
O modelo de gerência de Justion Hammer apresentou vários problemas.
- Má comunicação: em seu primeiro encontro com Vanko,
Hammer consegue a façanha de falar várias páginas de texto sem nem se
dar ao trabalho de verificar antes se seu interlocutor falava inglês. Ele
não estava tão preocupado em ouvir quanto em falar. Ele não entendeu o
que Vanko quis dizer com “quero meu pássaro”, pra ficar em apenas um
exemplo. E Vanko também não se importa muito em se expressar bem para
ele. O que é sintoma do próximo item.
- Não perceber objetivos diferentes: apesar de, de
maneira geral, ambos estarem tentando derrotar Stark, cada um tinha sua
própria idéia de como iria fazer isso. Hammer queria uma armadura, Vanko
começou a construir andróides. Vanko planejaou, por conta própria, sabotar
uma apresentação, num rompante de violência. Que haja objetivos
diferentes entre desenvolvedores e gerente é algo comum e até esperado.
O que faltou a Hammer foi a capacidade de perceber as diferenças- ou
mesmo de aceitá-las como reais. - Simulação das aparências: um bom gerente provê
aquilo que o desenvolvedor precisa para fazer o seu trabalho com
eficiência, não apenas tecnicamente, mas também levando em conta o
fator humano. Isso vai desde comprar o melhor equipamento até boas
cadeiras pra deixá-lo confortável, por exemplo. Hammer pergunta a Vanko
do que ele precisa, não entende a resposta – e lhe compra um pássaro
inútil. Isso porque, além da má comunicação, ele não estava preocupado
realmente em cooperar com o desenvolvedor, mas em “parecer” um bom
gerente. - Falta de conhecimento técnico: enquanto um gerente
não precisa ser expert em todas as áreas tecnológicas que gerencia, o
conhecimento deve ser suficiente para entender o que seus
desenvolvedores estão fazendo. Tenho quase certeza de que Hammer nunca
havia desenvolvido nenhuma daquelas armas por si só, havia apenas mandado seus
empregados o fazerem, e foi depois cobrar resultados.
Os resultados obitdos
Se você não viu o filme, já deve estar sabendo que o bem vence no final, então pode continuar lendo!
Todas essas falhas no jeito Hammer de ser só levaram a maus
resultados, sejam falhas técnicas absurdas, como o míssil “ex-wife”, ou
falhas na missão geral de derrotar Stark, e ao fracasso geral da
empresa. Poderia ter havido uma real cooperação entre Hammer e Vanko,
que poderiam ter concordado com os requisitos, compartilhado
conhecimentos e coordenado melhor suas ações. Mas o que se viu foi que,
basicamente, Vanko usou os recursos de Hammer pra fazer exatamente o
que faria antes, só que com mais luxo – e falhar novamente.
Como poderia ser melhor
Mas qual seria um modelo mais razoável do que esses apresentados no
filme?
No próximo artigo, veremos que ele também mostra um terceiro: o de
Nick Fury.
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Imagens:
http:/marvel-movies.wikia.com/wiki/Iron_Man_images
http://screencrave.com/2010-03-31/new-iron-man-2-photos-mickey-rourke-and-his-bird/