Carreira Dev

26 ago, 2010

Vou de táxi? Que nada, vou de limusine

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Um final de semana de agosto trouxe mais um “herói” da internet à tona. Com cara de nerd, óculos e cabelos desarrumados, Christian Owens, um garoto inglês no auge de seus dezesseis anos foi notícia em todo o mundo por já ter uma conta corrente com saldo de um milhão de dólares. Herança? Prêmio da loteria? Nada disso. Empreendedorismo puro.

A história

Com sete anos, Christian Owens ganhou um computador e, com dez, começou a aprender sozinho web design, quando ganhou seu primeiro Mac. Fã declarado de Steve Jobs, dono da Apple, com 14 anos teve uma idéia iluminada: convenceu vários programadores de aplicativos para Mac a “cederem” suas criações para que fossem empacotadas junto com outras e vendidas por preços arrasadores, algo entre 15% e 20% do preço de tabela.

A ideia, chamada de Mac Bundle Box (algo como caixa empacotada de Mac), virou febre entre os usuários de Mac, pois era possível comprar um bom conjunto de softwares por um ótimo preço e, ao mesmo tempo, contribuir com a caridade, já que 10% do valor arrecadado era destinado a associações de caridade ao redor do mundo. O resultado disso: em dois anos, são 700 mil libras na conta.

Acha muito? Pois Chris, um ano depois, teve outra idéia iluminada. Montou outra empresa mas com foco diferente: anúncios. Ele coloca anunciantes em 11 mil websites diferentes em um único pacote e com um custo único, sendo que um desses websites é nada menos que o MySpace, da Microsoft. O resultado dessa nova empresa: já são mais 500 mil libras na conta.

Confesso, fiquei com inveja branca do Chris. Mesmo depois de 20 anos trabalhando, não fiz um décimo do que ele já fez. Mas antes de pensar que é mesmo iluminado, o que realmente não acredito, ou que é algum filhinho de papai, resolvi pesquisar um pouco mais o assunto, aproveitando inclusive de alguns artigos que já escrevi sobre o tema de empreendedorismo e buscando entender por que coisas assim não acontecem no hemisfério sul, mais precisamente no Brasil.

Empreender

São poucos os que têm sucesso quando jovens. De todos os que conheço na área de TI, somente dois poderiam estar na escala de “bem sucedidos”; Tiago Baeta, do iMasters, e Kauê Linden, da Hostnet. Ambos começaram com uma idéia muito boa e trabalharam duro para chegar onde estão. Os demais, em sua grande e esmagadora maioria, sonham em ser consultor de uma das grandes empresas globais de cessão de mão-de-obra semi-escrava ou trabalhar em grandes multinacionais de TI como Google, Microsoft e IBM.

Nada contra, cada um tem seu sonho, sua vontade e seus porquês na vida. Mas mesmo esses que mantêm o desejo de ser empregados possuem a grande pergunta em mente quando se deparam com uma notícia como a de Chris: “o que eles têm que eu não tenho?” A resposta pode ser um pouco explicada com os seguintes argumentos.

Quero que pobre se exploda!

Quem não se lembra do bordão criado por Chico Anysio para seu personagem Justo Veríssimo? Ele é verdadeiro e reflete a história que carregamos ao longo dos últimos sessenta anos em nosso país. O empreendedor, a micro e a pequena empresa sempre foram deixados de lado por todos os governantes, mesmo por aqueles que fizeram alguma coisa por esse segmento. As benesses governamentais sempre foram (e continuam sendo) para grandes empresas nacionais e multinacionais com subvenções, empréstimos e condições que nenhum nanico é capaz de obter.

Aconteceu com as empreiteiras para a construção de Brasília e depois com as obras faraônicas espalhadas pelo país, com as montadoras do ABC paulista, com os usineiros e grilheiros de terras do nordeste do Brasil, com as emissoras de televisão e de rádio cariocas para a massificação de políticas públicas furadas e bordões de “90 milhões em ação” e “Brasil, ame-o ou deixe-o” e com a industrialização de pólos fincados na serra do mar. Aqueles que não tinham berço de ouro e não eram amigos dos governos tinham somente como solução entrar no pau de arara e ir para São Paulo ou Brasília, onde a maior parte do grande milagre econômico, diziam, estava acontecendo.

São Paulo virou o que virou e Brasília o que lá existe. A megalópole tornou-se o maior centro industrial e comercial do país e a capital federal, a grande oportunidade no governo. De um lado, a opção das jornadas de trabalho em bancos e metalúrgicas e de outro, a carreira pública, e os dois em conjunto promoveram o êxodo de outras regiões brasileiras na busca de uma forma de vida menos pior para aqueles mais esquecidos nos rincões do norte-nordeste.

O principal resultado do anti-apoio governamental foi que os poucos que tinham interesse em empreender perderam seus sonhos no caminho e resolveram seguir outros menos ingratos ou dolorosos. Nas empresas, emprego fácil movido pela falácia do Brasil gigante. No governo, o aparelhamento criava cada vez mais demandas, fosse por crescimento de nosso país, fosse por interesse de oligarquias e clãs históricos. Então o melhor a fazer era prestar um concurso, conseguir uma boquinha numa sala governamental ou numa “murti” qualquer e fari vagnari a pizzu.

Então nossos pais, via de regra, foram funcionários públicos ou funcionários de uma grande empresa que possuíam carteira assinada, estabilidade, horário para entrar e sair, férias, 13º salário e todo o tipo de benefício por mais paternalista, imoral ou indecente que pudesse ser. Micro e pequenas empresas eram somente familiares, raras em nosso território e pouco empregavam além da própria família.

Conclusão: nossos governos nacionais foram, senão o maior, um dos grandes incentivadores para a criação de uma cultura anti-empreendedora em nosso país, a qual sentimos até hoje seus reflexos em nossas vidas. Mas não somente eles possuem culpa no cartório. Existe mais alguém que, por excesso de zelo ou por medo, também colaborou e colabora com esse cenário.

Filho, vá ser alguém

Desculpe-me, não conheço seus pais e não desejo ofendê-los de nenhuma forma. Mas eles também estão enfiados até o pescoço nessa lama. Explico.

A vida de nossos pais não foi a mamata que a nossa é nos dias de hoje. Se você acredita que a vida é dura, tenha certeza de que o esforço feito por eles para conseguir educá-lo foi uma tarefa digna de Hércules. Passaram por dezenas de planos econômicos bizarros, uma ditadura sangrenta, loucos querendo explodir o mundo, guerras e tudo mais o que tinha de ruim. Se hoje escolas são sofríveis, imagine o que era naquele tempo.

E certamente por amarem seus filhos e muitas vezes sofrerem calados as pressões em suas vidas, ouvimos milhões de vezes frases como “filho, vá estudar para ser alguém”, “filho, larga esta idéia, vá ser um médico, um engenheiro, um advogado”. Obviamente que o pensamento era para que seus rebentos não passassem as mesmas privações que eles estavam passando e que certamente os pais deles passaram.

Mas existe o lado ruim de todo esse cuidado. A grande maioria dos jovens de hoje se tornaram simplesmente mão-de-obra manipulável que não vislumbram em seus horizontes de vida nada além de ter um carro pago a prestação, uma casa de periferia financiada em 25 anos e um “empreguinho” com “estabilidade”. Digo isso por conhecimento de causa ouvindo centenas de estudantes em todo o Brasil nos eventos em que palestro. Muitos saem da faculdade sem saber o que vão fazer com o canudo, e a grande maioria nem sabe por que fez aquele curso. Esquecem estes que o canudo por si não resolve absolutamente nada.

Acreditando que não somente o governo, mas nossos pais também carregam sua parcela de culpa, escrevi ao Chris perguntando o que seus pais disseram quando ele, aos 14 anos, informou que ia abrir uma empresa. Como imaginava, a reação deles foi bem diferente dos pais brasileiros. Em suas palavras, eles não somente o apoiaram como acreditaram que aquilo poderia ser um futuro brilhante para ele. E acertaram tanto que hoje, pai e mãe, são funcionários do filho.

O mesmo aconteceu com os dois empreendedores tupiniquins. Kauê começou em casa, no quarto da empregada, sua empresa que hoje é um dos maiores hostings do país. Tiago, em vez de seguir os passos do irmão e ir trabalhar numa multinacional, resolveu apostar numa idéia que hoje é o maior portal para desenvolvedores do país, o iMasters. Ambos já me confidenciaram o apoio que tiveram de seus pais quando surgiram com suas idéias e até hoje vejo a mãe de Tiago nos eventos promovidos pelo iMasters dando apoio e ajudando o filho. Ou seja, o suporte existe realmente para aquilo que poderia ser chamado de “maluquices de crianças”.

E o que leva pessoas normais a fazerem coisas grandiosas?

Fazer diferente

Também tenho essa pergunta, algumas respostas já formadas mas queria ouvir um pouco mais e uma das perguntas que fiz a Chris foi o que o fez deixar de ser um adolescente “normal” que joga videogame, tem namoradinhas na escola e vai na matinê para se tornar empresário. A resposta caiu como uma bomba em cima de mim: “Because I want to change the world. It’s that simple” (Porque eu quero mudar o mundo. Simplesmente).

Esse tipo de atitude, por mais utópica, ilusória e absurda que possa ser, é que faz as coisas andarem. Não chegaríamos a Lua se não fosse o sonho utópico de lá estar. Não voaríamos se não fosse o sonho absurdo de alguns voarem. Não construiríamos arranha-céus se insanos não imaginassem isso. E ele ainda quer mais. Só deixa as empresas quando estiverem com cem milhões de libras na conta, o que não duvido que vá ter.

Isso é o que falta para nós. O sonho de “fazer acontecer”. Sonhamos pouco e somos pouco agressivos em nossos desejos. Parte disso devido às novelas e aos programas dominicais criados para nos entreter e nos alienar. Parte disso por acreditarmos que a força de um só não muda nada. Ora, Chris está aí para provar que não é idade, não é experiência e tampouco canudo que muda, mas sim a atitude de querer fazer e de querer mudar. Isso é o que certamente levou Kauê e Tiago a abraçarem seus sonhos e a realizá-los.

No frigir dos ovos, o recado é simples. É deixar para trás a mente consumidora e se tornar uma mente empreendedora. É ouvir seus pais com educação, mas fazer tudo ao contrário (a menos que você queria realmente ser um médico). É esquecer que o Governo joga contra você e passar sobre as adversidades. É deixar de sonhar com o carrinho mil e começar a sonhar com a limusine que, venhamos e convenhamos, seria o máximo chegar na porta da faculdade de “limo” não?