Carreira Dev

11 jun, 2008

O domínio .com.br foi liberado a pessoas físicas. E agora?

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No dia 16 de abril deste ano, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) anunciou que permitirá o registro de domínios .com.br por pessoas físicas, antes apenas destinado a atividades comerciais na web. A medida passou a vigorar no dia 1º de maio e agora permite o registro de domínios também com o CPF, e não apenas com o CNPJ.

A alteração foi feita devido à grande demanda de solicitações feitas junto ao Registro.br e, de certa forma, mostra reconhecimento da informalidade da economia brasileira. Afinal, milhares de profissionais liberais não podiam ter um endereço na web com essa extensão por não possuírem uma empresa formalizada.

Em entrevista ao Valor Econômico, Frederico Neves, diretor de serviços e tecnologia do Núcleo de Informação e Coordenação (NIC.br), braço executivo do CGI, afirma não saber por que o Brasil restringiu esse domínio às empresas por tanto tempo. Nos Estados Unidos, por exemplo, o domínio .com sempre foi liberado a qualquer indivíduo, independentemente do país, o que levou muitos brasileiros a recorrerem a essa extensão. Relatórios da VeriSign, que tem os direitos exclusivos do .com e do .net, mostram que o registro desses domínios no Brasil foi de 73% em 2006 e de 71% em 2007 – três vezes mais do que a média de crescimento mundial, que foi de 24% em 2007.

Atualmente, de acordo com o NIC.br, o Brasil possui 1,2 milhão de endereços .com.br ativos, que representam 92% de todos os domínios registrados, sendo que o CGI oferece 64 tipos de extensões.

Diante dessa nova conjuntura, surgem inúmeras possibilidades e dúvidas, que englobam todos os aspectos de uma comunidade – dos legais aos informais. Para saber o que esperar desse novo cenário, o iMasters conversou, via email, com José Antonio Milagre, Gerente de TI e Advogado Especialista em Direito Eletrônico, e com Paulino Michelazzo, Especialista em Web e Escritor Técnico. É interessante notar as diferenças de opinião e aprender com elas.

Com a liberação do .com.br a pessoas físicas, ele perderá credibilidade? Isso fará com que empresas brasileiras possam a adotar mais o .com?

José Milagre: Não entendo desta forma, porém penso que mais uma vez os interesses arrecadatórios foram predominantes nesta decisão. Tínhamos um cenário onde apenas empresas com CNPJ podiam ser proprietárias de domínios .com.br. Porém isso não era sinal de segurança, pois muitos fraudadores utilizavam CNPJs de empresas até mesmo inativas para registrarem seus “brs” sem problema algum. Por outro lado, é inegável que o consumidor pode ser prejudicado, pois, estrategicamente, muitos e-commerce serão estruturados sob as vestes de “pessoa física”, e se o comprador tiver algum problema com o produto ou com a negociação, ao processar o site, poderá receber uma defesa do gênero: “Esta nunca foi uma relação de consumo, não se aplicando as regras do Código de Defesa do Consumidor, considerando que o proprietário do site é uma pessoa física”. Brasileiro com atividade comercial não significa empresário ou fornecedor, e o CGI deveria observar estes preceitos da legislação nacional.

Paulino Michelazzo: Não vejo por que isso iria acontecer. Na maioria dos países e principalmente nos EUA não existe esta diferenciação de “pessoa física” ou “pessoa jurídica” para o registro de um domínio. A credibilidade não é relacionada ao detentor do domínio, mas sim ao que este faz com o endereço que possui. Claro que limites devem ser colocados como são os casos de instituições educacionais, militares e de governo, mas para o restante apresenta-se a mim como burocracia, nada mais.

Se as empresas nacionais deixarem de lado o domínio .com.br para adotar o .com estarão cometendo um grande erro e gerando problemas para o futuro. Como a legislação atual prevê que aquele que registrar o domínio em primeiro torna-se o detentor do mesmo, salvo alguns casos, serão criados embates jurídicos custosos para todos. Além deste cenário, deixar o registro .com.br por acreditar que este não possui credibilidade é negar sua existência dentro da internet brasileira e irá gerar um fenômeno mais estranho ainda: como acreditar em uma empresa nacional que não possui um website em seu país de origem? A falta de credibilidade volta-se para a empresa. Empresas devem sempre registrar seus domínios tanto como .com.br como .com, sempre!

Em todo domínio .com.br, o proprietário precisava fornecer informações pessoais. Será que liberando o .com.br a pessoas físicas, quem praticava atos duvidosos na internet usando o .com passará a usar o .com.br, facilitando a identificação dos responsáveis pelos domínios?

Milagre: Sim. E este ponto vem em favor da liberação do .com.br para pessoas físicas. Correto é que muitos crackers avançados se valem de domínios internacionais justamente para saírem da órbita da jurisdição brasileira. Ou seja, posso hospedar meu site no “Siri-Lanka” e fazer vítimas no Brasil, e o Brasil nada poderá fazer para retirar o site do ar. Por outro lado, muitos fraudadores “laranja”, só registravam domínios .com porque não tinham permissivo para registrar .com.br. A tendência com a decisão do CGI é que cresçam os casos bem sucedidos de identificação de fraudadores, pois de cada 10 crackers, é bem possível que cinco registrem um .com.br para a prática de crimes virtuais. É muito mais fácil, em uma busca e apreensão, identificar os titulares de domínios .com.br. Sob outra ótica, órgãos de fiscalização de Direitos Autorais, como ECAD, terão melhores condições de autuarem webcasts, podcasts e outras modalidades de rádios virtuais que até então, hospedados em .com, estavam livres das garras do “Senhor da Arrecadação”.

Michelazzo: Quem pratica atos ilícitos não se preocupa com dados pessoais, pois estes na verdade não existem. Essas pessoas sempre estão sob a sombra da sociedade e se escondem muito bem. Nada irá mudar nesse contexto, pois irão continuar a executar seus atos ilícitos seja usando um domínio .com, .com.br ou qualquer outro.

Essa situação influencia no aumento ou na diminuição do uso de outras terminações pouco usadas no Brasil como .ind.br, .etc.br, dentre outras?

Milagre: Com certeza, todos nós sabemos que muitas extensões propostas pelo CGI nunca “colaram” de verdade. O povo conhece www.com.br!

Michelazzo: A única que acredito ter alguma perda seria a terminação .nom.br, cujos usuários poderiam migrar para .com.br. As demais são bem direcionadas e não irão perder usuários.

Existe a possibilidade de haver busca por domínios que comprometam empresas para protestos? Como, por exemplo, www.euodeioumaempresa.com.br?

Milagre: Duvido. O difamador eletrônico não é louco. Até mesmo os blogueiros mais apimentados, com toda a certeza, preferem escrever amparados pelo sigilo do Orkut ou do Blogger do que “dar a cara a tapa” e manifestar seu pensamento em um domínio nacional, onde uma simples medida liminar poderia acabar com seu site e ainda condená-lo à indenização por danos morais na ação principal. O blogueiros brasileiros conhecem ha tempos a técnica eletrônica de “procurar asilo no exterior” para suas opiniões.

Michelazzo: Sim, isso pode acontecer, mas não necessariamente por causa da liberação. Protestos são saudáveis em qualquer sociedade democrática, exceto quando são usados para escrachar uma pessoa ou empresa. A atual sociedade brasileira é dirigida pela democracia e protestos acontecem em maior ou menor número na internet usando-se outros domínios ou terminações. Claro que criar um domínio www.nomedaempresa-protesto.com.br colocará o site bem posicionado nas ferramentas de busca e poderá gerar algum problema para aqueles que de alguma forma ou de outra possuem uma imagem meio chamuscada por atos executados ou não executados junto aos seus consumidores.

Você acredita que a liberação influenciará no crescimento da internet como um todo, com maior participação da comunidade e o surgimento de novos projetos, ou apenas poluirá a rede?

Milagre: Sem duvida influenciará no crescimento da internet considerando que um .com custa mais caro, mas também não descarto a possibilidade de um descrédito dos websites brasileiros. Empresas de e-commerce terão de redobrar os cuidados com segurança e reforçar políticas de privacidade, pois o cybersquatting crescerá: exemplificando, algum espertinho pode registrar www.inasters.com.br e angariar audiência dos que erram a digitação.

Michelazzo: Nem um nem outro. A liberação é somente técnica e vai ao encontro de modelos adotados na maioria dos países. Não é pela liberação para pessoas físicas de uma terminação que a comunidade irá participar mais ou que a rede ficará mais poluída. Além do registro de domínio, é necessária a infra-estrutura de software e hardware para colocar qualquer website na internet e que possui custo que a grande maioria das pessoas não pode ou não quer pagar. Quem provê essa infra-estrutura atualmente são os grandes portais de blogs e serviços de hospedagem gratuita usados por aqueles que querem colocar a cara na internet sem arcar com esses custos. Neste caminho, o registro de um domínio também é um custo que não será absorvido por aquele que simplesmente quer seu espaço na web para dizer o que quiser.

Como você avalia essa mudança em relação à inclusão digital e à geração de conteúdo na web? Ela poderá ser um facilitador para aumentar o acesso e a colaboração de usuários?

Milagre: Com tantas ferramentas de qualidade disponíveis gratuitamente na web, é forçoso acreditar que uma pessoa prefira registrar um .com e desenvolver um site do zero. Interessante será que poderá personalizar seu blog com um redirecionamento de domínio, nada além disso.

Michelazzo: Não, não será. Como já dito, a mudança é técnica. Os responsáveis pela inclusão digital e pela geração de conteúdo não são e não serão as empresas de registro de domínios que somente prestam um serviço de “lista telefônica” e nada mais. Os grandes facilitadores são as redes de colaboração e, de forma menos evidente, os próprios serviços de hospedagem gratuita. Disponibilizando ferramentas e espaço para que qualquer pessoa possa marcar presença na web, essas empresas e instituições auxiliam na disseminação do conteúdo.

Considerações finais

Como especialista na área jurídica para web, Milagre alerta para possíveis situações que podem ocorrer com a liberação. “Posso acordar um belo dia e saber que existem domínios .com.br em meu nome! Rezo então para que não exista um site clone de algum banco lá dentro. Até me explicar, já terei gasto todas as minhas economias com advogados e peritos computacionais”. A fim de evitar isso, ele acha necessário um monitoramento efetivo do CGI, tendo em vista que os crackers certamente explorarão essa nova possibilidade de maneira ardilosa. Se antes o cibercriminoso precisava descobrir dados de uma empresa para fraudar um domínio, hoje basta achar um CPF na rua. Milagre alerta os usuários, pois a fiscalização autoral e fonográfica terá maior facilidade de operar. Em relação à Receita Federal, o especialista acredita que ela acaba de ganhar uma ferramenta aliada para “abocanhar” os brasileiros comerciantes informais. “Quem sabe um convênio com o CGI para o repasse dos dados? Sejam bem-vindos ao PONTO BEERRE!”

Michelazzo finaliza comentando sobre os aspectos positivos e negativos dessa nova conjuntura. Positivamente, ele afirma que ocorrerá uma redução da burocracia que assola o Brasil, pois considera a restrição ao registro para pessoas físicas, no mínimo, descabida. “Vemos hoje milhares de pessoas que são, ao mesmo tempo, físicas e jurídicas e que inclusive exercem os dois papéis simultaneamente. A restrição do registro somente aos portadores de CNPJ certamente é contrária ao modelo econômico atual e nenhum benefício traz para a internet nacional”, conclui.