Quando falamos de desenvolvimento profissional, o que vem à cabeça de quase todo mundo é o plano de carreira. Aquele modelo em que a empresa nos entrega um documento/diagrama/algo do tipo com as habilidades técnicas ou pessoais que precisamos desenvolver para crescer dentro dela.
O plano de carreira é até efetivo, porém podemos aproveitar muito mais um processo mais próximo, no qual alguém da área em que trabalhamos – no caso, tecnologia – nos orienta a fim de evoluirmos profissionalmente.
Imagine podermos ajudar uma pessoa de nossa equipe, alguém que está aqui do lado e enxergamos a sua performance, a evoluir e crescer muito em sua carreira? Não somente planos futuros, mas melhorias para o presente também. Podemos ajudar aquele (a) desenvolvedor (a) júnior ou estagiário (a) a encontrar seus pontos fortes, entender onde está se perdendo em sua carreira e ele acabar sendo mais performáticos o mais breve possível.
É isso que uma pessoa, seja alguém da área de programação, design, gestão, etc., em posição de mentoria pode fazer por nós no ambiente de trabalho. Mentores são aquele empurrão que nos falta para conquistar nossos objetivos ou até mesmo para descobrirmos que objetivos são esses.
O que faz um mentor ou mentora
Durante algum tempo, “prestamos suporte” para a carreira de desenvolvedores (as) iniciantes ou pessoas que querem entrar na área de desenvolvimento no Training Center, uma comunidade de pessoas da área que ajudam, com diversas iniciativas, quem precisa de apoio em sua carreira.
Um de nossos projetos é o Mentoria, no qual colocamos alguém que precisa de ajuda em contato com alguém que pode lhe guiar em nossa área, e percebemos que muita gente não entende o papel de um mentor ou mentora.
É um papel muito confundido com coach ou mesmo com o cargo de professor. A pessoa que está mentorando não vai nos ensinar a programar, mas vai nos indicar conteúdo para aprendermos e estar lá para nos ajudar quando tudo estiver saindo dos trilhos. O mentor é a pessoa que, depois de um primeiro contato para saber quais são nossos objetivos de carreira, vai nos mostrar um caminho a trilhar e depois disso vai nos orientando para que não saiamos do caminho.
Quando estávamos formulando o projeto Mentoria, o Danilo Vaz deu uma boa descrição do que faz um mentor:
“Dois dos maiores mentores que já existiram podem nos guiar nessa definição.
“Always pass on what you have learned” – Mestre Yoda
O mentor é uma pessoa que busca repassar seus conhecimentos e experiências, preparando o indivíduo para situações críticas e aconselhando para situações de sucesso na área de comum interesse.
“Jacket on, jacket off” – Mr. Han
O mentor faz isso através de disciplina contínua das partes envolvidas, buscando sempre incentivar o indivíduo a extrair o seu melhor e jamais deve humilhar, rebaixar ou desmerecer o pupilo por não conseguir alcançar os objetivos que lhe foram confiados.”
Por que mentoria é importante no ambiente de trabalho?
A maior reclamação que coletamos de iniciantes (estágio ou juniores), tanto na área de desenvolvimento de software quanto em outras áreas, é o fato de parecer que as empresas não dão a mínima para a sua carreira.
O sentimento que fica é de que só querem contratar mão de obra barata, jogar na frente do PC e deixar que produzam sem nenhum direcionamento de onde podem crescer como profissionais, e esse é um dos motivos de nossos desenvolvedores estarem desmotivados em nossas empresas.
Isso não acontece somente com pessoas em estágio inicial de carreira, mas também com gente com certo tempo de experiência. Todo mundo precisa de atenção por parte da empresa e dos companheiros de trabalho para saberem se estão evoluindo e se sentirem confiantes.
O plano de carreira aqui acaba se tornando um documento que ninguém segue, pois as pessoas não se sentem confortáveis em seguir um check list sem ter um direcionamento se estão indo pelo caminho certo. O que acontece com nosso plano de carreira que está lá no “portal do colaborador” é: as pessoas leem, sabem o que têm que fazer, mas têm medo ou não sabem como dar os próximos passos.
Às vezes, o RH vem até nós para traçar planos ou mesmo para mostrar os indicadores de performance que foram lançados por uma pessoa da gestão, liderança ou cargo do tipo, mas são pessoas que quase nunca estão do nosso lado quando temos dúvida sobre aqueles mesmos indicadores. É nesse cenário caótico que pessoas em posição de mentor são extremamente úteis para mudar toda a realidade da empresa e das pessoas dali.
Como mentores podem contribuir para a melhoria do ambiente
Como citado acima, o ambiente da maioria das empresas não é favorável aos planos de carreira, nem a profissionais no início.
Uma pessoa que está disposta a nos ajudar, que pode nos tirar dúvidas, entende aonde queremos chegar e, acima de tudo, é alguém mais próximo da nossa realidade e conversa de modo descontraído (sem aquelas dinâmicas de RH) – é a pessoa que estará lá para nos dar uma injeção de ânimo sempre que precisarmos.
Imagine o impacto que uma equipe motivada tem dentro de uma empresa. Nós, que analisamos isso para ajudar as pessoas ou quem trabalha em RH, sabemos da importância que a motivação exerce nas equipes de alta performance. É isto que um mentor irá fazer por nós: estar ao nosso nível de fala e nos direcionar para o melhor resultado possível.
A responsabilidade pelo plano de carreira é minha, não do mentor
Apesar de parecer que o mentor irá nos cobrar para que exercitemos os pontos fracos até nos tornarmos aquilo que almejamos, não é seu papel fazer isso. Mentores nos informam um caminho a seguir e nós, com nossas próprias pernas, é que nos movemos nesse caminho. O máximo que faremos é voltar para pedir ajuda quando aparecerem mais caminhos alternativos e não soubermos para onde ir.
Um bom modo de se ter um bom plano de carreira baseado em mentoria seria criarmos um sistema, seja um quadro, um caderno de anotações ou coisa do tipo, onde lançamos tudo o que foi pontuado por nosso mentor e então vamos sempre seguindo em direção a cumprir os pontos. Um board no Trello, talvez. Porém, raramente o mentor vai nos cobrar por algo. Se ele fizer isso, é por sua boa vontade e não por “obrigação” de mentoria.
Temos que tomar cuidado para não achar que receber mentoria significa ter um professor particular. Mentoria não é isso.
Como implementar um processo de mentoria em nossa empresa
Implementar a mentoria em nossa empresa não pode ser algo forçado. Precisamos ter gente que realmente goste de ajudar as pessoas que estão ao lado.
Líderes de equipes, normalmente, têm um perfil de mentor, pois conseguem observar muito bem o comportamento das pessoas e identificar pontos falhos. A grande diferença de termos um líder e um mentor é que o líder precisa gerenciar uma equipe inteira, enquanto um mentor só precisa ouvir uma pessoa por vez.
Ao procurarmos por pessoas com perfil de mentoria em nossa empresa, seria bom analisarmos coisas como:
- Como essa pessoa trata estagiários e juniores da sua equipe?
- Como essa pessoa se comporta quando alguém tem uma dúvida que para os demais é “simples”?
- Como essa pessoa se comporta quando confrontada ou desapontada por outro membro do time?
Se em todos ou alguns desses pontos a pessoa tiver comportamento negativo, primeiro deve ser feito um trabalho com ela para lhe mostrar onde precisa melhorar. Mas se obtivemos respostas positivas, então essa pessoa tem um perfil compatível com o de um mentor.
A paciência e a empatia são coisas primordiais para um mentor. O respeito às dificuldades das pessoas é outro ponto importantíssimo, e ter resiliência para enfrentar os problemas que podem aparecer sem estourar é outro ponto positivo necessário.
Com esse “perfil” em mãos, podemos agora entrar em contato com esse membro do time e questionar se toparia contribuir com a carreira de alguém fazendo o papel de mentor e, se tudo correr bem, podemos então colocar mentor e mentorado em contato.
O que acontece num bate papo entre mentor e mentorado
Agora que temos alguém em papel de mentor e outra pessoa que irá receber a mentoria, precisamos entender como é a conversa entre mentor e mentorado.
O processo de mentoria é como um bate papo. Não é algo que siga roteiros ou que tenha que acontecer por um número de vezes calculado para dar certo. Cada mentor irá identificar o nível de ajuda que um mentorado precisa e pode agir e falar aquilo com que se sente mais confortável, mas temos algumas coisas que precisamos esclarecer durante a mentoria, para conseguirmos guiar nossos mentorados:
- Qual o nível profissional dessa pessoa nesse momento?
- Qual o nível ou cargo em que ela deseja estar daqui a alguns anos?
- Ela tem objetivos claros sobre a própria carreira?
- O que ela já tem feito para alcançar seus objetivos?
Eu já mentorei uma pessoa que trabalhava e queria se aprimorar em frontend e, depois de uma conversa, identifiquei que ela gostava muito mais do mundo mobile (nativo mesmo), pois ela tinha muito mais curiosidade com isso do que com o mundo web. Incentivei a pessoa a buscar mais conhecimento sobre mobile e analisar se não seria legal mudar de área. A pessoa mudou para Android e foi muito feliz!
Claro que, nesse caso, estava muito explícito que o que a pessoa mais curtia era Android, pois não podemos incentivar alguém a entrar ou sair de uma área sem que seja identificada a motivação para isso. Nesse acontecimento, a resposta para a terceira pergunta da nossa lista seria que “a pessoa não tinha objetivos claros sobre a própria carreira”.
Isso pode acontecer, e nós não estamos no papel de mentor para ditar regras, como “se você quer front, quebre a cabeça no front, e pronto”. Nós somos conselheiros. Se vemos que algo pode estar em confusão na cabeça de nossos mentorados, devemos tentar jogar uma luz ali no meio.
O máximo que fazemos é dizer que algo não está legal e aconselhar a melhorar dando algumas sugestões, mas não dizer exatamente o que a pessoa deve fazer. A decisão deve partir sempre da pessoa, pois, por N motivos, ela pode ter deixado de comentar algum plano pessoal enquanto a questionamos. Então nós só damos as cartas, o que a pessoa vai fazer com elas é decisão dela.
Todo mundo deveria agir como mentor
Não deveria ser necessário um “processo formal” dentro de uma empresa para que as pessoas se comportassem como mentores no ambiente de trabalho. A qualquer momento, podemos dar dicas para as pessoas que estão ao nosso lado. Podemos ajudar em forma de feedback ou mesmo questionando aos outros sobre seus objetivos e o que eles (as) têm feito para alcançá-los.
É fantástico ver o quanto que uma pessoa que recebe mentoria pode evoluir e toda empresa deveria tentar algo desse tipo, pois, como vimos, as pessoas estão desmotivadas e precisando de apoio, e um mentor pode ser o diferencial em suas vidas.
Que tal assumirmos o compromisso de apoiarmos mais as pessoas ao redor? Assim, a mentoria vai atingir níveis cada vez mais satisfatórios de maneira orgânica em nosso cotidiano.
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Artigo publicado na revista iMasters, edição #26: https://issuu.com/imasters/docs/imasters_26_v6_isuu