Acessibilidade

20 abr, 2009

Acessibilidade: um Rio Amazonas entre a Teoria e a Prática

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Meu primeiro contato com o termo acessibilidade foi em 2001, quando
participei da resposta de um edital de licitação para construção de um
sistema em ambiente Web de uma empresa do governo. Um dos itens do
edital exigia que a solução fosse acessível para deficientes visuais.

Na época eu não sabia exatamente o que representava a palavra
acessibilidade e muito menos o que precisaria ser feito para
desenvolver um Website acessível. Também não tinha a menor idéia de
como, nem com que tipo de tecnologia, alguém com deficiência poderia
acessar o conteúdo das páginas de um site.

Os deficientes visuais navegam na Internet utilizando um programa
conhecido como leitor de tela. Esses softwares varrem a tela do
computador convertendo a informação em texto e enviando para um
sintetizador de voz ou terminal Braille.

Acabamos ganhando a licitação e fui um dos responsáveis por
desenvolver a solução acessível da interface do sistema. Saí em busca
de literatura sobre o assunto, apostilas, tutoriais, artigos ou
qualquer fonte que me desse, ao menos, o caminho das pedras desse tema,
até então, desconhecido.

Apesar de encontrar pouquíssimas fontes em português no Google
e afins, encontrei a cartilha do Fabio Gameleira, analista de sistemas
da Dataprev. Ele criou a primeira cartilha em português sobre
acessibilidade em Websites no final de 2000.

Fabio conta em sua cartilha que resolveu estudar acessibilidade quando percebeu que:

“…com
a Internet uma pessoa com limitações poderia passar a ter acesso às
mesmas informações às quais eu tinha e que poderia passar a ler livros,
jornais, revistas, manuais técnicos, literaturas etc.
Achei isto tão fascinante que comecei a estudar sobre
acessibilidade na Internet. Mudei uma antiga página pessoal que tinha,
tornando-a acessível…
Um outro forte fato que me fez ir adiante foi a possibilidade de
proporcionar a uma amiga de trabalho, cega há 35 anos, a possibilidade
de ler sozinha, pela primeira vez, a versão on-line do jornal O Globo,
uma das páginas mais acessadas do Brasil. Definitivamente, as portas de
um novo mundo começavam a se abrir…”

Acabei aprendendo as regras básicas de acessibilidade com a cartilha, as recomendações do W3C Web Acessibility Initiative (WAI) e com o bom livro do Joe Clark, Building Accessible Websites. Aprendi também testando minhas páginas HTML nos validadores de acessibilidade como o WebXact (Bobby), Cynthia, DaSilva,
etc. Eles ajudam o Webdesign/desenvolvedor a encontrar erros e
esquecimentos apontando com exemplos, como acertar os itens listados.

Estes softwares que são conhecidos como validadores de acessibilidade
apesar de úteis, não são perfeitos e muito menos inteligentes. Uma
avaliação automática pode avaliar apenas algumas das regras, não todas.

Por exemplo, os validadores não têm como testar se o tamanho
aplicado na fonte do texto de um determinado menu está ou não
acessível. Eles não podem analisar se os nomes das áreas de um site
estão inteligíveis ou não e, ainda, se o contraste entre a cor do fundo
do menu e do texto está suficientemente forte para permitir a sua
leitura. Existem dezenas de outros exemplos como esses, que demonstram
que esses softwares sozinhos não podem ser usados para validar a
acessibilidade de um site.

Além disso, eles são limitados, pouco inteligentes e ignoram erros como esse listado a seguir:

Imaginem uma página Web com três imagens relevantes –
devemos esquecer as imagens decorativas que, neste caso, não devem ser
aplicadas diretamente no HTML e sim no CSS, mas este tema é para outro
artigo.

Para torná-las acessíveis é necessário aplicar a
propriedade ALT nos tags IMG com as suas respectivas descrições
textuais. Se aplicarmos a propriedade ALT com valores iguais para as três
imagens, os validadores irão aprovar a acessibilidade da página, mas
ela não estará acessível. Por exemplo, quem necessitar de um software
“leitor de tela” para acessar a Internet, não saberá diferenciar as
imagens umas das outras, nem terá acesso ao conteúdo delas.

Exemplo:

        <img src="produtos.gif" alt="imagem" /> 
<img src="serviços.gif" alt="imagem" />
<img src="precos.gif" alt="imagem" />

Validadores são úteis, mas não podem substituir uma boa avaliação e
testes feitos por pessoas e como o exemplo acima mostrou não podem ser
100% confiáveis.

Depois de finalizar o primeiro projeto Web “acessível” continuei
estudando o tema e aplicando as técnicas em outros projetos mesmo
quando o cliente não se interessava ou entendesse muito essa tal de
“acessibilidade”. Com o tempo acabei me interessando mais por esse
assunto e, de 2001 até o início de 2004, sempre que possível estudava e
pesquisava esse surpreendente tema.

Com o tempo e maior experiência passei a acreditar que conhecia o suficiente para desenvolver projetos Web com acessibilidade.

Pensava assim até conhecer o MAQ, como é conhecido no meio digital o deficiente visual, programador aposentado do SERPRO, professor e consultor de acessibilidade, criador do site Bengala Legal e escritor Marco Antonio Queiroz, que também é articulista do iMasters.

Por uma daquelas coincidências da vida – que no meu entendimento não
existem – fui convidado a participar de um curso sobre acessibilidade
na Web que o MAQ iria ministrar para alguns programadores e dois
deficientes visuais, todos leigos nas técnicas para construção de
Websites acessíveis.

Aceitei por pura curiosidade e, quem sabe, poderia até aprender algo
de novo. Minha arrogância e opinião não resistiram ao primeiro
exercício do curso. Alguns dias com o MAQ me fizeram sair do “quadrado” em que meu conhecimento sobre acessibilidade havia estacionado.

Em seu primeiro exercício, nos fez navegar por uma página Web com o
fundo em preto e com todos os textos e links também pretos. Não dava
para ver, nem ler nada, a única maneira de acessar o conteúdo da página
era utilizando um software “leitor de telas” com ajuda apenas do
teclado. De nada adiantava tentar usar o monitor e mouse. Era como se
toda a nossa experiência de anos navegando pela Internet não valesse
para nada. Tivemos que aprender a andar de novo e, desta vez, de uma
maneira totalmente nova.

Já havia utilizado os leitores de telas JAWS e o brasileiro Virtual Vision
para testar alguns dos meus trabalhos, mas nunca havia navegado usando
um desses softwares em uma página totalmente desconhecida e sem poder
usar nem monitor, nem mouse.

O exercício me fez entender que não basta ter uma página Web
acessível, é importante que ela também seja fácil de usar e entender. A
diferença entre a teoria e a prática é grande quando o assunto é
desenvolvimento de sites acessíveis. De um lado do rio encontra-se uma
página Web com todas as regras de acessibilidade aplicadas exatamente
como nas cartilhas, guias e recomendações do W3C, e do outro lado, uma página verdadeiramente acessível.

Quando comecei a escrever este artigo tive a oportunidade de
discutir seu tema com uma amiga que é deficiente visual e especialista
em acessibilidade Internet, a Lêda. Durante nossa conversa conseguiu sintetizar com maestria
esse artigo com as seguintes palavras:

“… na teoria, para se fazer um Website acessível precisamos aplicar as recomendações do W3C,
mas na prática sabemos que não é o suficiente, além das técnicas, é
preciso tornar as páginas fáceis de usar por todos. Aplicar usabilidade
nos sites para torná-los verdadeiramente acessíveis…”

Lêda Lúcia Spelta é deficiente
visual, especialista em acessibilidade e em tecnologias assistivas
como, por exemplo, os leitores de tela. É participante do grupo de
estudos sobre normas de acessibilidade para a inclusão digital da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Leda é analista de sistemas da Dataprev e psicóloga.

Usabilidade aplicada na acessibilidade, mas, afinal, o que é Usabilidade? Para Fred, jornalista, especialista em usabilidade e criador do site Usabilidoido, usabilidade é:

“sinônimo
de facilidade de uso. Se um produto é fácil de usar, o usuário tem
maior produtividade: aprende mais rápido a usar, memoriza as operações
e comete menos erros”.

Na verdade o que a Lêda quis dizer é que não adianta aplicar as
técnicas e recomendações para tornar um site acessível e deixá-lo, por
exemplo, com uma estrutura onde um usuário com deficiência tenha que
clicar infinitas vezes na tecla TAB para navegar pelos links de uma
página até chegar ao conteúdo desejado, isto é, se ele não desistir no
meio do caminho. Ou ainda, um usuário comum que não consegue entender o
funcionamento de uma determinada função do site e por conta disso fica
impossibilitado de utilizar um serviço. Como será o comportamento de um
cliente que não tenha conseguido realizar uma compra eletrônica em um
supermercado? Cliente mal atendido é cliente perdido para concorrência, afinal de contas, ela está apenas a um clique de distância.

Mito: não é porque um Website é
acessível que ele deve ter uma interface feia, pobre, sem imagens e
com limitações no design. Isso não existe, acessibilidade não é
sinônimo de baixa qualidade gráfica, pelo contrário, deve ser associada
a uma interface que propicie uma melhor experiência para o usuário. Já
o acabamento do site fica por conta do gosto e habilidade do designer.

Sempre que converso com o MAQ a respeito dos
problemas que envolvem a acessibilidade na Internet, ele faz referência à maneira com que programadores e Webdesigners aplicam os conceitos e
técnicas de acessiblidade em Websites. Aplicar as recomendações de
acessibilidade pode tornar uma página Web acessível, mas é bem provável
que somente as regras não sejam capazes de tornar, por exemplo, a sua
navegação simples. Isso acontece porque normalmente a estrutura do site
não foi planejada para ser usada por pessoas com algum tipo de
deficiência.

“…na maioria das vezes quando um programador HTML me
pede para analisar a acessibilidade de seu trabalho, me deparo com uma
página acessível, mas que não foi planejada para ser acessada via
teclado e nem testada por um usuário deficiente. Demora-se muito para
conseguir acessar um determinado conteúdo e ainda temos que lidar com o
exagero e redundância de textos explicativos causando o problema
conhecido como verborragia…”.

Na teoria, tudo é muito bonito, mas na prática logo descobrimos que
a única maneira eficiente e garantida de obter acessibilidade na
Internet é através da realização de testes. Assim como as melhores
práticas, os testes deverão fazer parte integrante da receita do bolo
acessível. É um processo de aprendizagem e melhoria contínua, onde
errar faz parte e só podemos identificar os erros se testarmos as
páginas do Website.

“Somos o que repetidamente fazemos,
portanto, a excelência não é um feito,
mas um hábito”.

Aristóteles

Uma das premissas da qualidade total é checar/verificar
continuamente os processos envolvidos no desenvolvimento de um produto
e/ou serviço para ver se estão sendo executados conforme planejado. É
importante identificar e corrigir, o quanto antes, os erros e desvios
que possam comprometer o seu funcionamento e qualidade. O custo de
identificação dos erros no início do desenvolvimento de um projeto é
infinitamente menor do que quando a sua descoberta é feita diretamente
pelos clientes/usuários. Quando é o cliente que detecta o problema já
pode ser tarde demais, principalmente em um ambiente de Internet onde a
fidelização de clientes é uma tarefa tão difícil.

Finalizo este artigo com a frase que a professora e mestre em
Design, Bianka Capucci Frisoni disse em sua apresentação no congresso
de usabilidade realizado na PUC-RIO, em junho deste ano

“… a solução para um site ótimo é um site muito bem testado…”

Então, como testar as páginas? Quais testes realizar? Quantas pessoas e com quais perfis?

As respostas a essas e outras perguntas serão apresentadas em um próximo artigo.