Tecnologia

3 nov, 2010

Livro Digital aumenta a pirataria: o que fazer?

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No último artigo que escrevi sobre o Livro Digital, além de ressaltar as vantagens e a inevitabilidade do mesmo, expressei as minhas preocupações sobre a relação entre a frágil proteção que os DRMs Digital Right Management, utilizados pelos leitores mais populares e nas soluções de bibliotecas digitais, e o risco de pirataria dos conteúdos publicados.

Notícias publicadas por importantes meios de comunicação nos últimos dois meses reforçaram minhas preocupações. O jornal Folha de São Paulo de 07/10/2010 noticiou que a pirataria de livros digitais está crescendo rapidamente, na medida em que aumentam a popularidade e a disponibilidade dos livros digitais e e-readers, de acordo com a pesquisa divulgada no dia anterior pelo site anti-pirataria Attributor (http://www.attributor.com/).

Os dados divulgados –  interessante – foram obtidos utilizando apenas os recursos de busca do Google, e são assustadores:

  • Aumento de 50 % nas buscas online de downloads de livros digitais piratas ao longo do ano passado;
  • De 1,5 a 3 milhões de consultas diárias no Google em busca de livros digitais piratas;
  • 20% de aumento na demanda por downloads piratas desde que o iPad se tornou amplamente disponível (nos EUA) em meados de maio 2010;
  • 54% de aumento na demanda por livros digitais piratas desde agosto de 2009;
  • Proliferação de pequenos sites que hospedam e fornecem livros digitais piratas – uma mudança importante em relação aos grandes sites como Rapidshare, 4share, Megaupload e Hotfile;
  • “Amanhecer”, de Stephanie Meyer, foi identificado pelo estudo como o mais pirateado em Setembro/2010;
  • Países que mais procuram livros digitais pirateados são Estados Unidos (11%), Índia (11%) e México (5%).

   
A pesquisa aponta que há uma clara correlação desse aumento com explosão das vendas de e-readers, como Kindle, Nook e Sony, e das novas tecnologias de leitura de e-books, tais como iPhone, iPad e iPod, capazes de suportar os formatos e-Pub e PDF com amplos recursos. Aponta ainda que apenas um mês após o lançamento do i-Pad (Abril/2010), foi observado um aumento de 20% na demanda por livros digitais piratas. Centenas de usuários das plataformas iPhone, iPad  e iPod buscaram livros digitais piratas durante o estudo.

Por fim, a pesquisa aponta também que, ao mesmo tempo em que ocorre tal aumento das vendas de novas tecnologias de leitura de e-books, um maior número de bibliotecas digitais são oferecidas, nas quais os usuários podem ter acesso aos livros digitais por um período de tempo determinado. Além disso, a solução Adobe Server, muito utilizada na estruturação de Livrarias e Distribuidoras de Livros Digitais, também já teve seu DRM quebrado. Existem vários cracks (programas que quebram o DRM dos livros digitais) para esse fim, disponíveis na Internet. A última versão do Acrobat X, lançada no último dia 25/10, deu mais ênfase à colaboração e a produtividade no uso dos produtos Adobe e à sua integração com o ambiente Microsoft do que em melhorar a segurança destes (TI Inside Online de 26/10/2010). Não é uma solução adequada para a proteção de conteúdo digital.

Vamos ser minimamente realistas e fazer algumas contas: se as 3 milhões de buscas diárias por livros digitais piratas fossem bem-sucedidas, ou seja, se o e-book pirata fosse encontrado, teríamos cerca de 1,095 bilhão de livros pirateados por ano, quase o triplo da produção editorial brasileira de 2009 (que foi de 380,0 milhões)! Isso seria muito bom para os sites de compartilhamento citados e para os sites menores que estão surgindo e péssimo para o mercado editorial, que veria seu patrimônio virar pó.  

Os sites de compartilhamento citados na pesquisa são, em minha opinião, um engodo legal. Com a falsa proposta de compartilhar conteúdos digitais, na verdade são sites de pirataria, onde apenas o dono do site ganha, cobrando dos usuários uma mensalidade mensal muito baixa, que permite que estes baixem um numero ilimitado de obras de vários tipos, às custas dos direitos autorais dos proprietários dos conteúdos distribuídos. E creio que esta situação só irá piorar, já que os próprios “usuários” dos sites ganham prêmios quando fazem uploads de conteúdos para compartilhamento, tornando-se assim cúmplices do site no crime de quebra de direitos autorais.

Outra notícia do jornal O Estado de São Paulo de 18/10/2010 mostrou que a Microsoft revelou ter detectado e corrigido mais de 6,5 milhões de infecções de botnet, mais que o dobro do mesmo período do ano passado. Botnet é uma rede secreta de computadores, controlada remotamente com propósitos criminosos, tais como atacar sites de terceiros, hospedar sites de busca ilegal de dados da internet e hospedar sites de conteúdo ou comércio ilegal. Segundo Cliff Evans, da Microsoft, “a ameaça vem aplicativos vulneráveis, como os da Adobe, que são mais acessíveis da perspectiva criminosa”.

Vamos falar um pouco de tecnologia. O termo DRM quer dizer, em português, Gestão de Direitos Digitais e foi criado pelas empresas de hardware, editoras e detentores de direitos autorais interessados em desenvolver um padrão que permitisse a proteção e a gestão das cópias de um determinado conteúdo digital, fosse ele um livro, música, vídeo etc., sendo utilizado por várias empresas, como Sony, Amazon, Apple Inc., Microsoft, AOL e BBC.     

O primeiro fato importante é saber que ter DRM não quer dizer que a obra está protegida. Existem muitas formas técnicas de se criar um DRM e, como a pesquisa da Attributor nos mostra, os dispositivos de leitura mais populares adotam DRM fracos e que já foram quebrados, pelo simples fato de que adotam tecnologias de proteção de conteúdo ultrapassadas. Adotam um procedimento conceitualmente falho, pois colocam a chave que decodifica o conteúdo junto com este. Assim, basta procurar que o hacker acha com facilidade a chave e abre o arquivo. Lembram do tempo dos nossos avôs, quando era comum fechar a casa e colocar a chave debaixo do carpete ou no vaso de flores? É o mesmo procedimento!

Aqueles que pensam que esse é um problema externo estão enganados, pois essa é também a realidade do Brasil: segundo a ABDR – Associação Brasileira de Direitos Reprográficos -, que desenvolve uma atividade muita importante de combate à pirataria, sua equipe técnica retirou do ar mais de 15.700 links de downloads ilegais de livros digitais entre Agosto/2009 e Jan/2010. Nesse mesmo período, foram detectados mais de 500.000 downloads ilegais de livros digitais no país.

Enquanto o número de Instituições de Ensino cresceu no país, o numero de títulos didáticos publicados diminuiu. É um grande prejuízo cultural e científico para o Brasil. Creio que o único meio de acabar com isso seria as Instituições de Ensino e as editoras adotarem uma solução que permitisse aos alunos o acesso a todos os livros didáticos em formato digital, devidamente protegidos por um DRM forte, o que desestimularia a fotocópia.   

Outra fonte de grandes prejuízos para as editoras e autores são os livros do professor, que têm sua venda proibida, mas são comercializados amplamente, tanto através de fotocópias, quanto em sebos e pela internet. Em apenas uma ação em Jan/2010, a ABDR apreendeu em Recife (PE) 28.479 exemplares de livros do professor. Esses livros, uma forma das editoras divulgarem seu catálogo, poderiam ser enviados aos professores em formato digital, com a identificação do proprietário, impedindo a sua cópia ou venda. Com o uso de Certificação Digital isso é possível.      

É possível evitar o agravamento de tal situação. Já existem no país e no mundo tecnologias adequadas para criar DRMs fortes e que protegem qualquer conteúdo digital. São tecnologias de Certificação Digital e criptografia, nas quais o Brasil é pioneiro, utilizadas no Imposto de Renda via internet, na Urna Eletrônica e no sistema financeiro (SPB). Elas protegem o conteúdo digital, que pode ser texto, som ou imagem, em toda a cadeia produtiva, desde a sua criação, armazenamento, distribuição e leitura. Tal conteúdo fica criptografado, impedindo sua cópia e disseminação na internet.
 
Gostaria de deixar claro que acredito que a questão da quebra de direitos autorais não é apenas uma questão financeira ou de propriedade, mas tem repercussões culturais e sociais. A criação cultural, científica e jornalística são as atividades nobres, importantes e democráticas de uma nação e de seu povo. Quando não remuneramos justa e corretamente tais atividades de grande valor econômico e social, estamos desestimulando a criação cultural, científica e jornalística, emburrecendo e empobrecendo a todos.

Como citei em artigo anterior, não existe almoço de graça, alguém tem que pagar a conta. É um mito acreditar na gratuidade dos conteúdos da internet ou no sustento dos sites apenas através de anúncios. A internet está amadurecendo e já comporta uma segmentação saudável. A disseminação dos sites de relacionamento é a maior prova disso. Sites sérios e de e-commerce com conteúdo de qualidade são bem aceitos pelos internautas, que não se opõem a pagá-los, desde que seja um preço justo. O não-pagamento dos direitos autorais não vai ampliar a criatividade da sociedade. Ao contrário, vai mediocrizar os conteúdos e deixar o mercado autoral nas mãos de poucos produtores de conteúdo de grande vendagem, como já acontece com a música.

Como seres inteligentes que somos, aprendemos com os erros, nossos e os dos outros. Creio que as indústrias fonográfica e cinematográfica superestimaram sua força econômica e tradição e subestimaram a força da internet, acreditando que poderiam conter o avanço da pirataria apenas por meios legais e pela conscientização. Sem dúvida, tais ações são importantes, mas insuficientes e acabaram atropeladas pelas novas tecnologias.

Quem não se lembra da disputa judicial da indústria fonográfica contra o Napster, o site de compartilhamento de músicas? Depois de anos e de muito dinheiro perdido, ele foi obrigado a respeitar os direitos autorais, mas deu origem a dezenas de outros sites com o mesmo objetivo (Kazaa, eDonkey, Morpheus, Audiogalaxy).O Napster chegou a ter 8 milhões de usuários e a trocar 20 milhões de canções por dia! Espero que isso sirva de alerta para a indústria editorial e jornalística.

A última grande notícia nesse mundo de mudanças tecnológicas drásticas foi o anúncio da concordata da Blockbuster, que já foi uma gigantesca locadora de vídeos, com 9.000 lojas em 25 países, engolida pela Netflix Inc. Após anos de perdas de mercado, estratégias de competição baseadas apenas com concorrência de preços e dificuldades de acompanhar as mudanças tecnológicas na distribuição de mídia digital, a Blockbuster sucumbiu, acumulando uma dívida de 1 bilhão de dólares, que tenta agora renegociar. 

É um fenômeno comum nas grandes mudanças tecnológicas: aqueles que aceitam as mudanças, avançam e se adéquam, continuando no mercado. Os que se prendem ao passado, aos modelos de negócio que estão acostumados, fora. Basta verificar a participação da indústria de relógios suíça no inicio da década de 60 e no final desta, quando a indústria japonesa de relógios digitais dominou quase todo o mercado.