Tecnologia

18 set, 2018

Carros autônomos com “sangue” brasileiro

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O assunto tem estado sob os holofotes do desenvolvimento tecnológico e vem ganhando mais e mais força nos últimos anos. De acordo com o 2018 Autonomous Vehicles Readiness Index da KPMG — ou, em tradução livre, Índice de Prontidão de Veículos Autônomos, que leva em consideração aspectos como tecnologia, inovação, infraestrutura, legislação e aceitação do consumidor —, Estados Unidos, Suécia, Reino Unido, Singapura e Alemanha são os cinco mais preparados para a tecnologia de carros autônomos.

Nos últimos anos, grandes empresas têm investido muito dinheiro em carros autônomos por meio de iniciativas que parecem ser versões modernas e mais voltadas para business do DARPA Robotics Challenge (uma competição de carros autônomos que, em 2005, coroou Stanlay, o carro autônomo da Universidade Stanford, liderada pelo professor e fundador da Udacity Sebastian Thrun).

Atualmente, o assunto pode ser considerado como o Santo Graal da tecnologia: praticamente todas as gigantes, como Tesla, Uber, Toyota, BMW, Volvo, Nissan, Ford, entre outras empresas, estão no páreo para colocar nas ruas essas belezas tecnológicas de quatro rodas, com muitos sensores, algoritmos e poder de processamento.

Estes têm sido tempos excitantes para estudantes e pesquisadores que trabalham no desenvolvimento do tema — que parece ser promissor o suficiente para se arriscar a dizer que ele moldará o futuro de como os seres humanos se locomovem. Os grandes centros de pesquisa estão recebendo muito incentivo das montadoras, e jovens talentos estão sendo contratados a peso de ouro para trabalhar na área!

Mas encontrar profissionais capacitados nesse segmento não é nada fácil, afinal, são necessários conhecimentos profundos em ROS (Robot Operating System), experiência de programação em C++ e Python, fusão de sensores, visão computacional, programação em GPU (Graphics Processing Unit), além de entendimento sobre hardware, caso queira colocar a mão na massa!

Mas como fica o Brasil nisso tudo? Infelizmente, boa parte da tecnologia consumida aqui vem de fora, o que chega a ser muito triste, tendo em vista a quantidade de profissionais capacitados e as pesquisas em desenvolvimento nos centros tecnológicos. E é sobre isso que iremos falar neste artigo.

Do norte ao sul do País existem iniciativas e pesquisas relacionadas com carros autônomos — projetos que já funcionam e que deixam clara a capacidade brasileira quando há investimento consciente em pesquisa.

Conheceremos agora um pouco do trabalho de algumas das equipes brasileiras que estão na vanguarda tecnológica: algumas delas estão trabalhando há anos e têm resultados importantes, enquanto outras estão dando passos largos seguindo essa tendência tecnológica.

CaRINA

Desenvolvido pelo Laboratório de Robótica Móvel (LRM) da USP e supervisionado pelos professores Fernando Santos Osório e Denis Fernando Wolf, o projeto CaRINA (Carro Robótico Inteligente para Navegação Autônoma) tem obtido resultados impressionantes.

O carro, que já está na sua segunda versão, é equipado com uma gama de equipamentos para percepção e navegação autônoma. Entre eles estão 1 LIDAR Velodyne HDL-32E, 1 câmera estéreo PointGrey Bumblebee2, 1 GPS Septentrio AsteRx2i e 1 IMU Xsens MTi.

Quanto ao software, o CaRINA é baseado no sistema operacional Linux Ubuntu e utiliza ROS, uma plataforma de software open source que possui uma gama de pacotes para conexão entre os diferentes elementos presentes no carro autônomo — e que podem ser utilizados em projetos de robótica no geral.

O ROS torna mais prática a implementação de aplicações que precisam funcionar em paralelo e trocar mensagens entre si. Isso é perfeito para aplicações de carros autônomos!

CaRINA II

Caminhão autônomo com colaboração da Scania

Este é mais um trabalho desenvolvido pela equipe do LRM da USP. Em parceria com a empresa Scania, o LRM desenvolveu o primeiro caminhão autônomo da América Latina. O protótipo utilizado nos testes experimentais é um G360 — um monstro autônomo que pesa nove toneladas!

A equipe do LRM realizou modificações mecânicas e eletrônicas para que ele pudesse ser totalmente controlado por computador. Quanto ao hardware, foi utilizado um GPS de alta precisão para localização e planejamento de trajetória; já a detecção de obstáculos foi realizada por meio de dados obtidos por um radar e uma câmera estéreo.

O software de controle, desenvolvido no próprio LRM, é executado em um único computador embarcado no veículo. Esse, sim, é um gigante de peso desenvolvido com tecnologia e mão de obra brasileira!

Caminhão autônomo

IARA

O projeto IARA (Intelligent Autonomous Robotic Automobile), desenvolvido pelo Laboratório de Computação de Alto Desempenho (LCAD) e liderado pelo professor Alberto Ferreira Souza, da Universidade Federal do Espírito Santo, merece destaque.

Ele teve seu início em 2009, com estudos de visão computacional e robótica móvel em ambientes simulados e dados de sensores reais, em tarefas de mapeamento e localização, além de detecção e reconhecimento, por meio de imagens de câmeras.

Em 2012, foi adquirido um carro Ford Escape Hybrid, que foi adaptado para permitir o controle do sistema de acionamento do volante, acelerador, freios, entre outros dispositivos do veículo, por meio de sistemas computadorizados desenvolvidos pelo projeto IARA.

Desde então, pesquisas vêm sendo desenvolvidas pelo LCAD e, atualmente, o IARA já conta com diversos sistemas, como: mapeamento, localização, tomada de decisão de alto nível, planejamento de caminho, planejamento de movimento, controle, detecção e rastreamento de objetos móveis, detecção e reconhecimento de semáforos, detecção de pedestres, entre outros.

Para isso, a IARA conta com diversos sensores, como um Light Detection and Ranging (LIDAR) Velodyne HDL 32-E, um SICK LD-MRS 3D LiDAR, um Trimble Dual Antenna RTK GPS, um Xsens Mti IMU, câmeras Point Grey Bumblebee stereo, uma câmera ZED 2K stereo, e um computador Dell Precision R5500 (2x Intel Xeon 3,46 GHZ, 12GB RAM e uma GPU Tesla C2050). Para apresentar os resultados do projeto, foram escolhidos dois desafios.

No primeiro, em 2014, a IARA percorreu de forma autônoma um percurso de 3,7 km no anel viário da UFES dentro do campus de Goiabeiras, em Vitória. No segundo, em 2017, a IARA percorreu 74 km de Vitória até a cidade de Guarapari em modo autônomo, a uma velocidade média de 45km/h, com poucas intervenções no percurso.

Atualmente, o IARA pode chegar a 60km/h e é capaz de lidar com situações reais de trânsito em ambientes urbanos e rodovias. Tudo isso pode ser visto no canal do IARA no YouTube (youtube.com/user/lcadufes)!

Projeto IARA

Smart Camaro

Vindo da Bahia, o Smart Camaro esbanja simpatia! O projeto faz parte do pós-doutorado do professor José Alberto Diaz Amado, pesquisador do Grupo de Inovação e Pesquisa em Automação e Robótica (GIPAR) do Instituto Federal da Bahia, e é supervisado pelo professor Fernando Santos Osório do LRM da USP.

O projeto está em fase de desenvolvimento, mas já chama atenção por onde passa! Todo o processo está sendo implementado em um protótipo de minicarro, um modelo Camaro (elétrico) — o qual foi automatizado e instrumentalizado eletronicamente para esse projeto.

A ideia do professor José é aplicar técnicas de aprendizado de máquina a um protótipo em escala piloto, que pode ser utilizado para estudar várias abordagens, como o deep learning (redes neurais em multicamadas, capazes de aprender padrões de comportamento a partir de um banco de dados de aprendizado).

Por exemplo, podem-se registrar horas de direção de um carro, e depois utilizar essa técnica para aprender o modo como o motorista dirige; em seguida, a rede é capaz de pilotar o carro de modo autônomo. O Smart Camaro pode ser uma alternativa de baixo custo para o estudo e o treinamento de profissionais da área.

Smart Camaro

Wally

Carros autônomos, sim senhor! Vamos para o sertão da Paraíba conhecer o protótipo batizado de Wally. O Grupo de Pesquisa em Controle, Automação e Robótica (GPCAR) do Instituto Federal da Paraíba (Campus Cajazeiras), liderado pelo professor Raphaell Maciel de Sousa, desenvolveu esse simpático robô que, apesar do tamanho, não tem nada de brinquedo!

O Wally é todo desenvolvido a partir de hardware de baixo custo, sendo que o controle de velocidade é implementado em um Arduino Due, e consiste em duas malhas de regulação com controladores PID: uma das malhas regula a velocidade e a outra, o ângulo de giro do robô.

Em seguida, uma rede neural utiliza imagens de uma câmera conectada a um Raspberry Pi, que calcula o ângulo de ajuste, de modo que o robô é capaz de se manter em uma trajetória fechada – tudo isso de modo autônomo! O Wally possui encoders para medir o deslocamento e possibilitar que o Arduino calcule a velocidade do robô, que será utilizada como feedback da malha de regulação da velocidade e controle da velocidade angular do pequeno Wally.

Assim como o Smart Camaro, o Wally é uma alternativa de baixo custo que pode ser utilizada em instituições de ensino para o estudo e a disseminação do estado da arte em carros autônomos.

Wally

Mostramos aqui algumas iniciativas de grupos brasileiros que estão trabalhando com carros autônomos no País. Nossos profissionais são criativos e capazes de desenvolver novas tecnologias, contribuindo com o estado da arte do tema. Algumas empresas, inclusive, já estão investindo nas nossas instituições de ensino e priorizando a tecnologia nacional — como no caso da Scania, que investiu bastante no desenvolvimento do caminhão autônomo.

Espera-se que outras empresas sigam essa tendência e invistam no potencial do pesquisador brasileiro para que, aos poucos, consigamos gerar mais e mais mão de obra qualificada para trabalhar na área. Temos resultados importantes e, com o investimento correto, é possível, sim, que o Brasil deixe de ser um mero expectador e se torne um desenvolvedor de sua própria tecnologia e fornecedor de profissionais altamente capacitados!

Este artigo foi redigido em colaboração com todos os grupos de pesquisa citados aqui — desse modo, eu gostaria de agradecer a disponibilidade de todos!

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Artigo publicado na revista iMasters, edição #26: https://issuu.com/imasters/docs/imasters_26_v6_isuu