Em tempos onde as verdades absolutas não são questionadas e a sabedoria das multidões vira pretexto para justificar os mais inusitados acontecimentos, contrariar a máxima do ditado latino “Vox Populi, Vox Dei” soa tão perigoso quanto foi afirmar perante o tribunal da santa inquisição que a Terra era redonda e que não era ela o centro do universo. Enquanto a unanimidade perpetua o “status quo”, o contraponto da divergência, a polêmica e ponto fora da curva geram inovação.
A Sabedoria das Multidões (The Wisdom of Crowds, em inglês) é o título do livro de James Surowieck, publicado em 2004, que aborda como quase sempre as decisões ou escolhas feitas por um grupo são melhores do que se fossem feitas por qualquer um dos membros deste grupo. Alguns autores e pesquisadores preferem optar pelo termo Inteligência Coletiva para ilustrar essa mesma linha de pensamento.
Este conceito foi usado pelas empresas para justificarem seus modelos colaborativos (alguns fantásticos outros nem tanto) da então nascente WEB 2.0, após a estouro da primeira bolha da Internet por volta de 1999/2000. Foi nessa época que todos passamos a ser “co-autores” da rede – ou como gostam de dizer ao americanos, “prosumers”; que é a junção das palavras “producers + consumers”. Em português seria algo como “prossumidores”, ou seja, “produtores + consumidores”. Era o mundo dos blogs, das wikis e das plataformas sociais colaborativas que começava a tomar força.
Passados doze anos, todas estas questões agora ganham uma reverberação ainda maior dentro da realidade entrópica das redes sociais: autoria, co-autoria, crowdsourcing, engajamento, viralização e privacidade são pontos estratégicos a serem considerados pelos indivíduos ou pelas instituições que desejam assumir e monitorar a gestão de suas presenças nas múltiplas plataformas de relacionamento social.
Gostaria de citar um trecho do excelente artigo que o Marcelo Bastos escreveu para o site do HSM inspirado na fala de Kathy Sierra (programadora e game designer), onde é estabelecido um paralelo entre inteligência coletiva e o que Kathy chama de “burrice das multidões”:
- Inteligência coletiva é um monte de gente escrevendo resenhas de livros na Amazon. Burrice das multidões é um monte de gente tentando escrever um romance juntos.
- Inteligência coletiva são todas as fotos no Flickr, tiradas por indivíduos independentes, e as novas ideias criadas por esse grupo de fotos. Burrice das multidões é esperar que um grupo de pessoas crie e edite uma foto juntas.
- Inteligência coletiva é pegar ideias de diferentes perspectivas e pessoas. Burrice das multidões é tirar cegamente uma média das ideias de diferentes pessoas e esperar grande avanço.
*Extraído de : http://www.hsm.com.br/blog/2012/04/burrice-das-multidoes-ou-inteligencia-coletivaSegundo Surowieck, uma “multidão sábia” é estruturada em 4 pilares :
- Diversidade de opiniões;
- Independência;
- Descentralização;
- Agregação.
A crítica mais contundente deste modelo é o efeito cascata que acontece quando as pessoas observam as decisões dos outros para depois fazerem a mesma escolha feita pelos primeiros, não levando em consideração os seus próprios critérios. Artigos copiados, tuítes retuitados e conteúdos compartilhados sem a confirmação da sua veracidade ou relevância; é daí que nascem os trolls, os fakes…
A web e o macaco infinito
O Teorema do Macaco Infinito afirma que se fornecermos um número infinito de máquinas de escrever à um número infinito de macacos, em algum dado momento eles criarão uma obra prima como uma peça de Shakespeare ou um tratado de economia. A probabilidade, ainda que remotíssima e bizarra, existe…
Este teorema é definido por bases matemáticas complexas, que envolvem teorias de probabilidade e estatística e pode ser exemplificado da seguinte maneira:
Suponha que uma máquina de escrever tenha 50 teclas, e a palavra a ser escrita seja “banana”. Teclando-se aleatoriamente, a chance de a primeira letra teclada ser b é 1/50, e a chance de a segunda ser a é também 1/50, e assim por diante, porque os eventos são independentes. Então a chance de as seis letras formarem banana é :
(1/50) × (1/50) × (1/50) × (1/50) × (1/50) × (1/50) = (1/50)6.
Exemplo extraído de : http://pt.wikipedia.org/wiki/Teorema_do_macaco_infinito
Infinitos macacos em infinitas máquinas de escrever em um infinito período de tempo poderiam aleatoriamente, em certo momento, combinar todas as letras necessárias e na ordem correta para escrever os Lusíadas. Poderiam…
Andrew Keen, autor do polêmico Culto do Amador ( em inglês, The Cult of Amateur ) traz no sumário deste livro uma metáfora interessante e uma possível aplicação e /ou verificação deste teorema indo além do modelos matemáticos. Imaginem o seguinte:
- A tecnologia tornou-nos bilhões de indivíduos alimentando o sistema com nossos pensamentos aleatórios ou escolhidos, consistentes ou incoerentes, tendenciosos ou imparciais.
- Nossos smartphones, tablets, computadores e demais dispositivos multiplicam-se quase ao infinito, tornando-se poderosos dispositivos de entrada de dados.
Cada indivíduo desta infinidade tem a sua versão da realidade, cada indivíduo é o senhor da sua própria verdade.
- A combinação destas múltiplas verdades pode nos levar à um consenso, à um conteúdo coeso universal?
- Estaríamos aleatoriamente combinando teclas ou estamos redigindo uma obra prima coletiva?
- Quem organiza, compila e classifica todo este conteúdo?
- Quanto mais nos aproximamos da infinidade, mais temos chance de responder à esta questão? Acredito que sim…
Keen tem uma visão extremamente cética e pessimista deste cenário. Segundo ele, a Internet está matando nossa cultura, a combinação caótica de conteúdo nos leva a um esvaziamento e não ao arrebatamento intelectual.
A resposta semântica
- Um vídeo de uma família cantando um refrão que exalta a alegria tornar-se um hit popular e mobiliza pessoas, empresas e patrocinadores;
- Uma embalagem de palitos de dente que responde de maneira indelicada aos anseios da humanidade ressuscita uma empresa estagnada e torna-se case internacional de marketing (sendo plágio ou não);
- Uma senhora de mais de 80 anos tenta restaurar um quadro e o resultado desastroso é referenciado como uma manifestação “pop-cult” de força mundial.
Certamente você foi bombardeado pelo sucesso destes fenômenos nos últimos tempos. Isso é a construção da inteligência coletiva de uma sociedade? Ou é um evento aleatório e inexplicado gerado pela combinação inusitada de infinitos usuários em seus infinitos dispositivos expressando seus infinitos pontos de vista?
Prefiro acreditar na segunda opçã. Depois que estes eventos aconteceram, sociólogos e programadores justificam e explicam suas teorias e comunicólogos e palestrantes justificam suas estratégias.
Por que não é possível prever como e quando um fenômeno deste poderá ocorrer? Como combinar elementos e conceitos semelhantes para reproduzi-los em contextos diferentes e em prol dos nossos negócios e empresas?
A resposta está na semântica
A era da busca é comandada por um algoritmo. Algoritmo esse que mora e trabalha nas nuvens e é ele que indexa os petabytes da informação. O algoritmo é o garra (parafraseando Toy Story) é ele quem escolhe quem vai e quem fica.
Como ser amigo do algoritmo? Como ter informações privilegiadas sobre seus gostos? Como saber seus próximos passos? Fácil, dando a ele o que ele mais gosta: dados semânticos.
A semântica é o estudo dos significados. Ela está presente na linguística, ciência, literatura, música, tecnologia e design. Ela procura estabelecer a relação entre palavras, frases, sinais, códigos, símbolos e o universo que eles representam. Dados semânticos são dados enriquecidos de ligações e relações que podem se desmembrar em infinitos subníveis. Você pode ir de Santo Dumont à Casa do Pão de Queijo tendo Minas Gerais com o interlocutor semânticos destas duas extremidades.
Dados semânticos são organizados em espirais infinitas que interligam significados. Na web estas espirais podem ser organizadas a partir de recursos conhecidos como microformatos, cujos padrões podem ser definidos por esquemas e metodologias de classificação (como por exemplo schema) que buscam “fechar” o grande looping do conteúdo:
Dados > Informação > Conhecimento > Inteligência
Produzir conteúdo relevante e semântico é uma tarefa multidisciplinar que vai do planejamento estratégico até a marcação rigorosa de código. Definitivamente, agradar ao algoritmo não é tarefa para amadores. Houve uma época em que o algoritmo se contentava com uma tag title bem definida, um h1 no lugar certo, links de peso, ou seja, o velho testamento do SEO.
Esta era passou, o algoritmo está cada vez mais exigente e seu prato preferido, a semântica, não pode ser servido de qualquer jeito. Um pouco de sal a mais ou a menos desanda toda a receita.
Todo conteúdo publicado na web pode, teoricamente, ser interligado semanticamente pelos seus significados e quando os dispositivos entenderem totalmente o conteúdo inserido e exibido neles poderão oferecer soluções que hoje ainda não são possíveis.
A semântica pode ser a fórmula para um “viral de sucesso”, que muito publicitários tentam em vão garantir para o cliente. E quem sabe até para fenômenos como Nossa Alegria, Gina Indelicada e Jesus Restaurado não pudessem ser planejados, fabricados e introduzidos no sistema de maneira consciente e não aleatória e imprevista como hoje acontece. Não existe uma resposta pronta, mas certamente a semântica faz parte dela
O marketing semântico é a estratégia para esta nova era comunicacional de conteúdos flexíveis e úbiquos em que vivemos, a era da Open Web Platform.