Gerência de Projetos Dev & TI

22 jun, 2010

Cuidado com a “catraca cultural” nos projetos de tecnologia

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Era um fim de tarde tranqüilo de verão quando, perdido em meus pensamentos, dirigia-me até a estação rodoviária de Bauru (interior de São Paulo) onde, por estar sem carro, tomaria um ônibus para Jaú.

Notei que a empresa tinha implantado o sistema de cartões magnéticos em alguns de seus ônibus e achei bastante interessante, mas me lembro que pensei comigo mesmo que isso causaria alguns problemas entre os passageiros acostumados há muitos anos a utilizar as passagens de papel. Dito e feito.

O embarque era relativamente rápido, mas o desembarque era um caos. Cada vez que alguém queria descer do ônibus era um festival de problemas com o cartão não sendo lido, a catraca travando e dando um tranco na perna do passageiro, etc. Por conta disso, havia um monte de clientes insatisfeitos com a demora e com os palavrões ouvidos a cada tentativa frustrada de sair do veículo.

A viagem já acumulava um atraso de quase meia hora quando, ao parar na rodoviária de Pederneiras, a coisa pegou fogo. A catraca travou de vez e ninguém conseguia descer. Entre o descontentamento geral e reclamações de todos os lados, eu estava sentado no meu assento só pensando “Que dia para estar sem carro!”.

De repente, entre xingamentos e reclamações, uma senhora, movida talvez pela impaciência ou por medo daquela situação desagradável, tentou pular a catraca para sair. Antes não o tivesse feito. Enroscou a perna e caiu do outro lado, vindo a escorregar pela escada até parar no chão da plataforma, num tombo realmente cinematográfico.

Aparentemente não teve nenhum ferimento grave (a não ser no orgulho), mas a cena já foi o suficiente para incitar uma revolta geral, e não eram poucos os que gritavam contra a empresa, sugerindo até que se ateasse fogo ao ônibus.

Eu já estava procurando onde ficavam as saídas de emergência para fugir do meio daquela bagunça quando um funcionário, vindo não se sabe de onde, conseguiu liberar a catraca e aquele povo todo desceu, amenizando os ânimos um pouco. Depois disso a viagem continuou (com os mesmos problemas e reclamações) e, com um belo tempo de atraso, cheguei em Jaú são e salvo. Ufa!

Muitas vezes não nos atentamos para os limites das pessoas, e forçamos situações que elas não estão em condições de enfrentar. Não é incomum empresas investirem grandes somas em tecnologia e se esquecerem de que os usuários que deverão lidar com essa tecnologia não estão treinados adequadamente para fazê-lo, não têm cultura para isso.

Não levar em consideração o nível cultural das partes envolvidas, e negligenciar as ações necessárias para alterar o fato, é um dos grandes erros que costumam causar problemas e até afundar alguns bons projetos. Em situações assim, o que normalmente ocorre é o uso incorreto da tecnologia ou o boicote à mesma.

Dessa forma, se os usuários forem colaboradores, na melhor das hipóteses, perde-se tempo, dinheiro, além de causar problemas organizacionais. Já se forem clientes, o estrago é maior. O faturamento pode ir para o ralo.

No caso da empresa de ônibus, nada vai acontecer porque ela é a única que faz essa linha Bauru-Jaú, então os clientes não têm outra opção, a não ser que todos queiram comprar um carro. Entretanto, num ambiente normal de livre concorrência, isso poderia ser fatal para a organização.

Mas enfim, passado o susto, a experiência foi válida, pois, apesar de defender as ações voltadas ao trabalho de cultura organizacional relacionada aos projetos de tecnologia, nunca tinha sentido tanto na pele (e de tão perto) os resultados de uma decisão errada nesse sentido (ainda que essa decisão não fosse minha e que, nesse caso, o cliente fosse eu).

Pena que a empresa provavelmente não aprendeu nada com isso, exceto o pobre motorista que, de tanto medo e sem saber o que fazer naquele caos, deve ter pensado seriamente em mudar de profissão.