DevSecOps

7 out, 2015

Uso de softwares abertos: uma vitória no judiciário brasileiro

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A Internet e seus programas são códigos e, desde sua origem, existiram inúmeras mudanças tecnológicas, muitos códigos reescritos e aprimorados, e uma infinidade de licenças foram criadas (proprietárias e livres), normas, regulamentações, além de incentivos tributários e sociais. Enfim, muitas coisas mudaram, exceto as intermináveis discussões sobre qual o melhor código, qual a melhor solução, qual a melhor distribuição, e por aí vai. Discussões quase sempre originadas pela vaidade de desenvolvedores de códigos ou ainda frutos de ideologias e diretrizes corporativistas.

Sendo assim, desde muito tempo, encontramos dilemas como software proprietário x software proprietário (Adobe Illustrator x Corel Draw), software livre x software livre (openSUSE Linux x Ubuntu) e, logicamente, software proprietário x software livre (Linux x Windows).

Muitas vezes, o impasse envolve não apenas questões filosóficas, mas principalmente questões técnicas, como qual software possui a melhor integração ou qual código é o mais enxuto, estável e seguro. Questões cujas respectivas respostas acabam por direcionar investimentos tanto no setor público quanto no setor privado.

O problema é que muitos desenvolvedores, empresários, investidores, startups e até o próprio governo acabam se esquecendo de um detalhe importantíssimo durante a fase da escolha de qual código ou solução é a melhor para cada necessidade. Detalhe que inclusive pode ser o responsável pelo sucesso ou fracasso de qualquer projeto, e é aqui que começamos a falar dos códigos da Lei.

Foi pensando nos usos e costumes, na responsabilidade social e nos princípios de nossa Constituição Federal que, no dia 9 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente, favorecendo o software livre, uma Ação de Inconstitucionalidade que questionava a validade da Lei 11.871/2002 quanto da preferência de uso de plataformas livres e abertas na Administração Pública.

O questionamento principal, apontado pelo partido Democratas (DEM), alegava que a Assembleia Legislativa não poderia interferir nas regras de licitações, pois essa função é do Poder Executivo.

Em fundamentação de seu voto, o Ministro Ayres Britto argumentou da seguinte forma:

A lei em causa não predetermina o vencedor da licitação nem retira da autoridade pública o poder de ponderação das circunstâncias do caso concreto. Veja que o art. 3º do diploma legislativo permite:

a contratação e utilização de programas de computador com restrições proprietárias ou cujas licenças não estejam de acordo com esta lei: I – quando o software analisado atender a contento o objetivo licitado ou contratado, com reconhecidas vantagens sobre os demais softwares concorrentes, caracterizando um melhor investimento; II – quando a utilização de programa livre e/ou código fonte aberto causar incompatibilidade operacional com outros programas utilizados pela administração direta, indireta, autárquica e fundacional do Estado, ou órgãos autônomos e empresas sob o controle do mesmo”.

Outro questionamento, também apontado como inconstitucional pelo DEM, trata dos princípios da economia e da eficiência, que também foi apontado como manifestação improcedente no voto do Ministro Ayres Britto:

“…existe, sim, um atributo do software “livre” que justifica a preferência estabelecida em lei: a aquisição do conhecimento. Quando a Administração Pública visa a adquirir um programa de computador, a proposta mais vantajosa será, quase sempre, aquela que lhe permita não somente usar o software, como também conhecer e dominar sua tecnologia. Isto tanto para viabilizar futuras adaptações e aperfeiçoamentos quanto para avaliar a real segurança das informações públicas. Tendo em vista essas específicas necessidades do Poder Público, pode-se afirmar, então, que o software “livre” é, a princípio, mais vantajoso, devendo, portanto, ter preferência em relação ao software “proprietário”.

“… o software “livre”, assim como o “proprietário”, constitui-se num produto “acabado”, profissional. Ao adquirir um programa de computador “aberto”, a Administração Pública não está a contratar um produto experimental, menos ainda um serviço a cargo de amadores ou curiosos do ramo. Pelo que as mesmas garantias que se exigem das grandes empresas detentoras dos direitos autorais de softwares “proprietários” são requeridas para o correto funcionamento e manutenção dos softwares “livres”. Já quanto aos custos de migração de sistemas e de treinamento de usuários, eles também existem para a implantação e a atualização de softwares “proprietários”. E se tais custos são, eventualmente, maiores para operacionalizar softwares “livres”, isto se deve exatamente ao fato de que muitos órgãos e entidades da Administração Pública terminaram reféns dos programas “fechados”.

Ainda em favor do software livre, o Ministro Luiz Fux fundamenta em seu voto:

É lícito e legítimo que o Poder Público opte por adquirir licenças de software livre. Seria plenamente válido que a Administração Pública optasse por contratar apenas licenças amplas, que permitissem ao Poder Público obter acesso ao código-fonte dos programas de computador adquiridos”.

Em outras palavras, ao optar por um software livre, a Administração Pública, seguindo os princípios já definidos pela GNU (General Public License), tem como garantias:

  • (I) liberdade de execução – pode executar o programa para qualquer propósito;
  • (II) liberdade de conhecimento – pode estudar o funcionamento do programa e adaptá-lo livremente às suas necessidades; e
  • (III) liberdade de compartilhamento – uma única cópia do programa pode ser utilizada por todos os funcionários de um mesmo órgão público ou por qualquer outro ente, seja ele pessoa física ou jurídica, sem custos adicionais.

Tendo então o STF chegado à seguinte decisão:

“… por unanimidade de votos, em julgar improcedente o pedido formulado pelo partido DEM na ação de Inconstitucionalidade quanto da adoção e incentivo do uso de softwares livres”.

Resumindo, seja código proprietário, seja código livre, Gimp ou Photosohop, Linux ou Windows, a palavra final é a que vale, e a palavra final invariavelmente é baseada nos códigos comentados na palavra da Lei. Sendo assim, uso de softwares abertos – vitória no judiciário brasileiro!

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Com co-autoria de Carlos Alberto Ribeiro é Paralegal no COTS Advogados, escritório especializado em Direito Digital, Tecnologia da Informação e E-commerce. Especialista em Direito da Tecnologia da Informação pela FGV. Profissional especializado em plataforma Linux e padrões abertos desde 1998, possui experiência nacional e internacional, cursos e certificações MCSE, Novell Certified Linux Administrator, Novell Certified Linux Professional, CCNA Cisco, Novell OES Bootcamp, Novell Identity Manager, IBM Data Center Technical Specialist, IBM – SystemZ e ACS Cisco. Também é palestrante em eventos nacionais e internacionais nas áreas de direito e tecnologia.

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Artigo publicado originalmente na Revista iMasters: http://issuu.com/imasters/docs/revista_imasters_15_agosto2015