Introdução
A proposição central deste artigo é mostrar que a única maneira de grupos conseguirem lidar com sistemas complexos de forma eficiente é por meio da criação de estruturas de time de times que trabalhem sob dois valores principais: consciência coletiva e execução empoderada. Em uma simplificação, complexidade é definida como a densidade de interação entre participantes de um sistema no qual não é possível prever o futuro e, portanto, não existem melhores práticas e planejamentos possíveis, mas adaptabilidade e práticas emergentes.
De Taylor a Alfred Sloan: reducionismo e silos
Com 17 anos, Frederick Taylor desistiu de Harvard para voltar para sua casa na Pensilvânia. Apesar de ter nascido em uma família de posses e ter estudado em uma escola particular em Exeter, dores de cabeça e uma inadequação à universidade o levaram a dedicar seu tempo e sua grande capacidade de trabalho a uma fábrica.
Apesar de a revolução industrial ter mudado a face do mundo, naquela época, o trabalho de artesãos, de praticantes e de pequenas fábricas continuava extremamente improvisado e individual. Frustrado por não conseguir fazer com que seus artesãos trabalhassem mais, já que eles detinham o monopólio da execução e, portanto, muita alavancagem, ele resolveu estudar cientificamente o trabalho feito. Taylor mudou a descrição do trabalho de “fazer uma roda” para: entortar uma chapa, colocar o aro, bater os pinos e inserir o eixo. Essa estratégia de diminuir o desperdício foi chamada de “reducionismo”.
A administração científica nascia e o esvaziamento do artesão, que agora era um “executor” burro de planos padronizados feitos por uma elite “pensante”, levou a ganhos de produtividade dezenas de vezes maiores. A cultura de administração americana absorveu as ideias de Taylor com incrível abrangência, o que levou no final ao estabelecimento de uma enorme diferença de capacidade de produção em relação ao resto do mundo e foi fator preponderante do estabelecimento da liderança americana na ordem mundial no próximo século.
By the late 1920s it could be seen that all of the modern society had come under the sway of a single commanding idea: that waste was wrong and efficiency the highest good and eliminating one and achieving the other was best left to experts
Robert Kanigel, Frederic Taylor Biographer
Taylor has probably had a greater effect on the private and public lives off the men and women of the twentieth century than any other individual” – Jeremy Rifkin (Historian)
Algumas décadas depois, Alfred Sloan foi nomeado presidente da General Motors para ajudar a reorganizar a empresa que se encontrava à beira da falência. Durante os seus 23 anos como Chief Executive Officer (CEO), a General Motors viveu um período de grande expansão e aumento da sua participação no mercado de automóveis.
As análises de Sloan e a capacidade de compreensão dos problemas de gestão tornaram possíveis o crescimento e o progresso da empresa ao longo dos anos. Ele instituiu um conjunto de procedimentos padrões para orçamento, contratação, vendas etc. e criou divisões descentralizadas encarregadas de produzir componentes específicos, transformando-as em centros de lucros. Esses centros eram administrados por uma única central que recebia, em intervalos regulares de tempo, relatórios detalhados sobre vendas, estoques, lucros etc.
Alfred Sloan também criou os conselhos interdivisionais, que funcionavam como um departamento à parte no qual os executivos podiam compartilhar ideias e encontrar diferentes formas de explorar o negócio e o mercado. O executivo ainda definiu uma nova estratégia de marketing segmentado para a GM, aumentando o seu crescimento de 12,7% em 1921 para 47,5% em 1940. “Resumindo, ele deu à empresa uma estrutura com centralização na definição de políticas e descentralização de sua aplicação prática, por meio de divisões coordenadas com a administração central. Sloan foi um grande estrategista e visionário, e esses fatores foram determinantes no seu sucesso” – trecho retirado do Portal Administracao.com.
Sloan recebeu uma empresa quase quebrada e por meio do comando centralizado e da criação de silos departamentais tornou a General Motors a maior empresa automotiva do mundo.
E o que esses dois executivos têm em comum? Em uma simplificação, Taylor e Sloan podem ser considerados os pais do que os americanos chamaram de administração científica. Com essa estratégia, planejamento, reducionismo e estruturas hierárquicas, levaram à supremacia da indústria americana sobre o mundo. Mas, como disse Peter Senge no seu livro sobre pensamento sistêmico, “A Quinta Disciplina”, quando trabalhamos com sistemas complexos os problemas de hoje vêm de “soluções” de ontem.
De complicado a complexo
Durante a evolução da raça humana, a espécie começou a utilizar um lado do cérebro que tem como atributos mecanismos de resposta rápida e uma busca incessável por causalidade. Se nossos ancestrais tentassem analisar o perfil dos predadores que ameaçavam nos comer e buscassem um plano elaborado analítico de fuga, talvez nós não estivéssemos aqui como a espécie reinante na Terra.
Quando encontra o mundo moderno, infelizmente essa evolução darwiniana nos deixa incrivelmente mal aparelhados para tomarmos decisões racionais, empíricas e céticas adequadas aos desafios que encontramos hoje.
Tentamos a todo momento, explícita ou implicitamente, modelar o mundo e buscar explicações causais para cada fenômeno e interação que passamos, mesmo quando elas não existem.
E se, por hipótese, estivéssemos lidando com fenômenos chamados complexos ou caóticos, nos quais pela incrível quantidade de iterações entre os participantes dos sistemas os eventos fossem aleatórios e impossíveis de prever?
Nesse contexto, toda a teoria da administração científica tayloriana e todo o nosso histórico de abordagem de resolução de problemas não funcionaria. E se estivéssemos à mercê de um novo mundo, no qual a previsão do futuro fosse impossível e consequentemente todo o processo clássico de planejamento reducionista fosse incrivelmente inútil?
Para explicar melhor, vamos usar uma analogia militar: a 82nd Division, divisão paraquedista americana, pode dividir seu trabalho em dois momentos. O primeiro deles é um planejamento perfeito, que acontece desde a hora em que o soldado arruma sua mochila de forma padronizada. Ele entra em uma fila indiana perfeita, senta no seu local pré-determinado e, no horário planejado, respondendo à luz verde, salta para o vazio. No segundo momento, o mundo fica complexo. O paraquedista pode cair no local planejado com todo seu batalhão atrás das linhas inimigas ou, mais provavelmente, o plano vira água. O paraquedista pode pousar em qualquer lugar, perto ou longe de seu time, atrás ou na frente do inimigo ou pendurado em uma árvore.
Nesse contexto, o plano não vale nada e a sobrevivência depende de adaptabilidade, autogestão, auto-organização e uma busca por se movimentar na direção de um ambiente mais controlado (com menos entropia), se reagrupando com outros paraquedistas.
Prediction is not the only way to confront threats; developing resilience, learning how to reconfigure to confront the unknown is a much more effective way to respond to a complex environment. Since the pursuit of efficiency can limit flexibility and resilience the Task Force would have to pivot away from seeing efficiency as the managerial holy grail. To confront a constantly shifting threat in a complex setting, we would have to pursue adaptability – General Stanley McChrystal
De comando e controle para time de times
Assim como a 82nd Division, nossas empresas têm partes simples e complicadas (tudo o que ocorre até o salto) que podem ser otimizadas pela chamada administração científica de “Taylor e Sloan”, mas têm também a parte que é melhor modelada como um sistema complexo ou caótico, no qual o plano não vale nada e temos que ser iterativos, empíricos e incrementais.
Nesse ambiente, a estrutura departamental de comando e controle leva à morte dos paraquedistas e à falência de nossos negócios. A máquina eficiente de Taylor tem que dar lugar a um organismo no qual o que vale é a consciência coletiva e a execução empoderada. A estrutura organizacional tem que refletir o processo de mudança cultural que vai de comando e controle, passa por comando de times e chega a uma estrutura de time de times, que permite adaptabilidade e resiliência.
Para sermos realmente eficientes em um ambiente complexo, temos que ser capazes de reagir com extrema velocidade e precisão depois que os eventos ocorrem. Como é impossível prever o futuro, precisamos exercitar a nossa agilidade ao máximo para termos sucesso. Para isso, temos que garantir que os times, além de serem autogeridos e auto-organizados, possam tomar decisões com o mesmo nível de qualidade que os níveis mais altos da organização. Não dá tempo para que as decisões “subam” até o comando de times ou ao comando departamental para garantir que elas sejam tomadas com todas as informações e com alinhamento estratégico com o resto da companhia.
Temos que garantir que o time de times funcione da mesma forma que um time multidisciplinar de alta performance, ou seja, com acesso ao mesmo nível de informação que o comando, com um conjunto de valores que permita que ele tome decisões de forma ótima e com o mandato para decidir. Essa é a base dos princípios de consciência coletiva (transparência global) e Execução Empoderada (mandato e alinhamento de valores) que permitem que cheguemos à adaptabilidade, velocidade e assertividade e consigamos vencer em um ambiente complexo.
Da mesma forma que a administração científica gerou ganhos de produtividade de 10 vezes e levou os EUA a ganhar a 2ª Guerra Mundial devido à sua adequação a ambientes simples e complicados, a estruturação de empresas como organismos, organizados como time de times baseados em consciência coletiva e execução empoderada, gera ganhos de produtividade de 10 vezes em ambientes complexos e caóticos.
Conclusão
As grandes vencedoras do mundo contemporâneo corporativo serão empresas que entendem as nuances dentro de si mesmas e consigam modelar e decidir qual é a melhor forma de organizar seus times. Empresas que entendem que a mudança do ambiente de negócios de complicado para complexo gera a necessidade de uma mudança cultural e organizacional de reducionismo para adaptabilidade e resiliência, de comando e controle e silos para time de times com transparência e autonomia. Ao vencedor tudo, ao general de cavalaria, o esquecimento.