O software livre é tido como um movimento social por várias pessoas. Pelo mesmo motivo, muitas outras associam software livre com socialismo ou comunismo, o que já foi desmentido pelo próprio criador do termo software livre, Richard Stallman.
Eu mesmo imaginava que a função social do software livre como a imagem acima, que peguei do projeto de uma colega de trabalho, Eduscope¹. Era algo que tornaria o mundo melhor e menos desigual, lutando contra as grandes corporações que controlavam o mundo. Essa última parte era outra forma de dizer “sou contra a Microsoft e tudo que ela representa”.
E se foram mais de 10 anos com software livre. Linux completou 20 anos. O projeto GNU, 30. E o mundo? O mundo não ficou menos desigual. Pela situação atual da economia americana, eu diria que até ficou muito mais desigual. O Brasil teve uma melhoria de condição de vida das famílias em geral, olhando num panorama dos últimos 10 anos – e descartando um pouco a crise atual – mas não foi causada pelo software livre. Enquanto isso, as empresas de software livre como RedHat, Canonical e Google se tornaram uma corporação tão grande e poderosa como a própria Microsoft, com os mesmo tipos de problemas que tentávamos combater antes.
Onde está esse lado social? Cadê?
Pensando sobre isso, comecei a olhar por outro lado: quais são as empresas de sucesso atualmente? A Forbes lista as principais como sendo:
- Apple
- Microsoft
- Alphabet (Google)
- Coca-Cola
- IBM
- Mc Donald’s
- Samsung
- Toyota
- General Eletric
Se filtrarmos por empresas de tecnologia somente, o ranking fica assim:
- Apple
- Microsoft
- Alphabet (Google)
- IBM
- Samsung
- Amazon
- Cisco
- Oracle
- Intel
Ignorando que a Microsoft disse que “ama o Linux”, já que a contribuição dela com software livre é pouca e em geral cobre mais a adaptação ao seu ambiente de cloud, o Azure, todas as demais têm algum envolvimento com software livre. Seja como parte de sua estratégia de negócios, seja como seus produtos ou serviços (o que volta à estratégia). Então, é possível ver que software livre é um sucesso no mundo dos negócios, mas ainda não tem nenhum lado social. E no fim, as empresas cresceram e acabaram virando grandes corporações, assim como anteriormente.
Mas eu pessoalmente acho que surgiu um lado social do software livre que é bem diferente desse de melhoria das condições das populações mais pobres (essa continua sendo uma obrigação do governo) e do fim das grandes corporações. Vou usar o mercado em que trabalho, o de telecomunicações, como exemplo.
Se observar o mercado de telecom de 20 anos atrás, no surgimento do Linux, esse era um mercado dominado por grandes empresas e padrões rígidos. Tudo era definido pela ITU-T ou IEEE com custos altíssimos de aquisição de material. Devido a isso, existiam poucos interessados – a menos que tivessem muito capital pra entrar nesse mercado – e os equipamentos eram muito caros, o que refletia diretamente nos valores cobrados dos usuários, que tinham basicamente um serviço de voz e nada mais.
Pensando em 10 anos atrás, esse mercado já tinha sofrido algumas baixas com o surgimento do Skype, que iniciou uma migração sem volta pra serviços de VoIP. O Skype não foi o único responsável por VoIP, mas arruinou boa parte das operadoras que tinham como seu negócio a venda de chamadas internacionais. Em 2006, voz ainda era o maior gerador de receita das empresas, mas a banda larga já estava gerava uma outra boa parte e mostrava que estava crescendo. Mas os celulares mais modernos, smartphones, ainda não eram uma realidade próxima pra muita gente.
Olhando esse mesmo mercado hoje em dia, o que aconteceu? Grandes fornecedores de equipamentos simplesmente faliram, como foi o caso da Nortel. Outros se juntaram pra poder sobreviver. Mas a quantidade de fornecedores não aumentou – muito pelo contrário, apenas diminuiu. De onde veio a concorrência que destruiu seu mercado? Veio de IT. Com isso o mercado de telecom se transformou em ICT, information and communications technology, ou tecnologia da informação e da telecomunicação. Regras fixas que levavam anos, talvez décadas, pra serem definidas, foram trocadas por métodos ágeis e softwares mais leves. Normas ITU-T foram trocadas por RFCs da IETF. Empresas que não tinham nenhum conhecimento sobre telecom começaram a tentar esse mercado. A Apple, uma inovadora nesse sentido, simplesmente quebrou todos os paradigmas de telefonia com o lançamento do iPhone. Junto veio o Android. E com isso, milhões de programadores começaram a lançar seus apps pra esse mundo novo. O mundo abraçou dados e IP. A voz, que antes o carro chefe de mercado, virou um acessório de pouco uso.
Onde está o lado social e software livre nisso? Se pensar nesses momentos, de 20 anos atrás, 10 e agora, verá que o custo do uso de telefonia despencou para o usuário, permitindo mais pessoas participarem desse ambiente. Claro que eu não me refiro a isso como o fator social. Eu me refiro ao montante de receita, que diminuiu pra fornecedores e operadoras, mas não para o mercado como um todo. Essa receita foi dividia com novas empresas.
O que pra mim foi o lado totalmente social proporcionado pelo software livre foi o surgimento de startups. O mercado de telefonia foi totalmente canibalizado por empresas como Skype, Whatsapp, Google Hangout, Facebook Messenger, Viber, Actor, Telegram etc. O software livre permitiu que pequenas empresas – algumas viraram gigantes – o usassem como base do seu modelo de negócios e participassem de um mercado que até então era totalmente negado a elas. Como exemplo, o Whatsapp começou como uma pequena empresa com seus servidores baseados em FreeBSD e Erlang, ambos softwares livres. E todas as startups que existem atualmente se baseiam de um jeito ou de outro em software livre. Seja como base do seu negócio ou seja como ambiente de desenvolvimento.
E isso não foi só no mercado de telecom. O mesmo aconteceu com outros mercados, como o Netflix nos faz lembrar.
Então, esse é o lado social que o software livre trouxe em todas as áreas. Se há 10 anos todo mundo só pensava que um emprego bom, com salário razoável – possibilitados apenas pelas grandes corporações -, o software livre hoje em dia permite que ele trabalhe de casa pra uma startup que combine com seu modo de vida e seu jeito de pensar, ou mesmo em empreender para ter sua própria startup.
O software livre ensinou a pescar, e, sim, dividiu o bolo. Que venha mais software livre!
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¹ Pra quem quiser saber mais sobre esse interessante projeto de educação, o site é Eduscope. Mas basicamente foi um experimento de acesso à informação em locais muito pobres, como o Paquistão. Os sistemas rodavam Ubuntu e as pessoas o usam pra auto-aprendizado (continua funcionando). Criado por uma ex-colega de trabalho como projeto científico de aprendizado.